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Análise de termos de ajustamento de conduta para a recomposição de passivo ambiental de imóveis rurais no Pará

INTRODUÇÃO

Desde 2007, medidas inovadoras de comando e controle têm sido implementadas para combater o desmatamento na Amazônia e tornar a responsabilização ambiental mais eficiente. Uma das medidas mais relevantes é o Decreto 6.321/2007, que instituiu o embargo ao uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente, além da corresponsabilização da cadeia produtiva ao adquirir produtos dessas áreas embargadas (Barreto e Silva, 2009). A partir disso, o Ministério Público Federal (MPF) do Pará ingressou com ações judiciais contra frigoríficos que compravam carne de áreas embargadas. Como resultado, três grandes frigoríficos assinaram Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) se comprometendo, dentre outras obrigações, a comprar gado apenas de fornecedores cujas áreas estivessem inseridas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), administrado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará (Sema) (Barreto e Silva, 2009).

Outra medida importante foi a publicação, em 2008, pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), de uma lista de 36 municípios que mais desmatam na Amazônia, impondo restrições de acesso a crédito rural a todas as propriedades desses municípios. Para sair da lista, o município deve diminuir o desmatamento anual em nível inferior ou igual a 40 km2 e alcançar no mínimo 80% de CAR em sua área cadastrável[1]. Até maio de 2011, apenas dois municípios haviam saído da lista: Paragominas, no Pará, e Querência, no Mato Grosso. Atualmente, 48 municípios amazônicos estão na lista do MMA (Miotto, 2011).

Um elemento comum às medidas acima é a exigência do CAR para regularização ambiental dos imóveis. Esse registro georreferenciado dos imóveis rurais possui informações pessoais do detentor do imóvel, bem como das Áreas de Preservação Permanente (APP), Áreas de Uso Alternativo do Solo (AUAS) e a proposta de área de Reserva Legal (RL)[2]. No Pará, o CAR foi criado em 2006 (Decreto Estadual 2.593/2006), mas passou a ser obrigatório somente em 2008 (Decreto Estadual 1.148/2008). Em 2009, o Governo Federal instituiu o CAR para todo o território nacional (Decreto Federal 7.029/2009).

O CAR não autoriza atividades produtivas no imóvel. Para isso, o responsável pelo imóvel precisa solicitar a Licença de Atividade Rural (LAR) específica para sua atividade (por exemplo, pecuária), após a obtenção do CAR.

Quando o imóvel registrado no CAR possui passivo ambiental, por exemplo, desmatamento de RL ou APP, o detentor do imóvel deve se comprometer a recuperá-lo antes de obter a LAR. Esse compromisso é firmado por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou Termo de Compromisso (TC), que é um instrumento jurídico destinado a adaptar determinadas condutas às exigências legais mediante acordos. Esse termo possui eficácia de título executivo extrajudicial, ou seja, se não for cumprido pode ser cobrado diretamente em ação judicial, sem necessidade de outra ação prévia para provar a validade da obrigação cobrada[3]. No caso do CAR, o TAC é usado para adaptar a conduta dos responsáveis pelo imóvel rural às exigências legais para regularização ambiental.

Até o momento, não existem estudos e análises sobre TACs assinados pela Sema no Pará para fins de obtenção de LAR. Dessa forma, não se sabe a quantidade de termos que já foram assinados e qual o seu conteúdo para promover a recuperação do passivo ambiental. Além disso, não há avaliações que indiquem se os elementos técnicos e jurídicos utilizados na elaboração dos TACs são suficientes para garantir o seu êxito e promover a recomposição das áreas.

Neste estudo procuramos responder algumas dessas perguntas a fim de contribuir na análise desse instrumento jurídico exigido para obtenção do CAR no Pará. Para isso, identificamos os procedimentos adotados pela Sema para emissão do CAR e LAR até agosto de 2011 e para elaboração, assinatura e controle de cumprimento dos TACs . Isto foi feito por meio de revisão da legislação e de entrevistas com funcionários da Sema[4]. Também revisamos casos concretos de TACs na área florestal assinados pela Sema em 2010 e elaboramos recomendações para aperfeiçoá-los.

Este estudo e suas recomendações foram disponibilizados e discutidos em agosto e setembro de 2011 com funcionários da Sema que atuam em diferentes setores vinculados aos processos de CAR e LAR. Durante a finalização deste relatório, a Sema publicou a Instrução Normativa (IN) nº14/2011, de 27 de outubro de 2011, trazendo avanços que atendem algumas de nossas recomendações, conforme apresentado no epílogo.

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1 A área cadastrável é equivalente a área total menos Áreas Protegidas de domínio público e perímetros urbanos em cada município.

2 Art. 2º, Instrução Normativa 09/2011 da Sema.

3 O Termo de Ajustamento de Conduta está previsto no art. 5º, § 6º da Lei 7.347/1985 (a Lei de Ação Civil Pública).

4 Funcionários entrevistados: Carlos Eduardo (Gerência de Geotecnologia – Geotec); Iolene Azevedo (Gerência de Planejamento Ambiental – Geplan); Paulo Roberto Pinto (Gerência de Projetos Agroflorestais – Gepaf); Rebeca Reitz, Ana Matisse Andrade e Marialva Pinheiro (Consultoria Jurídica – Conjur).

2. PROCEDIMENTOS PARA OBTENÇÃO DO CAR, ASSINATURA E CONTROLE DE TACS

A assinatura de TAC para recuperação do passivo ambiental ocorre no processo de solicitação de LAR[5]. De acordo com a IN 09/2011 da Sema, o processo inicia quando o responsável técnico do imóvel envia a solicitação de CAR pelo Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental (Simlam), via Internet[6]. Em resposta, o Simlam emite automaticamente o CAR provisório, sem necessidade de nenhuma análise prévia da Sema (Figura 1).

Caso o responsável pelo imóvel queira desenvolver uma atividade econômica no local, deve encaminhar à Sema um projeto para obtenção da LAR. O responsável técnico do imóvel submete o projeto à análise prévia do órgão, que verificará se a documentação está completa antes de protocolar o pedido da LAR. Na ausência de algum documento, o técnico do imóvel deve providenciá-lo para que o pedido seja finalmente protocolado.

Uma vez protocolado, o processo segue para análise da Gerência de Tecnologia (Geotec), que analisa os dados enviados desde o pedido do CAR e da LAR. Nessa análise a Geotec verifica se o imóvel está sobreposto a alguma Área Protegida ou a outro imóvel particular. Esse setor também identifica se existem desmatamentos ocorridos sem autorização em RL e APP. Ao final, se não houver pendências ou se as mesmas houverem sido sanadas, a Geotec emite o CAR definitivo do imóvel e um laudo sobre sua situação.

Em seguida, o processo é encaminhado à Consultoria Jurídica (Conjur), que avalia a legalidade e validade da documentação apresentada. Caso a Geotec tenