PREFÁCIO
José Carlos Carvalho
Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente
Atualmente, há um rico debate na sociedade brasileira sobre o futuro da Amazônia. Nessas discussões, pesquisadores, tomadores de decisão, agentes econômicos, lideranças sociais e organizações ambientais têm reconhecido a vocação florestal dessa importante porção do nosso território. Todos consideram que é possível assegurar o desenvolvimento da região e ao mesmo tempo garantir a conservação de seu imenso patrimônio natural. Esse caminho sustentável ganha ainda maior respaldo técnico e econômico no relatório elaborado pelo Banco Mundial e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e intitulado Amazônia Sustentável: limitantes e oportunidades para o desenvolvimento rural.
O relatório do Banco Mundial e Imazon contém três mensagens relevantes para o futuro da Amazônia. Primeira, há severas restrições naturais (em especial, climáticas) à expansão da agropecuária em vastas áreas da região. Utilizando uma sólida argumentação econômica e vasta literatura, os autores revelam que na medida em que a precipitação pluviométrica aumenta, ocorre uma redução da produtividade agrícola e uma conseqüente redução da rentabilidade econômica. Para os autores, a agropecuária tem maior possibilidade de êxito econômico na chamada Amazônia seca (17% das terras), uma zona caracterizada por chuvas moderadas (menos de 1.800mm por ano), situada ao sul da Amazônia Legal. No restante da Amazônia Legal (83%), os autores demonstram que a melhor opção de uso do solo é o manejo florestal sustentado.
Segunda, se não houver controle das forças de mercado na região, o uso do solo será baseado na exploração madeireira predatória e pecuária extensiva. Nesse caso, os autores alertam que a economia dos municípios da Amazônia tenderá a seguir o ciclo boom-colapso. Ou seja, nos primeiros anos de atividade econômica ocorre um ilusório e rápido crescimento (boom) seguido de um severo declínio em renda, emprego e arrecadação de impostos (colapso). Para evitar esse ciclo insustentável, o relatório sugere uma série de instrumentos econômicos e estratégicos entre os quais a adoção de uma taxa sobre a madeira de origem predatória, pagamento pelos serviços ambientais prestados pelas florestas, ampliação das Florestas Nacionais e Estaduais de Produção e incentivos para o manejo em áreas privadas.
Finalmente, o relatório enfatiza a importância da política de ampliação e consolidação do sistema de Florestas Nacionais (Flonas) do governo federal. Os autores reconhecem essa iniciativa como a maneira mais promissora para estabilizar o setor madeireiro e promover o manejo florestal nas novas fronteiras econômicas da região. Para os autores, a boa notícia é que há um amplo apoio do setor produtivo e da sociedade civil organizada para a criação dessas Unidades de Conservação. Além disso, o relatório demonstra que as Flonas podem compor um mosaico de áreas protegidas atuando como zona tampão ao redor dos Parques e Reservas (Áreas de Proteção Integral).
Em síntese, o relatório do Banco Mundial e Imazon propõe uma política de desenvolvimento na Amazônia com forte ênfase no manejo florestal. Os autores constatam que as alternativas de uso do solo economicamente viáveis (manejo e agricultura intensiva) correspondem tanto aos interesses da população local como aos interesses nacionais e globais. Para os diversos atores envolvidos no debate e implementação de iniciativas de uso e conservação, essa notícia soará como algo excepcional, pois revela que há oportunidades concretas para uma economia sustentável na Amazônia com base na própria floresta. Cabe a nós trabalhar com competência e determinação para transformar essas oportunidades em realidade.
Com o lançamento do Programa Nacional de Florestas (PNF), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) deseja estimular as iniciativas de promoção do uso dos recursos florestais brasileiros estabelecendo novas bases para o aproveitamento de nossas riquezas naturais em substituição ao modelo clássico do desmatamento que tem caracterizado o setor florestal brasileiro.
RESUMO
O objetivo deste relatório é fornecer uma base de informações para que os tomadores de decisão, agentes econômicos e a sociedade civil possam garantir que o solo na Amazônia seja mantido em seu mais alto valor de uso econômico e biológico. Para isso, analisamos o atual padrão de uso do solo (exploração madeireira e pecuária) e as condições naturais do ecossistema amazônico, em especial o regime pluviométrico, a duração do período seco e a drenagem. A seguir, os principais resultados do relatório.
Primeiro, o sucesso da agricultura na Amazônia é fortemente influenciado pelo total de chuvas e duração da estação seca. Na medida em que a pluviosidade aumenta, ocorre uma redução da produtividade agrícola e conseqüente diminuição da rentabilidade econômica. Isso porque, nos trópicos, o clima quente e úmido e a ausência de estações distintas oferecem as condições ideais para a proliferação de pragas e doenças. Além disso, a ausência de uma estação seca marcante aumenta os custos de construção e manutenção de estradas e torna onerosa a colheita mecanizada.
Em nossa analise, dividimos a Amazônia Legal (5 milhões de km2) em três zonas de chuva: seca (menos de 1.800 mm/ano), de transição (entre 1.800 mm e 2.200mm/ano) e úmida (> 2.200 mm/ano).
A análise estatística mostra que, mantendo-se outros fatores constantes, níveis maiores de pluviosidade na Amazônia reduzem a conversão da terra para agricultura e a produtividade do pasto. Além disso, nas áreas mais chuvosas ocorre um aumento da taxa de abandono e degradação do solo.
O abandono da terra cresce à medida que o nível de pluviosidade aumenta, atingindo aproximadamente 20% de toda área em uso agrícola na zona úmida. Essa taxa de abandono cresce na zona úmida mesmo em áreas mais próximas a grandes cidades (mercado) e com boa infra-estrutura de transporte. Isto sugere que mesmo essas condições favoráveis não são suficientes para superar os prejuízos causados pelo excesso de chuvas.
Segundo, se as forças de mercado atuarem livremente na região, o uso do solo será baseado na exploração madeireira predatória associada à pecuária extensiva. Nesse caso, o uso do solo dos municípios da Amazônia tenderá a seguir o ciclo boom-colapso econômico. Ou seja, nos primeiros anos ocorre um rápido crescimento (boom) seguido de um severo declínio em renda e emprego (colapso). Esse padrão é evidente nas fronteiras madeireiras mais antigas como Paragominas, no leste do Pará.
O efeito do esgotamento dos recursos madeireiros sobre a economia local tem sido menor na Amazônia seca (< 1.800 mm/ano) e nas áreas mais secas da zona de transição, tais como as antigas fronteiras madeireiras: Sinop (centro-norte do Mato Grosso) e corredor Vilhena-Ji Paraná (Rondônia). Isso porque nessas áreas tem sido possível desenvolver uma economia alternativa com base na agricultura (em especial, grãos).
Terceiro, na maioria das terras da Amazônia (em especial, na zona úmida) a exploração madeireira manejada poderia oferecer uma economia mais estável (renda, empregos e impostos) do que aquela gerada pela agricultura.
Quarto, é essencial ampliar e consolidar um sistema de Florestas Nacionais (Flonas) como parte de uma estratégia de promoção do uso sustentável e proteção da biodiversidade. A criação de Flonas poderia: i) compor um mosaico de áreas protegidas com Parques e Reservas, no qual as Flonas desempenhariam a função de zona tampão; (ii) prevenir a colonização rural em áreas sem potencial agrícola; e (iii) separar as fronteiras agrícola e florestal, reduzindo o incentivo que a agricultura insustentável atualmente recebe da exploração madeireira predatória.
O estudo de Veríssimo et al. (2000) revela que há 1,15 milhão de km2 de florestas com potencial para o estabelecimento de Flonas na Amazônia. Desse total, aproximadamente 38% coincidem com áreas de alta importância para a conservação da biodiversidade. Nos casos de sobreposição, recomendamos a destinação dessas áreas para proteção absoluta. Ainda assim, restariam aproximadamente 0,7 milhão de km2 a serem destinados para a criação de Flonas; uma área capaz de suprir de forma sustentável a demanda atual do setor madeireiro da Amazônia.
Para assegurar o sucesso das Flonas é fundamental estabelecer um sistema de concessão gerencialmente eficiente e ambientalmente responsável. Além disso, é crucial criar um imposto sobre a madeira de origem predatória extraída fora das Flonas.
Finalmente, as forças econômicas locais e regionais dificultam a ação política capaz de ordenar o desenvolvimento da fronteira. Pois, seus interesses estão voltados para um desenvolvimento rápido (em geral, insustentável). No entanto, os interesses nos benefícios de um crescimento sustentável, porém mais lento, são freqüentemente nacionais e globais.
Dessa forma, é necessário que o governo assuma a responsabilidade de garantir o desenvolvimento sustentável na Amazônia. O governo deve estabilizar a economia local através de instrumentos ecônomicos, estratégicos e de comando e controle. Esses instrumentos incluem aumento da rentabilidade do manejo, aplicação de um imposto sobre a madeira de origem predatória, criação de Flonas e aperfeiçoamento do sistema de monitoração e controle.
INTRODUÇÃO
A elaboração deste relatório ocorre em um momento oportuno no debate amazônico. Depois de quase duas décadas sem investimentos expressivos na Amazônia, o governo federal está planejando ações que podem alterar profundamente a paisagem regional. Primeiro, uma ampliação significativa do sistema de transporte regional através do Programa Eixos Nacionais de Integração e de Desenvolvimento. Essa iniciativa, a mais importante desde a pavimentação da BR 364 (Cuiabá – Porto Velho) no início dos anos 80, aumentará dramaticamente a oferta de recursos naturais (em especial, madeira) e terras para a agropecuária.
Segundo, o Ministério do Meio Ambiente está implantando uma nova política florestal, cujo ponto central é a ampliação e consolidação de uma rede de Florestas Nacionais e Estaduais na Amazônia Legal (referida no restante deste relatório como Amazônia)[1]. A meta do governo é destinar 500 mil km2 (10% da Amazônia) para a criação de Florestas Nacionais (Flonas), a fim de garantir a oferta de madeira manejada e evitar a formação de grandes latifúndios. E, finalmente, o governo federal assumiu o compromisso internacional de proteger a biodiversidade na Amazônia através da ampliação das Unidades de Proteção Integral (proteção absoluta) a partir de um limite mínimo de 10% do território.
Essas iniciativas governamentais oferecem oportunidades e riscos. Os riscos derivam dos investimentos em infra-estrutura (os quais por vezes desconsideram os impactos ambientais negativos das obras) e das dificuldades de ordenar o avanço da fronteira agrícola e controlar o desmatamento na região. As oportunidades derivam do acúmulo de experiências e informações (socioeconômicas e biológicas) que revelam uma Amazônia com diferentes vocações, incluindo agropecuária (em áreas mais restritas), produção florestal, serviços ambientais e proteção da biodiversidade.
Não há como o governo ficar passivo. Ou ele procura redirecionar as forças econômicas que estão degradando a Amazônia ou esse patrimônio nacional será apropriado para fins privados, perpetuando a visão imediatista e predatória que tem caracterizado o desenvolvimento da região até o presente.
O objetivo geral deste relatório é auxiliar os tomadores de decisão, agentes econômicos e a sociedade civil a garantir que os recursos naturais da Amazônia sejam mantidos em seu mais alto valor de uso econômico e biológico.
O relatório está organizado em quatro seções. Na primeira seção, revemos o efeito das chuvas na produtividade agrícola da Amazônia. Avaliamos o uso do solo de acordo com os índices pluviométricos a partir do Censo Agropecuário de 1995-1996 (IBGE). Em seguida, revisamos o desempenho econômico das principais atividades de uso do solo. Para isso, consideramos um município típico da Amazônia úmida, cuja economia está baseada em pecuária extensiva e exploração madeireira predatória. Na terceira parte, examinamos a função estratégica, que cabe ao governo federal, de assegurar um desenvolvimento econômico estável na Amazônia. E, finalmente, analisamos o plano do governo federal de ampliar e consolidar as Florestas Nacionais e Estaduais (áreas públicas de uso sustentável) como parte de uma economia florestal com base no manejo sustentável.
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[1] As Florestas Nacionais, Estaduais ou Municipais são Unidades de Conservação de Uso Sustentável, cuja finalidade é produzir bens (produtos madeireiros e não-madeireiros) e serviços ambientais. O governo pode manejar diretamente essas florestas ou conceder, temporariamente, o direito de uso para instituições privadas ou de economia mista (Veríssimo et al., 2000).
O EFEITO DAS CHUVAS SOBRE O DESEMPENHO DA AGROPECUÁRIA NA AMAZÔNIA
Nesta seção, resumimos as informações disponíveis na literatura sobre o desempenho da agricultura na Amazônia. Em seguida, dividimos a Amazônia em três zonas de acordo com os índices pluviométricos. Por fim, utilizamos os dados do Censo Agropecuário 1995-1996 (IBGE) para avaliar o efeito das chuvas sobre a produtividade e o desempenho econômico da agricultura.
Literatura
Há uma ampla literatura destacando o baixo potencial agrícola da maior parte da Amazônia (Goodland & Irwin, 1975; Moran, 1981; Smith, 1982; Cochrane & Sanchez, 1982; Hecht et al., 1988; Mattos & Uhl, 1994). Schubart (2000), por exemplo, conclui que aproximadamente 90% dos solos da Amazônia são ácidos, quimicamente pobres e possuem umidade excessiva, o que favorece de maneira significativa o desenvolvimento de pragas e doenças. Goodland & Irwin (1975) afirmam que o clima quente e úmido da Amazônia está freqüentemente associado à alta pressão biótica e solos ácidos e infertéis. Smith (1982) revela que o excesso de chuvas pode tornar a queimada inviável em muitas áreas úmidas. Mesmo quando a queimada se realiza, os retornos em fertilidade obtidos com a operação são perdidos pela chuva excessiva. Cochrane & Sanchez (1982) concluem que, além dos solos e umidade, o excesso de chuvas e solos saturados, especialmente na Amazônia Central, impõem uma barreira natural ao desenvolvimento da agricultura. Gallup & Sachs (2000) observam que o clima é um dos fatores-chave para o relativo fracasso da agricultura nos trópicos. Os autores constatam que, apesar dos esforços de pesquisa, os trópicos úmidos continuam apresentando uma baixa produtividade em suas principais culturas (milho, arroz, tubérculos, hortaliças) e pecuária bovina e suína. A exceção são os cultivos perenes como banana, coco e dendê (Gallup & Sachs, 2000).
Um estudo sobre o estado de arte da agricultura nos trópicos úmidos, encomendado pelo Conselho Norte-Americano de Pesquisa sobre Agricultura Sustentável e Meio Ambiente nos Trópicos Úmidos, resumiu os limites biológicos da agricultura nos trópicos desta maneira:
“ Um clima quente e úmido oferece as condições ideais para a proliferação de pragas e doenças. A estação de crescimento é essencialmente contínua e facilita o desenvolvimento de pragas persistentes. As perdas de culturas para pragas nos trópicos úmidos são grandes. As perdas na pré-colheita são estimadas em 36% da produção, e as perdas na pós-colheita, em 14%. Os impactos dos fungos, bactérias e vírus patogênicos em países em desenvolvimento têm sido menos estudados do que os dos insetos. No entanto, os estudos mais abrangentes sugerem que as perdas causadas por patógenos são aproximadamente iguais àquelas causadas por insetos. O crescimento de ervas daninhas é freqüentemente tão intenso e difícil de controlar que se acredita ser a principal causa da queda da produção.”(National Research Council, 1993).
Discussões científicas recentes têm realçado o papel do clima na determinação da produção agrícola na Amazônia brasileira. Primeiro, a análise feita por Win Sombroek (inédito) enfatiza a necessidade de uma estação seca expressiva para o sucesso da agricultura (em especial, grãos). Segundo, um estudo recém-concluído por Ken Chomitz & Timothy Thomas (Banco Mundial) oferece uma verificação estatística da hipótese do efeito negativo da alta pluviosidade sobre a produtividade agrícola na Amazônia. Finalmente, em um seminário recente promovido pela Embrapa sobre o potencial para a produção de soja na Amazônia, extraíram-se conclusões similares às de Sombroek (inédito) e Chomitz & Thomas (no prelo). A seguir, o resumo desses estudos.
Sombroek (inédito) enfatiza a necessidade de uma estação seca distinta para o estabelecimento da agricultura (em especial, grãos). Utilizando como critério para definir estação seca um mínimo de dois meses com pluviosidade inferior a 100 mm, o autor conclui:
Estradas: a construção e a manutenção de estradas são problemáticas onde não há estação seca expressiva.
Armazenamento: a construção e a manutenção de armazéns e silos são mais caras em regiões úmidas. Nessas áreas, onde não há estação seca expressiva ocorre maiores perdas na secagem de grãos por causa do ataque de pragas e doenças.
Saúde humana e animal: é severamente afetada em áreas úmidas sem um período seco definido. A estação seca é um fator positivo, pois restringe a multiplicação de doenças endêmicas e seus vetores.
Agricultura: em áreas sem um período seco definido, a queimada de áreas recém-desmatadas tende a ser incompleta.
Culturas como arroz, feijão e milho requerem uma estação seca para o amadurecimento e secagem dos grãos, bem como para prevenir o seu apodrecimento.
A soja requer particularmente uma estação seca expressiva por causa da sua vulnerabilidade ao ataque de pragas e doenças em seu estágio vegetativo, especialmente se a umidade do ar próximo à superfície do solo permanece alta durante boa parte do dia.
O uso de máquinas pesadas em uma escala comercial somente é viável onde a superfície do solo é relativamente seca no período de plantio e colheita. Na Amazônia, esse uso estaria restrito às zonas que possuem ao menos um mês com pluviosidade abaixo de 10 mm, o que implica uma umidade atmosférica baixa durante a estação seca (Figura 1).
Figura 1. Número de meses consecutivos com pluviosidade inferior a 10 mm.
Em resumo, o efeito das chuvas é mais significativo para os grãos (em especial, soja) e um pouco menos para a pecuária. No caso das culturas perenes, o efeito das chuvas é mais significativo para culturas como pimenta-do-reino, no entanto, não tem sido um fator limitante para cultivos como dendê, banana e coco.
Chomitz & Thomas (no prelo) realizaram uma análise estatística do Censo Agropecuário 1995-1996 (IBGE) relacionando o uso do solo e a intensidade de uso do solo (por exemplo, animal por hectare de pasto), pluviosidade, acesso ao mercado e desmatamento ao longo do tempo. A vantagem dessa análise multivariada é que ela torna possível a separação estatística do efeito da pluviosidade dos outros efeitos (estradas, distância para o mercado e fertilidade do solo). Os autores verificaram que, controlando todos esses fatores, a pluviosidade tem um efeito negativo significativo sobre a produtividade agrícola.
O efeito independente da pluviosidade pode ser observado considerando uma propriedade da Amazônia com as seguintes características: (i) localização: oeste do Pará; (ii) solos: oxisols; (iii) distância da estrada principal: 25 km; (iv) distância da área mais próxima desmatada em 1996: entre 100 km e 200 km; e (v) distância da cidade mais próxima: 200 km.
A previsão do efeito da pluviosidade nesse caso, mantendo-se todos os outros fatores constantes, é a seguinte:
O efeito da pluviosidade sobre a intensidade de uso do solo em uma fazenda de 500 hectares[2] com as mesmas características do exemplo anterior seria o seguinte:
De maneira consistente com as observações de Sombroek (inédito), Chomitz & Thomas (no prelo) apontam que a soja representa uma proporção ampla de produção agrícola em áreas onde a pluviosidade atinge entre 1.600 e 2.000 mm anualmente; onde há três ou quatro meses secos consecutivos; onde os solos possuem alto nível de fósforo, nitrogênio e retenção de matéria orgânica; e onde a vegetação básica é o cerrado. Curiosamente, a pecuária leiteira também parece ser favorecida por um clima seco, estando localizada quase exclusivamente em áreas com pluviosidade anual abaixo de 2.200 mm.
Embrapa: Conferência sobre Soja. Em dezembro de 1999, a Embrapa-Cpatu promoveu um seminário em Belém para discutir o potencial e as limitações técnicas do cultivo da soja na Amazônia úmida. Nelson Ferreira Sampaio, diretor geral da Embrapa-Rondônia, em sua apresentação fez as seguintes observações, as quais são fortemente consistentes com as conclusões de Sombroek (inédito) e Chomitz & Thomas (no prelo).
Primeiro, clima e fatores edáficos e agronômicos são fundamentais para o cultivo da soja. Grande parte da Amazônia é coberta por florestas sob um regime de chuvas intenso, com um período de estiagem reduzido. Essa condição elimina a oportunidade para a produção de grãos em larga escala na maioria do território amazônico, seja por causa da floresta ou da inviabilidade climática para a mecanização intensiva do solo.
Segundo, o potencial para grãos é encontrado em campos naturais e cerrados da Amazônia, a maioria em áreas periféricas (sul da Amazônia e Roraima), onde o clima apresenta uma estação seca definida.
E, finalmente, as florestas que recobrem a maior parte da Amazônia representam a vocação natural da região, o que implica uma maior necessidade de definir os espaços econômicos a serem ocupados pelas populações presentes e futuras.
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[2] Como seria esperado, o tamanho da propriedade também tem um efeito importante sobre a taxa de lotação, mantendo-se os outros fatores constantes.
Zonas de Pluviosidade na Amazônia
A análise de Chomitz & Thomas (no prelo), com base no Censo Agropecuário 1995-1996 (IBGE), permitiu identificar três zonas de pluviosidade com diferenças marcantes no desempenho agropecuário (Figura 2). Usamos os dados do Projeto Radam Brasil (1973-1978) para descrever as condições biofísicas e o potencial agrícola dessas zonas. A classificação do potencial agropecuário do Radam foi feito com base em informações sobre clima, relevo, geologia, solo e vegetação. O Radam Brasil cobriu uma área de aproximadamente 3,7 milhões de km2, ou o equivalente a 74% da Amazônia. As regiões de cerrado e pantanal do Mato Grosso não foram incluídas.
Figura 2. Principais zonas de pluviosidade na Amazônia.
Amazônia seca (pluviosidade abaixo de 1.800 mm/ano). A Amazônia seca, com pluviosidade abaixo de 1.800 mm/ano corresponde a aproximadamente 17% do território. Essa área está concentrada no sul da bacia amazônica e em áreas isoladas de campos naturais situadas principalmente no norte de Roraima. Nessa região, as condições climáticas são relativamente favoráveis para a agricultura. Ainda que os solos sejam predominantemente pobres, existem trechos de solos férteis (por exemplo, terra roxa) em Rondônia, Pará e Mato Grosso. O solo é geralmente bem drenado, e o relevo é relativamente favorável para a agricultura mecanizada. A vegetação é em sua maioria cerrado, com algumas áreas esparsas de florestas abertas e semi-deciduais. Essas florestas contêm baixo volume de espécies madeireiras de valor comercial.
Amazônia de transição (pluviosidade entre 1.800 mm e 2.200 mm). A zona de transição representa aproximadamente 38% da Amazônia e está localizada entre a região central (zona úmida) e o arco de desmatamento ao sul da Amazônia (zona seca). Essa região é geralmente coberta por floresta densa com zonas de floresta aberta no Mato Grosso e sul do Pará. Em geral, os solos são quimicamente pobres (embora existam trechos de solos férteis) e razoavelmente bem drenados. O relevo é em sua maioria ondulado com elevações significativas em Roraima e norte do Pará. Além disso, há elevações isoladas no centro (Carajás) e sul (Cachimbo) do Pará e centro do Mato Grosso (Parecis).
O excesso de chuvas e o curto período de estiagem criam dificuldades agrícolas e econômicas para a produção de grãos. Culturas perenes têm tido um sucesso agrícola melhor, ainda que doenças como o mal-das-folhas (Microcyclus ulei) que ataca a seringueira; vassoura-de-bruxa (Crinipellis perniciosa) que infesta o cacau; fusarium (Fusarium solani ) que afeta a pimenta-do-reino; e o amarelão fatal que prejudica o dendê (causa desconhecida) têm restringido sua viabilidade econômica. No entanto, pequenos proprietários que praticam sistemas agrícolas diversificados têm obtido uma melhoria razoável em sua qualidade de vida (Moran, 1989; De Almeida, 1992; Jones et al., 1992; Schneider, 1994; Toniolo & Uhl, 1994). No caso da pecuária, Mattos & Uhl (1994) documentaram o relativo sucesso da pecuária intensiva em Paragominas, leste do Pará. Cálculos feitos pelos autores (ver Anexo 1) demonstram retornos econômicos razoáveis somente sob condições tecnológicas relativamente avançadas.
Amazônia úmida (pluviosidade maior que 2.200 mm). Nesta zona, a pluviosidade é superior a 2.200 mm/ano, com algumas áreas registrando níveis tão altos quanto 4.000 – 4.500 mm/ano. Em geral, os solos são quimicamente pobres e em muitas áreas possuem uma drenagem insuficiente. Nas áreas com declive, as chuvas intensas aumentam o risco de erosão. Esta zona, compreendendo 45% da Amazônia, está localizada principalmente na região central, ocupando grande parte do Estado do Amazonas e Amapá; noroeste de Rondônia; sudoeste e noroeste do Pará, além da ilha de Marajó e Região Bragantina (nordeste do Pará). A maior parte dessa área é coberta por floresta densa. As condições naturais adversas (excesso de chuvas e drenagem insuficiente) tornam a agricultura (em especial, o cultivo de grãos) economicamente não-competitiva. As atividades rentáveis ocorrem somente em áreas com melhor infra-estrutura e mercado. Por exemplo, há cultivos perenes (principalmente pimenta-do-reino, malva, dendê, maracujá, laranja e mamão papaya) nas proximidades de Belém, onde predominam boas condições de mercado e infra-estrutura. Entretanto, essas iniciativas enfrentam uma difícil batalha contra pragas e doenças.
Ao combinarmos as zonas de pluviosidade com os dados do Radam Brasil (área de estudo com 3,7 milhões km2) encontramos que 84% dessa área possui potencial médio ou alto para a exploração madeireira. Em contraste, apenas 7% (aproximadamente 0,25 milhão km2) têm potencial expressivo para a agricultura, enquanto 93% apresentam potencial agrícola baixo ou insignificante.
Analisamos os dados do Censo Agropecuário 1995-1996 (IBGE) para verificar a consistência da atual produção agrícola com a previsão do Radam Brasil. Ainda que a revolução em genética de plantas esteja em desenvolvimento desde os anos 70, a Amazônia úmida é uma das áreas do mundo com a mais alta probabilidade de abrigar um predador natural para qualquer cultura agrícola introduzida pelo homem. Além disso, as modificações introduzidas para controlar uma praga particular possuem uma probabilidade alta de tornar a cultura vulnerável a outras pragas. A história dos fracassos agrícolas na Amazônia é instrutiva (ver Quadro).
Há um certo risco em generalizar a partir do sucesso ou fracasso individual sem ter um período suficientemente longo para analisar essas experiências agrícolas ou para caracterizar as diferenças geográficas. Os resultados de Chomitz & Thomas (no prelo) permitem que generalizemos com segurança o impacto negativo dos altos níveis de pluviosidade sobre a produtividade agrícola. Uma revisão dos dados do censo mais recente ajudar-nos-ão a conduzir um teste adicional da validade das generalizações contra as observações no campo.
Desempenho Agrícola de Acordo com a Pluviosidade
A informação mais recente relativa à condição do uso do solo na Amazônia é fornecida pelo Censo Agropecuário de 1995-1996 (IBGE). Essa informação pode ser sobreposta aos dados de pluviosidade para obter informação adicional sobre a relação entre os padrões de chuva na Amazônia e o uso do solo na região (Chomitz & Thomas, no prelo). As Figuras 3 e 4 estão baseadas nos dados sobre uso do solo no nível da unidade censitária (menor fração de análise do censo) e nos dados de pluviosidade derivados da interpolação entre as medidas de pluviosidade da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e do Projeto EOS Amazônia da Universidade de Washington (EUA). Como seria previsto pelo Radam Brasil, esses dados mostram uma redução severa na área agrícola na medida em que os níveis de pluviosidade aumentam. O efeito do acesso a estradas é incorporado nas análises.
Figura 3. Áreas em uso agrícola (%) em relação à pluviosidade: menos de 25 km da estrada.
Figura 4. Áreas em uso agrícola (%) em relação à pluviosidade: mais de 25 km da estrada.
Para diferenciar o efeito da distância da propriedade até a estrada principal consideramos dois casos representados pelas Figuras 3 e 4. A Figura 3 inclui somente áreas do censo a menos de 25 km de uma estrada principal. A Figura 4 inclui as áreas do censo amais de 25 km da estrada. Curiosamente, ambos os gráficos mostram a mesma queda abrupta na porcentagem da área do censo em agricultura nas áreas com pluviosidade maior que 1.800 mm/ano. Abaixo de 1.800 mm, ambos os gráficos mostram que 30%-40% da terra é destinada para a agricultura. Este número cai expressivamente para 5% à medida que a pluviosidade aumenta para 2.200 mm. Nessa mesma faixa de chuva em áreas situadas a mais de 25 km da estrada, a porcentagem de terra para a agricultura não cobre mais de 5%. No caso da terra mais próxima à estrada, o uso agrícola aumenta para aproximadamente 23% na faixa de 2.800-3.000 mm e, em seguida, cai de forma abrupta para aproximadamente zero.
A baixa produtividade agrícola na Amazônia é freqüentemente justificada pela infraestrutura precária e ausência de mercado ao invés de fatores climáticos. O ápice na curva do uso agrícola permite julgar até que ponto um bom sistema de transporte e mercado pode superar o efeito negativo do excesso de chuvas. Por exemplo, as microrregiões Belém-Bragança (Pará) e Macapá-Mazagão (Amapá), situadas a 25km de uma estrada principal e com acesso fácil a grandes mercados, revelam um inexpressivo uso do solo e uma proporção maior de áreas abandonadas se comparadas à zona úmida como um todo. Uma história de colonização mais antiga (aproximadamente um século), a qual resultou em uso mais prolongado do solo, pode ser a causa desse baixo uso e maior abandono da terra.
Esses indicadores de um desempenho econômico marginal, ainda que nas melhores condições de mercado, sugerem que o governo tem um papel a desempenhar no redirecionamento da economia na Amazônia úmida. Isso porque, nessas áreas, a expectativa de rentabilidade econômica tende a ser pior do que nas áreas convertidas nas zonas secas e de transição.
Classificamos os dados do censo em três categorias de pluviosidade de acordo com o uso do solo. Essas zonas correspondem a 17% (seca); 38% (de transição); e 45% (úmida) da Amazônia.
Na Tabela 1, apresentamos a proporção entre as áreas do censo que estão em estabelecimentos agrícolas e a área desses estabelecimentos atualmente destinada ao uso agrícola[3]. O efeito da pluviosidade é evidente: 56% das terras na zona seca são estabelecimentos agrícolas e 38% dessas terras estão sendo usadas para a agricultura, enquanto na zona úmida essa proporção atinge somente 7,5% e 3,2%, respectivamente[4].
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[3] O uso agrícola inclui pasto, culturas anuais, culturas perenes, extrativismo e terras abandonadas.
[4] Ao interpretar esses dados é importante observar que a maioria das áreas públicas protegidas está na zona úmida, o que reduz a porcentagem de áreas do censo em agricultura. Esta alta porcentagem em áreas protegidas é sem dúvida parcialmente influenciada pelo baixo potencial agrícola da terra.
Tabela 1. Uso do solo por zona de pluviosidade na Amazônia
Na Tabela 2, mostramos o tipo de uso do solo em cada zona de pluviosidade. Aproximadamente 83% da terra em uso na zona seca é pasto, e cerca de 8% estão abandonados. O pasto cai para aproximadamente 60%em zona úmida, enquanto as áreas abandonadas somam 20%. Uma infra-estrutura melhor e a proximidade ao mercado parecem não melhorar a economia agrícola nessa zona (ver o caso da Região Bragantina).
Tabela 2. Uso das áreas agrícolas (%) por zona de pluviosidade na Amazônia.
As taxas relativamente altas de conversão da terra na zona seca, observadas no Censo Agropecuário 1995-1996 (IBGE), são consistentes com as evidências apresentadas na revisão dos estudos sobre colonização feita por Schneider (1994) a partir dos trabalhos de De Almeida (1992), Moran (1989), FAO/UNDP (1992) e Jones et al. (1992). Nessa revisão, Schneider (1994) constatou um relativo sucesso agrícola. Em termos econômicos, o desempenho foi considerado moderado, quando comparado a indicadores de rentabilidade em outras partes do Brasil. Entretanto, os dados do censo mais recente mostram que esse sucesso moderado não pode ser esperado em 45% da Amazônia com pluviosidade acima de 2.200 mm. Para essas áreas, o cenário mais provável é o baixo rendimento agrícola, fraco desempenho econômico e abandono das terras.
“BOOM-COLAPSO” OU ECONOMIA SUSTENTÁVEL: O DILEMA DA COMUNIDADE
Com base nos dados das principais atividades econômicas rurais (exploração madeireira e pecuária) e na literatura, é possível prever o futuro econômico de um município típico da Amazônia úmida (45% da região). Se as forças de mercado atuarem livremente na região, o uso do solo será baseado na exploração madeireira predatória associada à pecuária extensiva. Nesse caso, a economia dos municípios da Amazônia tende a seguir o ciclo boom-colapso econômico. Ou seja, nos primeiros anos ocorre um rápido crescimento (boom) seguido de um severo declínio em renda e emprego (colapso).
Usos do Solo
Exploração madeireira. A Amazônia produz aproximadamente 90% da madeira nativa do Brasil. O setor madeireiro é a principal atividade econômica de uso do solo na região, representando aproximadamente 15% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia. Em 1998, o rendimento bruto do setor foi estimado em US$ 2,5 bilhões[5]. Além disso, a atividade madeireira gera aproximadamente 500 mil empregos diretos e indiretos (Veríssimo et al., inédito).
A Taxa Interna de Retorno (TIR) da atividade de exploração madeireira manejada[6] e processamento foi estimada em 71%; enquanto no sistema de exploração predatória essa taxa atingiu 122%.
Pecuária. A criação de gado bovino é o uso dominante nas áreas desmatadas, representando 77% da área convertida em uso econômico (Chomitz & Thomas, no prelo). O rebanho atual é estimado em 32 milhões de cabeças de gado. A lotação média é de apenas 0,7 animal por hectare. A pecuária gera aproximadamente 118 mil empregos permanentes. Em geral, a pecuária apresenta uma TIR muito baixa (4,2%) atingindo, em casos isolados (pecuária de corte em pastos reformados), até 13% (Anexo 1).
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[5] A receita líquida é estimada em US$ 500 milhões, assumindo-se uma margem de lucro de 20% (a margem de lucro oscila de um mínimo de 15% a um máximo de 25% (Veríssimo et al., inédito).
[6] Este sistema de manejo florestal tem sido desenvolvido e descrito pelo Imazon, Embrapa e Fundação Floresta Tropical (FFT). Ele consiste basicamente em corte seletivo baseado no inventário das árvores comerciais; planejamento de estradas, pátios e ramais de arraste; corte prévio de cipós; derrubada direcionada das árvores; e arraste planejado. Além disso, o plano de manejo deve conter técnicas para estimular a regeneração e o crescimento das árvores comerciais e um cronograma de exploração anual.
O Dilema do Município
Vamos considerar um município contendo 1 milhão de hectares de floresta densa. Os madeireiros migrantes começam a chegar no município em busca de novos estoques de madeira. A comunidade discute se tenta controlar o fluxo de madeireiros e instituir um sistema de manejo sustentável ou se permite a exploração florestal predatória, o que resulta em desmatamento para a implantação de pastos de baixa produtividade.
Se as forças de mercado atuarem sem controle na região, a comunidade pode esperar um rápido crescimento seguido de um declínio em renda e emprego como mostram as Figuras 5 e 6. A atividade econômica cresce relativamente rápido nos primeiros oito anos à medida que as árvores são extraídas e os pastos, estabelecidos. Porém, a economia começa a declinar depois de oito anos quando as árvores de alto valor são exauridas e um segundo ciclo de extração de árvores de médio e baixo valor se inicia. Aproximadamente no vigésimo ano ocorre uma exaustão total de madeiras de valor comercial e a economia local entra em crise. A atividade econômica medida pela renda bruta da atividade madeireira (extração e processamento) e pecuária neste ciclo boom-colapso (modelo predatório) poderia atingir um máximo de US$ 100 milhões no oitavo ano e cair para menos de US$ 5 milhões no vigésimo terceiro ano. Nesse período, as madeireiras já teriam abandonado o município deixando para trás somente uma pecuária de baixa produtividade. Se a comunidade obrigar os madeireiros a adotar o manejo florestal sustentável, a renda bruta atingiria US$ 70 milhões, ao invés de US$ 100 milhões obtidos no modelo predatório. No entanto, seria sustentável em US$ 70-80 milhões, ao invés de cair abruptamente com a exaustão da madeira de valor comercial no vigésimo terceiro ano como ocorre no modelo predatório.
Figura 5. Renda bruta: manejo florestal vs. exploração predatória e pecuária na Amazônia úmida.
Figura 6. Renda bruta: manejo florestal vs. exploração predatória e pecuária na Amazônia úmida com boa infra-estrutura.
As implicações para o emprego são igualmente dramáticas. Ambos os modelos empregam aproximadamente o mesmo número de pessoas durante os primeiros oito anos. Após esse período, o modelo predatório atinge 4.500 empregos tanto na exploração florestal como na pecuária, enquanto o modelo sustentável, baseado no manejo florestal, permanece estável com 3.500 empregos (Figura 7). Contudo, com a exaustão da madeira comercial no vigésimo terceiro ano, a base econômica do modelo predatório migra para outro município, deixando para trás menos de 500 empregados envolvidos em pecuária. Se o recurso madeireiro do município fosse sustentavelmente manejado, os 3.500 empregos seriam mantidos indefinidamente.
Em áreas com infra-estrutura e mercado bons, o emprego de longo prazo do manejo florestal não é atrativo quando comparado ao emprego do modelo predatório. Isso porque o mercado que conduz à pecuária gera mais benefícios a curto prazo. Entretanto, o número de empregos diretos neste modelo cai pela metade a partir do vigésimo primeiro ano.
Essa análise indica claramente que a base econômica do manejo florestal é melhor do que a da exploração predatória adotada na Amazônia. Pois, o manejo florestal pressupõe um investimento de longo prazo, fortalecimento da comunidade e investimento em capital humano.
As Figuras 5, 6 e 7 comparam o desempenho econômico do sistema manejado versus predatório na vida da comunidade, enquanto a Figura 8 ilustra o relacionamento entre os custos e benefícios privados e sociais de um modelo de desenvolvimento “boom-colapso”. Essa figura ilustra um período de rápido crescimento da economia local e de seus benefícios sociais (boom), na medida em que a nova atividade atrai migrantes e oferece oportunidades econômicas para os serviços do setor público e privado. O colapso surge quando um recurso natural que sustenta essa atividade (no caso, madeira) é exaurido e a economia atinge um novo equilíbrio baseado na pecuária extensiva. Nessa fase, embora ainda haja benefícios econômicos, há custos elevados associados ao desemprego, migração de empresas e pessoas e redução nos serviços públicos resultante da perda da base econômica da comunidade. Além disso, os custos ambientais na forma de perda de biodiversidade e emissão de carbono são elevados.
Figura 7. Empregos: manejo florestal vs. exploração predatória e pecuária na Amazônia úmida.
Figura 8. Custos sociais e benefícios privados da economia “boom-colapso”.
A Dinâmica da Exploração Madeireira
A maior parte da atividade florestal tem ocorrido de forma complementar à agricultura. Como resultado, a fronteira de exploração madeireira tem acompanhado a expansão da fronteira agrícola. Embora haja diversas iniciativas de sucesso de manejo florestal, elas ainda representam uma parcela modesta (menos de 5% do volume extraído). O padrão dominante é a exploração madeireira predatória caracterizada por danos excessivos à floresta, pressão excessiva sobre espécies de alto valor econômico e aumento da suscetibilidade das áreas exploradas ao fogo (Uhl et al., 1997).
A exploração predatória tem levado à exaustão os recursos florestais em pólos madeireiros antigos. No final da década de 90, a exploração ocorria principalmente nas seguintes áreas: fronteiras antigas incluindo Paragominas (Pará), Sinop (Mato Grosso),Vilhena-Ji Paraná – Ariquemes (Rondônia); fronteiras intermediárias como o norte de Mato Grosso e Tailândia-Marabá (Pará); e, finalmente, novas fronteiras como Novo Progresso (Pará), Novo Aripuanã-Apuí (Amazonas) e Senador José Porfírio-Portel (Pará). Estimamos que a escassez de madeira na velha fronteira obrigará a maioria das madeireiras a migrar ou fechar nos próximos cinco anos. Nas fronteiras intermediárias, o estoque natural de madeira é suficiente para 10-20 anos de exploração, enquanto nas novas áreas esse período estende-se para 30-40 anos.
Os madeireiros de Rondônia estão se deslocando em direção à Bolívia e Estado do Amazonas, enquanto os madeireiros da velha fronteira do Pará e Mato Grosso estão migrando para fronteiras mais recentes (oeste do Pará e sudeste do Amazonas). Nessas regiões, os madeireiros freqüentemente tomam posse de terras devolutas e exploram de forma ilegal áreas indígenas e protegidas (Figura 9).
Figura 9. Migração da exploração madeireira na Amazônia.
A migração das madeireiras e o efeito sobre a economia local. O atual modelo de exploração madeireira causa um forte impacto sobre a economia dos municípios da Amazônia. Após o período de expansão da atividade, a conseqüente exaustão dos recursos pode ocasionar uma severa recessão na economia local. A gravidade desse colapso depende do potencial agrícola local. Isto é, se é possível ou não substituir a economia madeireira por uma economia agrícola capaz de gerar renda e empregos nos níveis anteriores. Por exemplo, Paragominas, a fronteira madeireira mais antiga da Amazônia, estabelecida no final dos anos 70, enfrenta no final dos anos 90 uma grave crise de matéria-prima por causa da exaustão das florestas. Aproximadamente 50 madeireiras fecharam ou migraram nos últimos cinco anos, e o volume de madeira processada caiu cerca de 30%. Um fenômeno similar é observado nos municípios de Sinop (Mato Grosso), um dos maiores pólos madeireiros nos anos 80, e em Redenção(sul do Pará). Entretanto, pelo fato de esses municípios estarem localizados em áreas de floresta aberta (caracterizada por baixa densidade de madeira comercial) situadas na zona seca, o declínio da exploração madeireira tem sido mais rápido do que em Paragominas. Em Sinop, o número de serrarias caiu de aproximadamente 400 no final da década de 80 para menos de 100 no final dos anos 90. No entanto, esse município está compensando o declínio da atividade madeireira com o rápido crescimento agrícola, principalmente soja. Isso é possível por causa de um maior potencial agrícola na Amazônia seca. Por outro lado, Paragominas, localizada na fronteira da zona de transição e úmida da Amazônia, apresenta uma taxa de declínio da floresta mais baixa por causa das suas florestas densas (maior volume de madeira por hectare). Contudo, apesar de uma relativa longa história de experiências em usos do solo, uma agricultura consistentemente lucrativa capaz de manter a vitalidade da economia local ainda não emergiu[7].
À medida que a fronteira se move para as zonas de transição e ainda mais para o interior de áreas úmidas, o desempenho agropecuário tende a piorar. Com a falta de intervenção governamental, as fronteiras de exploração madeireira assumirão cada vez mais as características do boom florestal, sem gerar economias e comunidades sustentáveis.
Se as forças de mercado não forem contidas, o modelo “boom-colapso” na nova fronteira será quase uma certeza, especialmente nas regiões úmidas. Como discutiremos a seguir, os tomadores de decisão locais também possuem pouco incentivo para adotar um modelo de desenvolvimento sustentável. Abordaremos o potencial para a elaboração de uma política governamental que previna o fenômeno ”boom-colapso” e contribua para o desenvolvimento de qualidade com uma melhor distribuição de renda.
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[7] Paragominas foi estabelecida nos anos 60 como uma fronteira de pecuária, estimulada por incentivos fiscais. Mattos & Uhl (1994) entrevistaram 27 fazendeiros no início dos anos 90 e observaram uma Taxa Interna de Retorno (TIR) sobre a pecuária de 13%. Cálculos feitos por esse estudo (ver Anexo 1) revelam uma TIR de 3,1% para as técnicas tradicionais e 10%-14% para as operações tecnologicamente mais avançadas. Evidências de campo indicam descapitalização significativa ocorrendo na área. Entretanto, ainda é necessário determinar se isso levará ao abandono ou à consolidação da área rural sob a tecnologia avançada. Plantio de grãos (soja e milho) vem sendo testado, mas a produtividade ainda é inferior à média nacional.
O PAPEL DO GOVERNO
O governo tem um papel crucial na definição da qualidade do desenvolvimento na Amazônia e na proteção dos interesses da sociedade brasileira. A política governamental deve conciliar: i) os interesses sociais de curto e longo prazo; e ii) os interesses dos diversos atores na sociedade, o que envolve os níveis local, estadual, nacional e global.
Estabilizar a Economia Local e Regional
Nas áreas de fronteira, a instabilidade no uso do solo tem como causa principal forças econômicas influentes. Portanto, criar uma coalisão política capaz de ordenar o desenvolvimento da fronteira é uma tarefa difícil. Os interesses em um desenvolvimento mais rápido (em geral, insustentável) são locais e regionais, enquanto os interesses nos benefícios do crescimento sustentável, porém mais lento, são nacionais e globais (Schneider, 1994).
O caso do “dilema da comunidade” discutido na seção anterior é instrutivo. Na ausência de intervenção do governo central, a comunidade terá de decidir por si mesma entre o modelo “boom-colapso” (predatório) e o modelo de desenvolvimento sustentável. Há ao menos três razões para a comunidade escolher o modelo “boom-colapso”. Primeira, o curto período dos mandatos municipais não permite que os líderes políticos adotem uma perspectiva de longo prazo com objetivo de estabilizar e melhorar a qualidade de vida. Segunda, muitos líderes políticos estão envolvidos com a economia de garimpagem predatória dos recursos naturais e não consideram seus interesses de longo prazo associados aos da comunidade. Finalmente, a terceira e mais importante razão: ainda que a comunidade opte pelo modelo sustentável seria difícil assegurar que as madeireiras adotem boas práticas de manejo florestal. Como mostra o Anexo 1, a Taxa Interna de Retorno (TIR) para a exploração predatória e processamento de madeira é de 122%, enquanto no sistema sustentável, também incluindo o processamento de madeira, essa taxa é de 71%. Entre trabalhar em uma comunidade que os obriga a adotar o manejo florestal e em um município que permite a exploração predatória, os madeireiros tenderiam a escolher o sistema predatório.
Evitar o imediatismo dos governos locais. O problema da perspectiva imediatista dos governos locais e a sua tendência para serem capturados por interesses econômicos de curto prazo têm sido reconhecidos mundialmente. Em geral, o fenômeno de esses governos hipotecarem seu futuro através de benefícios de curto prazo é conhecido na literatura como competição regulatória. Essa competição envolve uma variação de práticas predatórias, abrangendo desde regulamentos ambientais e sociais negligentes até subsídio e redução de impostos oferecidos por esses governos para atrair indústrias e corporações. Essas práticas, guiadas por benefícios econômicos e políticos de curto prazo, freqüentemente ameaçam a estabilidade fiscal da comunidade. No longo prazo, elas são insustentáveis para todos os níveis da sociedade.
Instrumentos para Estimular o Uso Sustentável da Floresta
Há várias alternativas para incentivar o uso sustentável dos recursos florestais de modo a estabilizar a economia local. A seguir, um resumo dessas alternativas.
Aumentar a rentabilidade do manejo. A renda do manejo aumentaria se houvesse, por exemplo, mercado para os serviços ambientais prestados pela floresta. Um desses serviços é a retenção de carbono, que contribui para o equilíbrio do clima global. O pagamento por esse serviço vem sendo objeto de debate internacional, mas até agora nenhuma decisão foi tomada. Calculamos que a remuneração entre US$ 2 e US$ 3 por tonelada adicional de carbono seqüestrada no manejo florestal (comparado à exploração predatória) seria suficiente para que o madeireiro adotasse práticas de manejo florestal[8].
Reduzir a vantagem comparativa da exploração predatória. O aperfeiçoamento do sistema de comando e controle, bem como a adoção de uma taxa sobre a madeira de origem predatória podem reduzir essa vantagem. Estimamos que se o imposto sobre a madeira de origem predatória ficasse entre US$ 1 e US$ 4 por metro cúbico em tora (dependendo da taxa de desconto), os madeireiros não migrariam do município para evitar as restrições do manejo (ver Anexo 3).
Respeito à lei. É fundamental assegurar o respeito à legislação florestal (em especial, o Código Florestal) que mantém a reserva legal em 80% da área das propriedades privadas e exige o manejo florestal. A regulamentação da lei de crimes ambientais oferece oportunidades concretas para o cumprimento das leis florestais. É importante uma divisão de responsabilidades entre os governos locais (estadual e municipal) e a União para assegurar um sistema eficiente e rigoroso de monitoração e controle.
Ordenar a ocupação regional. O governo pode prevenir a dinâmica da ocupação territorial desordenada na Amazônia. Esse padrão de ocupação catalisa o desmatamento, a exploração predatória e a grilagem de terras devolutas. Uma ação promissora para regular essa ocupação é a ampliação e consolidação de uma rede de Florestas Públicas (Florestas Nacionais ou Estaduais) na Amazônia (ver detalhes na próxima seção).
Medidas compensatórias. O governo federal pode adotar medidas compensatórias para: i) aumentar o apoio político para as iniciativas de redução do crescimento da economia local no curto prazo; e ii) evitar a competição regulatória entre os municípios. Essas iniciativas podem incluir melhoria nos serviços públicos como saneamento, educação e saúde. Em muitos casos, as empresas prefeririam se instalar em municípios dotados de um bom sistema de saúde, educação, opções de lazer e cultura, baixa criminalidade e ambiente saudável do que naquelas localidades cujo único atrativo são os regulamentos negligentes e incentivos fiscais.
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[8] Este valor, US$ 2-3 por tonelada, equipara o Valor Presente Líquido (VPL) das técnicas de manejo sustentáveis e predatórias sob taxas de desconto variando de 10% a 20%.
Repartir os Benefícios do Uso do Patrimônio Nacional
O governo deve garantir que os benefícios da exploração florestal e da agriculturana Amazônia sejam distribuídos de maneira apropriada na sociedade brasileira. A situação atual revela uma série de disparidades sociais. De um lado, 1% das propriedades, aquelas com mais de 2.000 hectares, detêm 47% da terra agrícola. Em outro extremo, 54% das propriedades, aquelas com menos de 20 hectares, detêm apenas 1,1% da terra agrícola.
No setor madeireiro, os benefícios também são repartidos de forma desigual. As empresas madeireiras pagam atualmente menos de 20% do ICMS devido, e a maioria é isenta de pagamento de imposto de renda. Além disso, os madeireiros não pagam pelo uso do patrimônio nacional. Não há, por exemplo, um valor a ser pago pela madeira em pé extraída das terras devolutas, um procedimento comum em outros países florestais.
Por razões econômicas, ambientais e de eqüidade social, a política de colonização do governo (aplicável nas áreas com efetiva vocação agrícola) deveria favorecer os pequenos proprietários. Primeiro, a aquisição dessas terras encoraja atividades predatórias desenvolvidas apenas para garantir o direito de posse. Segundo, as grandes propriedades improdutivas ou abandonadas encorajam a especulação da terra e subseqüentes conflitos fundiários. E, finalmente, distribuir terras de boa qualidade para os pequenos proprietários melhora a qualidade de vida das populações de baixa renda e garante a distribuição eqüitativa dos recursos nacionais.
Preservar a Opção do Uso Econômico Futuro da Amazônia
No futuro, as mudanças tecnológicas e de atitude podem gerar benefícios econômicos para os trópicos úmidos (biodiversidade, produtos não-madeireiros, ecoturismo, exploração madeireira sustentável, agricultura ecológica etc.) acima dos valores atuais. Ao prevenir a degradação da floresta no presente, estaríamos preservando este ecossistema para uso potencial no futuro. Esse argumento justifica a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável (por exemplo, Florestas Nacionais e Reservas Extrativistas) como um mecanismo para manter a opção de uso do solo no seu valor econômico e biológico mais alto possível.
Proteger a Biodiversidade
A Amazônia brasileira abriga a mais rica biodiversidade e informação genética do mundo. O governo brasileiro está comprometido a assegurar a proteção dessa riqueza para as futuras gerações. As Florestas Nacionais (Flonas) podem desempenhar o papel-chave de zona tampão entre áreas de proteção integral (Parques e Reservas) e terras privadas.
Estabilizar o Setor Madeireiro
O esgotamento dos recursos florestais nos pólos madeireiros mais antigos tem ocasionado a migração das serrarias para as áreas de fronteira. Esse processo de migração intensificar-se-á nos próximos cinco anos. A migração desordenada pode resultar em ocupação irregular das terras devolutas (grilagem), conflitos com populações indígenas, exploração madeireira predatória, desmatamento e pecuária extensiva. Nesse cenário, a indústria madeireira seria indutora de um processo de ocupação do tipo “boom-colapso”.
Entretanto, a maioria dos madeireiros preferiria funcionar num sistema de maior estabilidade econômica e certeza (regulamentos definidos, posse segura da terra e estoques de madeira sustentáveis). Uma pesquisa recente com 96 empresas madeireiras (Barreto & Arima, 2000) revela que a grande maioria (80%) dos empresários quer substituir o atual processo desordenado pela exploração manejada com base em um sistema de concessão florestal (Flonas)[9]. Houve diferença em relação ao papel do governo, com 41% preferindo um sistema no qual o governo apenas faria concessões, responsabilizando as empresas pelo manejo, e 56% preferindo que o governo fosse responsável pelo manejo. Opiniões similares foram obtidas entre as ONGs, profissionais liberais da área florestal e instituições acadêmicas da Amazônia (Barreto & Arima, 2000).
Como mostra a Figura 9, o processo migratório das empresas na Amazônia já começou. Nem os madeireiros nem as comunidades receptoras estão seguros com o processo atual. Portanto, este é o momento oportuno para iniciar uma transição para uma indústria florestal baseada em manejo em áreas privadas e públicas (Florestas Nacionais e Estaduais).
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[9] Os resultados das entrevistas são os seguintes: 80% eram favoráveis às Florestas Nacionais (Flonas), 17% não tinham opinião clara, e 3% eram contra.
Ordenar a Ocupação Regional
Para assegurar a conservação e o uso sustentável, é necessária a intervenção do governo no controle das forças de mercado. Como ilustra a seção O Dilema da Comunidade, com a ausência de pagamentos para os serviços ambientais, o governo federal deve prevenir a competição regulatória. Ou seja, prevenir que os Estados e municípios estabeleçam uma competição para atrair a indústria madeireira predatória e a pecuária extensiva, a fim de obter o boom, apesar da inevitabilidade a longo prazo do colapso. A prevenção da competição regulatória deve assegurar a aplicação de regulamentos que garantam práticas sustentáveis. O governo federal deve evitar que Estados e municípios usem regras tênues de monitoração e controle para atrair investimentos transitórios e não-sustentáveis.
O papel do governo federal de prevenir a competição regulatória é interesse de todos. Pois, ao insistir que os interesses de longo prazo sejam considerados, o governo federal fortalece a autoridade da comunidade. Os madeireiros responsáveis são protegidos da competição injusta praticada por madeireiros que exploram madeira ilegalmente. A legalidade também garante uma maior contribuição tributária dessas empresas para a receita pública.
O PAPEL DAS FLORESTAS NACIONAIS
A estabilização do setor madeireiro requererá a adoção de manejo florestal tanto em áreas privadas como em áreas públicas. O esgotamento das florestas privadas em antigos pólos madeireiros (Sinop, Paragominas, Ji-Paraná) tem impulsionado a migração de serrarias para as terras devolutas no oeste do Pará e sudeste do Amazonas. Nessas regiões, o governo pode evitar o modelo predatório de uso dos recursos florestais e a privatização de terras públicas. A alternativa mais promissora é a criação de Florestas Nacionais (Flonas).
As Florestas Nacionais, Estaduais ou Municipais são Unidades de Conservação de Uso Sustentável, cuja finalidade é produzir bens (madeira e produtos não-madeireiros) e serviços ambientais. O governo pode manejar diretamente essas florestas ou conceder, temporariamente, o direito de uso para empresas privadas ou de economia mista (Veríssimo et al., 2000). Em particular, a exploração dessas florestas deveria ser certificada de acordo com padrões internacionalmente reconhecidos, tal como o FSC (Forest Stewardship Council).
Nas florestas privadas, o governo deve assegurar a adoção do manejo florestal. A monitoração de indicadores de bom desempenho do manejo deve ser desenvolvida e posta em prática. Se o sistema de monitoração não é federal, a União deve periodicamente avaliar a integridade do sistema estadual ou local. Para incentivar o manejo florestal, é importante que haja um imposto sobre a madeira oriunda de autorização de desmatamento, cuja soma equivalha à diferença de custo entre a madeira manejada e a não-manejada. Assim, elimina-se a competição injusta da madeira de origem predatória.
Florestas Nacionais
As Florestas Nacionais e Estaduais representam uma parcela modesta, 83 mil km2, ou 1,6% do território regional. Essa área seria suficiente para abastecer de forma sustentável apenas cerca de 10% da demanda atual por madeira em tora da região. Para suprir de forma sustentável essa demanda, o governo precisaria destinar aproximadamente 700 mil km2, ou 14% da Amazônia, para a criação de Flonas[10].
Veríssimo et al. (2000) desenvolveram um método para identificar áreas com potencial para a criação de Flonas. A seguir, os principais critérios utilizados nesse estudo.
Ausência de uso competitivo. Para reduzir os possíveis conflitos de uso do solo, as novas Flonas devem ser estabelecidas nas áreas que possuem usos competitivos mínimos, evitando áreas de ocupação agrícola e terras protegidas.
As áreas protegidas representam aproximadamente 1,4 milhão de km2, ou 28% da Amazônia, dos quais 1 milhão são terras indígenas (Veríssimo et al., 2000). As áreas de antropismo foram identificadas por focos de calor, assentamentos de reforma agrária do Incra e sede dos municípios. A sobreposição desses mapas revela que aproxidamente 9% das áreas florestadas e não protegidas possuem ocupação humana expressiva (Figura 10).
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[10] Esta seção está baseada no documento do MMA: Identificação de Áreas com Potencial para Criação de Florestas Nacionais
(Flonas) na Amazônia Legal (Veríssimo et al., 2000). Os dados e metodologia são descritos em maiores detalhes nesse documento.
Figura 10. Ocupação na floresta amazônica.
Potencial econômico. A Figura 11 mostra os resultados da análise do potencial florestal (mapa de vegetação) e acessibilidade econômica. O resultado é uma área de 1,15 milhão de km2 (23% da Amazônia) que poderia ser destinada ao manejo florestal, a qual combina as seguintes características: i) não é protegida; ii) possui cobertura florestal de valor comercial; iii) apresenta baixa ocupação humana; e iv) está dentro do raio de acessibilidade econômica da indústria madeireira.
Biodiversidade. Para proteger as áreas de alta importância biológica é necessário criar um mosaico de Unidades de Conservação combinando Flonas (uso sustentável) com Parques e Reservas Biológicas (proteção integral). Nesse sistema, as Flonas formariam uma zona tampão ao redor dos Parques e Reservas. Dessa forma, podem proteger as áreas de conservação contra a invasão e propiciar corredores para migração de espécies de uma área para outra. A fim de explorar o potencial para a criação desse mosaico de uso do solo, combinamos o mapa de áreas com potencial para Flonas (Figura 11) com o mapade áreas prioritárias para conservação da biodiversidade (Figura 12) (ISA et al., 1999). A sobreposição desses mapas revela que 38% da Amazônia (462 mil km2) possui alta prioridade para conservação da biodiversidade, bem como importância para a criação de Flonas (Figura 13).
Esta análise destaca o alto potencial de complementaridade entre uma política baseada em uso sustentável da floresta e conservação da biodiversidade. Ela mostra que, sem competição significativa para o uso do solo, seria possível criar aproximadamente 700 mil km2 de Flonas (aproximadamente 14% da Amazônia); uma área suficiente para suprir de forma sustentável a demanda atual por madeira amazônica.
Figura 11. Áreas potenciais para Flonas (Veríssimo et al., 2000).
Figura 12. Áreas prioritárias para conservação da biodiversividade (ISA et al., 1999).
Figura 13. Sobreposição de áreas potenciais para Flonas e biodiversidade na Amazônia. (Veríssimo et al., 2000).
QUESTÕES CRUCIAIS PARA O FUTURO DA AMAZÔNIA
Este relatório propõe uma política de desenvolvimento na Amazônia baseada no manejo florestal. A implementação dessa política requerer estudos adicionais (econômicos, gerenciais, jurídicos, sociais e biológicos) e realização e documentação de experiências piloto. A seguir, esboçamos algumas questões importantes a serem consideradas para o futuro da Amazônia.
Aprender as lições do zoneamento. O tema zoneamento do uso do solo na Amazônia está uma vez mais surgindo no debate político regional. A discussão recente no Congresso sobre a revisão da Medida Provisória relativa à porcentagem da reserva legal tem estabelecido as bases do zoneamento. Entretanto, a discussão futura não será uma mera argumentação sobre a porcentagem de reserva legal nas propriedades individuais. Ao contrário, será uma discussão sobre zoneamento no contexto local e regional e exigirá uma análise profunda das questões físicas, econômicas e sociais que são tópicos deste estudo. O governo deve estar preparado para participar de maneira pró-ativa nesta discussão emergente. Felizmente, o Plano Plurianual do governo reservou R$ 300 milhões para que o Ministério do Meio Ambiente promova o zoneamento nos próximos três anos. Esta política inclui experimentos de zoneamento no nível estadual, realizados com o apoio do Banco Mundial em Rondônia, Mato Grosso e Tocantins, bem como o zoneamento para regiões prioritárias em cada Estado da Amazônia (no Acre, em todo o Estado) realizado sob o Programa Piloto para Preservação da Floresta Tropical Brasileira.
Eliminar a abundância. Migração, abandono e garimpagem dos recursos naturais são formas extremas de uso extensivo, estimuladas pela abundância de terra e seu baixo preço conseqüente. A decisão de abandonar a terra ao invés de manejá-la através de técnicas agrícolas e silviculturais sustentáveis é guiada pelo custo relativo de compra da terra e seu manejo. Políticas que reduzem artificialmente a disponibilidade de terra (por exemplo, zoneamento, criação de Flonas) ocasionarão a intensificação do seu uso.
Separar as fronteiras de exploração madeireira e agrícola. Historicamente, as fronteiras de exploração madeireira e agrícola evoluíram de um modo mutuamente benéfico. Em geral, os fazendeiros vendem árvores a fim de financiar o desmatamento para agricultura. Para os madeireiros, comprar madeira oriunda de áreas de conversão é mais fácil e barato do que obtê-la através de planos de manejo.
Os madeireiros, por sua vez, abrem estradas de acesso para agricultura e oferecem transporte. Eles freqüentemente estão envolvidos em abertura de estradas como parte de interesses políticos locais. O estabelecimento de Flonas (em especial, nas áreas úmidas), o qual efetivamente separa a fronteira agrícola da atividade madeireira, teria dois possíveis efeitos. Primeiro, a redução das florestas disponíveis para uso agrícola e, portanto, do sistema predatório de exploração madeireira baseado em autorização de desmatamento. Segundo, a redução do subsídio natural para futuros desmatamentos através da criação de um imposto sobre a madeira de origem predatória.
Entender a agropecuária. Aproximadamente 80% das terras agrícolas na Amazônia são usadas para pecuária ou estão sem uso por mais de quatro anos. Cerca de 40% do pasto atualmente utilizado tem uma lotação de menos de 0,5 animal por hectare, com uma média de 0,3 (Chomitz & Thomas, no prelo). Nossos cálculos indicam que uma fazenda usando tecnologia típica recebe uma Taxa Interna de Retorno (TIR) sobre o investimento de menos de 4%. Sob as hipóteses mais otimistas em relação à tecnologia agropecuária, calculamos a TIR em 14%.
A conversão de floresta em pasto, além de gerar poucos benefícios privados e sociais concentra as terras da Amazônia nas mãos de poucas pessoas. Algumas hipóteses podem explicar o investimento em uma atividade com pouco retorno, a saber: i) especulação de terra baseada no aumento potencial de preços (geralmente por causa da expectativa de construção de uma estrada); ii) comportamento influenciado por impostos relacionados a lucros obtidos em outras atividades; e iii) aplicação de recursos oriundos de atividades econômicas ilegais como tráfico de drogas e corrupção.
CONCLUSÃO
O desempenho da agricultura na Amazônia é fortemente determinado pelos padrões de pluviosidade; a experiência com a agricultura na Amazônia está baseada principalmente no desenvolvimento de áreas relativamente secas. As evidências sugerem que o desempenho da agricultura nos trópicos úmidos seria ainda pior do que o desempenho marginal observado até agora na Amazônia seca e de transição.
Na floresta úmida, a exploração florestal sustentável poderia oferecer mais empregos, comunidades mais estáveis e melhor retorno do investimento em infra-estrutura do que a agropecuária.
Se as forças de mercado atuarem livremente na região, a exploração madeireira predatória associada à pecuária extensiva predominará. Nesse caso, a economia dos municípios da Amazônia tende a seguir o ciclo “boom-colapso” econômico. Ou seja, nos primeiros anos ocorre um rápido crescimento (boom) seguido de um severo declínio em renda e emprego (colapso).
O modelo de exploração madeireira predatório tem ocasionado o esgotamento dos recursos florestais nos pólos madeireiros mais antigos. Em resposta, as empresas estão migrando de forma desordenada para as novas fronteiras como Novo Progresso (Pará) e Apuí-Nova Aripuanã (Amazonas). Nessas regiões, o governo pode evitar a repetição do ciclo predatório e a privatização (grilagem) de terras devolutas. A alternativa mais promissora é a criação de uma rede de Florestas Nacionais (Flonas). Essas florestas públicas seriam parte de um mosaico de áreas protegidas incluindo as Unidades de Proteção Integral (Parques e Reservas). Um estudo recente (Veríssimo et al., 2000) revela que há pelo menos 700 mil km2 de florestas (14%) com potencial para a criação de Flonas na Amazônia. Essa área seria suficiente para atender de maneira sustentável a demanda atual do setor madeireiro da região.
O uso sustentável dos recursos naturais resultaria em maiores benefícios (emprego e renda) no longo prazo. Porém, no curto prazo, os benefícios financeiros e políticos da exploração predatória tendem a ser maiores. Portanto, é necessário que o governo assuma a responsabilidade de garantir o desenvolvimento sustentável. O governo deve estabilizar a economia local através de instrumentos ecônomicos, estratégicos e de comando e controle. Esses instrumentos incluem aumento da rentabilidade do manejo, aplicação de um imposto sobre a madeira de origem predatória, criação de Flonas e aperfeiçoamento do sistema de monitoração e controle.
ANEXOS
Anexo I
Métodos Utilizados na Análise Econômica da Atividade Madeireira e Pecuária
Dividimos os métodos em três partes. Inicialmente, explicamos o procedimento para a modelagem da exploração madeireira predatória e manejada. Em seguida, descrevemos os valores e coeficientes técnicos utilizados nos cálculos da receita bruta da pecuária. Finalmente, apresentamos o cálculo dos empregos gerados e as análises financeiras da pecuária e exploração madeireira.
Modelagem da Exploração Madeireira
Utilizamos na simulação uma área de aproximadamente 10.000 km2 ( 1 milhão de hectares) (Figura 1). Essa área é cortada por uma rodovia e por duas estradas secundárias à direita. O pólo de processamento madeireiro está localizado no centro da área. Consideramos que toda a área é coberta por florestas nativas intactas no tempo inicial (t=0).
Figura 1. Área utilizada na simulação da exploração madeireira.
A. Exploração madeireira predatória
A simulação da exploração madeireira predatória foi baseada no conceito de ondas de extração de acordo com os trabalhos de Stone (1998) e Schneider et al. (inédito). Os madeireiros de um único pólo maximizam o lucro explorando árvores com o mais alto lucro líquido (subtraído o custo de transporte). O lucro líquido (π) da extração do grupo de espécies k localizada na célula i pode ser descrito como:
onde:
X i,k é o volume de madeira do grupo de espécies k extraído na célula
φ é o fator de conversão de madeira serrada para madeira em tora (0,35)
Pk é o preço da madeira serrada (US$/m3 serrado)
Cp é o custo variável de processamento (US$/m3 serrado)
Ce é o custo variável de extração (US$/m3 em tora)
St k é o valor da madeira em pé (US$/m3 em tora)
Ct i é o custo de transporte da célula i até o pólo de processamento (US$/m3 em tora/km).
O objetivo da indústria é, portanto, maximizar a soma dos lucros, considerando uma restrição na capacidade de processamento:
onde Yt é a capacidade de processamento do pólo no tempo t. A capacidade de processamento varia no tempo. Nesse exercício, consideramos a capacidade inicial de processamento Y0 de 190 mil m3 de tora/ano, crescendo a uma taxa r de 0,26 ao ano [valor observado em Paragominas por Veríssimo et al. (1992) e utilizado por Stone (1998) como taxa máxima de crescimento]. Essa capacidade cresce até o limite de 1,2 milhão de m3 de tora/ano (metade do valor encontrado no pólo de Paragominas)[1]. Agrupamos as espécies em três classes de valor: alto, médio e baixo.
_____________
[1] A área da simulação é correspondente à metade da área do município de Paragominas, o mais importante pólo madeireiro da Amazônia.
Os cálculos de otimização foram feitos utilizando simultaneamente o Sistema de Informação Geográfica ArcView e uma planilha eletrônica do Excel, como descrito por Stone (1998).
Modelamos os custos de transporte utilizando o algoritmo cost grow do ArcView. As fricções foram definidas de acordo com trabalhos de Veríssimo et al. (1992; 1995; 1998; inédito) e Stone (1998). Os parâmetros utilizados tanto no cálculo dos custos de transporte como no cálculo da lucratividade são apresentados na Tabela 1.
Tabela 1. Parâmetros utilizados na modelagem da exploração madeireira.
Fonte: Veríssimo et al., 1992; 1995; inédito.
No caso da exploração predatória, sem manejo, assumimos que os madeireiros transportam apenas 84% do volume de madeira extraída para o pátio e serrarias. De acordo com Barreto et al. (1998), o volume restante (16%) é simplesmente esquecido na mata ou perdido por imperícia no corte das árvores.
A receita bruta no ano t , de acordo com [1] e [2] é]
B. Exploração madeireira manejada
A legislação atual que regula o manejo florestal não permite que haja ondas de extração. Uma vez que uma determinada área é explorada, ela não pode sofrer uma nova exploração antes que o ciclo de corte estimado em 30 anos se complete. O problema a ser maximizado pode serdescrito da mesma forma como na equação [2]. Existem duas diferenças cruciais. Primeira, o significado do subscrito k muda. O problema agora é escolher as células que oferecem o maior lucro possível. Para cada célula existem três opções:
k=1 extrair as espécies dos três grupos (alto, médio e baixo valor) simultaneamente
k=2 extrair as espécies dos grupos de alto e médio valor
k=3 extrair apenas as espécies do grupo de alto valor
A segunda diferença está no crescimento da capacidade de processamento do pólo. O crescimento do pólo foi limitado para que o volume total economicamente viável fosse extraído (Ytotal ) ao longo dos trinta anos de acordo com a equação [5]. A Figura 2 mostra a capacidade de processamento durante os trinta anos.
Crescimento da capacidade de processamento. Calculamos a taxa de crescimento (r) do processamento de tal forma que:
Figura 2. Evolução na capacidade de processamento do pólo madeireiro sob manejo florestal.
C. Pecuária
Área em pastagem
A área em pastagem considerada para o cálculo da renda bruta era proporcional às tabulações feitas por Chomitz & Thomas (no prelo). Em regiões secas, 31,8% da área total dos estabelecimentos agrícolas eram pastos; na zona de transição os pastos representaram 10,1%; e na zona úmida essa proporção era de 1,8%. Nas áreas úmidas com boa infra-estrutura e acesso ao mercado (Região Bragantina, Pará) esse valor subia para 13% (Tabela 2).
Tabela 2. Pastagem plantada por zonas de chuva e lotação média dos pastos.
Consideramos que o plantio das pastagens ocorria logo após a exploração de madeira de médio valor (entre os anos 4 e 22). A cada período, uma área proporcional à porcentagem de pastagem em cada região era convertida após a exploração madeireira. Desse modo, ao final do vigésimo segundo ano, a área em pastagem na região seca correspondia a 31,8% da área total. O mesmo procedimento foi adotado para calcular a área em pastagem nas zonas de transição e úmida (Figura 3).
Figura 3. Evolução da área em pastagem nas zonas de chuva.
onde,
AP r,t = área convertida em pastagem no ano t na região r
Mt = área explorada de madeira de médio valor no ano t
γr = proporção de pastagem na região r (Tabela 2)
ρ = proporção da área total explorada possuindo madeira de médio valor em todo o período (0,788)
O número de bovinos foi determinado da seguinte forma: para cada ano, calculamos o rebanho da área em pastagem, de acordo com a soma da lotação de pasto de cada célula. A lotação dos pastos em cada célula variou de acordo com a idade da pastagem. A lotação média durante o período foi de 0,67 animal por hectare (Tabela 3). Por exemplo, pastos com 2 anos de idade suportavam uma lotação de dois animais por hectare e pastos com 12 anos, apenas 0,2 animal por hectare. Na zona úmida, utilizamos uma lotação de pasto constante de 0,4 animal por hectare, de acordo com Chomitz & Thomas (no prelo). Após doze anos de uso, assumimos que as pastagens seriam replantadas e o ciclo começaria novamente.
Tabela 3. Lotação dos pastos.
Fonte: Hecht et al., 1988.
onde,
Rebanho = número de animais no ano t
N = número total de células em pastagens no ano t
L = lotação do pasto de idade a na célula i (animais/km2)
C = área da célula i (km2)
t = 4
….30
Após termos obtido o número total de animais em cada ano (Rebanho), simulamos a composição do rebanho de acordo com os índices zootécnicos descritos na Tabela 4. A simulação do rebanho também fornece o número de animais vendidos. Assumimos que todo o rebanho é de cria-recria-engorda, o caso mais comum na Amazônia (Tabela 5).
Tabela 4. Índices zootécnicos.
Fonte: Arima & Uhl, 1997.
Tabela 5. Exemplo de composição do rebanho.
A renda bruta da pecuária foi calculada multiplicando-se os animais vendidos pelos preços da Tabela 6.
Tabela 6. Valor de venda dos animais.
Fonte: Arima & Uhl, 1997.
D. Empregos gerados
A exploração madeireira predatória emprega pessoas nas etapas de extração, transporte e processamento. São necessários 283 m3 de madeira em tora para gerar um emprego. Já a exploração manejada emprega pessoas também nos tratamentos silviculturais e no planejamento da extração. São necessários 258 m3 de madeira para gerar um emprego no sistema com manejo. O número de empregos foi calculado utilizando coeficientes técnicos da literatura (Veríssimo et al., 1992; Barreto et al., 1998).
A pecuária gera um emprego para cada grupo de 39 animais, incluindo empregos permanentes e temporários. Coeficientes de emprego foram calculados com base nos trabalhos de Mattos & Uhl (1994) e Arima & Uhl (1997).
E. Valor Presente Líquido
O Valor Presente Líquido (VPL) e a Taxa Interna de Retorno (TIR) da atividade madeireira, incluindo a extração e o processamento de madeira, foram obtidos através da metodologia descrita nos itens A e B (Tabela 7). Os valores dos equipamentos, investimentos e vida útil foram obtidos de Veríssimo et al. (1992) e Barreto et al. (1998).
Tabela 7. Taxa Interna de Retorno (TIR) e Valor Presente Líquido (VPL) da extração e processamento de madeira e pecuária.
Anexo II
Retornos Financeiros da Exploração Madeireira e Pecuária na Amazônia
O objetivo desta breve revisão da literatura é comparar os retornos financeiros da exploração madeireira e pecuária, apresentados neste trabalho, com outros estudos publicados sobre o assunto. A comparação torna-se difícil na medida em que os estudos assumem diferentes perspectivas. Por exemplo, nenhum artigo sobre retornos financeiros da exploração madeireira engloba a fase de extração e processamento da madeira ao mesmo tempo em que considera aumentos nos custos de transporte resultantes da escassez de madeira próximo às serrarias.
A. Atividade madeireira
Recentemente, Pearce et al. (1999) fizeram uma revisão da literatura sobre os retornos financeiros da exploração madeireira predatória e manejada em florestas tropicais. A Tabela 1 resume esse artigo e mostra os casos em que o manejo florestal é voltado somente para a produção de madeira.
Tabela 1. Revisão da literatura (Fonte: Pearce et al.,1999; Tabela 2, pp.16-18).
Em geral, essa revisão aponta que o manejo florestal não é competitivo quando comparado com a exploração predatória. Em quase todos os casos, o manejo gera Valores Presentes Líquidos (VPL) positivos (taxa de desconto variando entre 5% a 20%). A única excessão é o estudo de Southgate e Elgegren (1995) no Peru, onde o VPL é negativo (Tabela 1).
Praticamente, todos os Valores Presentes Líquidos (VPL) dos sistemas convencionais são superiores aos encontrados em nosso trabalho (Tabela 2). Essa diferença ocorre por causa da escala de análise. Os trabalhos citados analisam o retorno financeiro na escala da propriedade. Nosso estudo foi feito na escala do município, onde os custos de transporte têm um grande peso nos retornos financeiros.
Tabela 2. Valores Presentes Líquidos (VPL) por hectare.
Somente dois artigos incorporam tanto a fase de extração como a de processamento. Mendoza e Ayemou (1992), na Costa do Marfim, observaram um VPL/ha de US$ 160, utilizando uma taxa de desconto de 10%. A essa mesma taxa, nosso estudo encontrou um valor de aproximadamente US$ 100/ha (Tabela 2). Richards et al. (1991), no México, observou uma taxa de retorno anual sobre o capital de 14%-15%. Infelizmente, não é possível comparar esses resultados com o nosso estudo, pois utilizamos um horizonte de trinta anos.
Os estudos de exploração madeireira na Amazônia brasileira, em sua maioria, são do Imazon. Os estudos de Uhl et al. (1991); Veríssimo et al. (1992; 1995); Barros e Uhl (1995); e Johns et al. (1996) analisaram os retornos financeiros da extração e processamento predatórios em diferentes regiões da Amazônia. A escala da análise foi uma serraria típica. Em geral, as margens de lucros anuais (lucro/receita bruta) eram superiores a 25%. Barros e Uhl (1995) observaram Taxas Internas de Retorno (TIR) de 124% para pequenas serrarias que utilizavam transporte fluvial no estuário do baixo Amazonas. Serrarias maiores de terra firme obtiam TIR de 14%-62%, extraindo madeira a 100 km das serrarias.
Almeida e Uhl (1995) utilizaram dados de Veríssimo et al. (1992) e calcularam a TIR da atividade madeireira na escala do município. A extração e processamento predatórios geravam TIR de 108%, enquanto a extração manejada e processamento geravam TIR de 103%. Considerando somente a etapa de extração, os retornos foram de 29% e 33% sem e com manejo, respectivamente. As diferenças entre os retornos obtidos em Almeida e Uhl (1995) e no presente estudo (122% sem manejo e 71% com manejo) ocorreram principalmente porque Almeida eUhl (1995) não incorporaram explicitamente as diferenças no custo de transporte no espaço nem e as ondas de extração descritas no Anexo 1.
Tabela 3. Área explorada.
Barreto et al. (1998) analisaram os custos e benefícios do manejo florestal em uma escala experimental (100 ha). Os autores observaram um VPL por hectare de US$ 430 utilizando uma taxa de desconto de 20%. Além disso, concluíram que o manejo é mais lucrativo, quando comparado à exploração predatória, por causa da maior eficiência no uso de maquinário e maior aproveitamento das toras.
Um outro estudo, do USDA Forest Service, conduzido recentemente por Holmes et al. (submetido) na região de Paragominas, observou resultados semelhantes ao trabalho de Barreto et al. (1998). Holmes et al. (submetido) compararam uma exploração manejada em escala industrial (500 ha) com o sistema predatório e observaram que o manejo é mais lucrativo (US$ 11,6/m3 versus US$ 9,84/m3, ou US$ 294/ha versus US$ 250/ha).
Stone (1998) utilizou um SIG e um modelo de otimização do lucro da indústria (extração e processamento) e projetou a exploração madeireira no Estado do Pará entre 1996 e 2006. No cenário no qual o preço da madeira sobe 3% ao ano e a capacidade de processamento cresce a taxas de 16% ao ano, uma área de 22 milhões de hectares seria explorada durante esse período, gerando uma receita bruta de US$ 1.677 por hectare em valores presentes (taxa de desconto de 5%). Em nosso estudo, o valor presente da receita bruta foi US$ 940 por hectare para o sistema predatório e US$ 965 por hectare para o manejo, utilizando-se a mesma taxa de desconto (5%).
B. Pecuária
A literatura sobre a pecuária em terra firme na Amazônia brasileira pode ser dividida em três fases. Na primeira fase, na década de 60 e 70, os trabalhos tinham um enfoque agrícola e zootécnico e mostravam que a região amazônica era apropriada para a criação de gado, pois os capins cresciam vigorosamente e os animais obtinham bons ganhos de peso (Falesi, 1976).
Os artigos da segunda fase da literatura, na década de 80, mostravam que a pecuária não tinha um desempenho financeiro satisfatório. Hecht et al. (1988) observaram que a Taxa Internade Retorno (TIR) era negativa com o uso de tecnologia tradicional. As taxas de retorno eram positivas (entre 5% e 31%) somente quando havia uma combinação de dois ou mais dos seguintes fatores: i) quando as fazendas recebiam incentivos fiscais e crédito subsidiado; ii) quando o preço da terra aumentava (especulação); iii) quando existia sobrepastejo no período inicial; ou iv) quando existia uma alta razão entre preços de gado/insumos. Conclusões semelhantes foram obtidas em Browder (1988) e Fearnside (1980).
Na década de 90, diversos estudos sobre pecuária foram publicados. Em geral, esses trabalhos davam suporte às conclusões dos trabalhos das décadas anteriores, mas também demonstravam a viabilidade econômica para alguns modelos de pecuária como, por exemplo, a produção de leite em pequena escala.
Mattos e Uhl (1994) analisaram fazendas em Paragominas e observaram que a pecuária praticada de forma extensiva gerava TIR menores que 5%. A pecuária leiteira em pequena escala gerava retornos de 12%, e a pecuária de corte em pastagens reformadas[1] obtinha retornos de 12%-21%.
Muchagata et al. (1999) realizaram um levantamento detalhado em 20 pequenas propriedades na região de Marabá (PA) durante um ano. Os autores observaram rendas anuais (líquida de custos variáveis e depreciação) negativas de R$ 39 por hectare para fazendas muito pequenas (12 hectares de pasto) até valores positivos de R$ 42 por hectare para fazendas um pouco maiores (85 hectares de pasto). Essas propriedades vendiam leite e animais e, em alguns casos, alugavam os pastos.
Faminow et al. (1998) demonstraram que a predominância de pastos e gado em pequenas propriedades deve-se ao menor risco dessa atividade quando comparada com sistemas agroflorestais. Além disso, mostrou que os riscos de variação de preços e de produção limitam a adoção de tecnologias mais intensivas. Os lucros médios por fazenda eram de R$ 6.000, bem mais altos que o PIB per capita brasileiro.
Os dados utilizados neste trabalho foram obtidos de Arima & Uhl (1996). A pecuária em terra firme (sul do Estado do Pará), em sistema extensivo tradicional, gerava TIR de 3%-5%. Fazendas pequenas, especializadas em produção de leite, obtinham TIR maiores, cerca de 9%. Esses números são consistentes com um estudo feito pelo Sindicato Rural de Araguaína (TO) (Nehmi Filho, 1999). A TIR obtida foi de 5% em Redenção (sul do Pará), 7% em Araguaína (TO) e 5% em Guaporé (MT).
Em resumo, os trabalhos demonstram que a pecuária extensiva praticada pela maioria dos fazendeiros gera um retorno muito baixo. Pequenas fazendas de leite, localizadas próximo a rodovias, obtêm retornos satisfatórios (~10%). Entretanto, o aumento do rebanho bovino e da pecuária extensiva de grande e pequeno porte continua sem uma justificativa econômica/financeira. Várias hipóteses como, por exemplo, ganhos de capital com valorização da terra necessitam de verificação empírica.
_____________
[1] A reforma de pasto consiste em derrubar a vegetação invasora, destocar, gradear a área, plantar capins mais adaptados e, em algumas vezes, fertilizar.
Anexo III
Cálculo dos valores de compensação de carbono e taxa sob a exploração madeireira predatória
Este anexo explica como foram obtidos os valores de compensação pelo carbono e dos impostos necessários para equiparar os rendimentos entre a exploração madeireira predatória e manejada.
A. Análise do rendimento bruto
A Tabela 1 mostra os Valores Presentes Brutos (VPB) sem compensação pelo carbono ou cobrança de taxas.
Tabela 1. Valor Presente Bruto (VPB) na situação atual: zona úmida (1,83% em pasto, sem pagamentos pelo carbono e sem impostos) e áreas de transição.
O cálculo dos valores de compensação pelo carbono são simples. Assumimos que os pagamentos pelo carbono adicional retido no sistema sob manejo era feito no ano t=0, segundo a equação [1]. Descontaram-se no tempo apenas os valores dos benefícios (renda bruta). Os valores obtidos estão descritos nas Tabelas 2a e 2b.
onde,
Bt = rendimento bruto do sistema predatório (extração+processamento+pecuária)
Bm = rendimento bruto do manejo (extração+processamento)
CP = pagamento pelo carbono
r = taxa de desconto
Tabela 2a. Valor dos pagamentos pelo carbono para equiparar o VPB do sistema predatório (zona úmida) e do manejo, sob diferentes taxas de desconto.
Tabela 2b. Valor dos pagamentos pelo carbono para equiparar o VPB do sistema predatório (zona de transição) e do manejo, sob diferentes taxas de desconto.
B. Análise privada compensação pelo carbono
A análise para o setor privado foi semelhante ao cálculo acima. A diferença está no uso dos valores líquidos {equação [2]}. Os valores atuais sem compensação estão descritos na Tabela 3 e os valores da compensação de carbono, na Tabela 4.
Bt, Ct = custos e benefícios da extração + processamento predatórios
Bm, Cm = custos e benefícios do manejo
CP = pagamento pelo carbono
r = taxa de desconto
Tabela 3. Desempenho econômico da exploração predatória e manejada.
Tabela 4. Valor dos pagamentos pelo carbono a fim de equiparar os VPL sob diferentes taxas de desconto.
C. Análise privada – impostos
Calculamos a taxa π cobrada sobre a exploração convencional necessária para equiparar os retornos financeiros em relação ao manejo florestal {equação [3]}.
onde
π < 1 é a taxa cobrada
O valor da taxa por metro cúbico de madeira explorada ( X¯ ) foi obtido dividindo-se o
valor total da taxa pelo volume total explorado (Tabela 5).
onde, =
__
X = valor do imposto (US$/m3)
Vol = volume total extraído (m3 de tora)
Tabela 5. Valor dos impostos sobre a madeira de origem predatória a fim de equiparar o VPL sob diferentes taxas de descontos.
D. Emissão de carbono
A quantidade adicional de carbono liberada entre a exploração predatória e manejo (∆Ci,m) foi obtida segundo [5]. As quantidades de carbono liberadas em cada nível de exploração (Ci e Cm) estão descritas na Tabela 6.
onde
Ci = quantidade de carbono liberada sob exploração predatória no nível de extração i (ton/ha)
Cm = quantidade de carbono liberada sob manejo no nível de extração m (ton/ha)
N = area extraída no nível i,m (ha)
Tabela 6. Emissão de carbono por hectare.
A exploração madeireira predatória libera cerca de 9 milhões de toneladas adicionais de carbono quando comparada à exploração manejada (Tabela 7). Os pastos liberam cerca de 4 milhões de toneladas de carbono adicionais em apenas 1,83% da área total, quando comparados à quantidade de carbono liberada no manejo florestal na mesma área. Em áreas de transição (10,1% de pasto), essa diferença atinge 22,7 milhões de toneladas.
Tabela 7. Emissão de carbono em cada atividade.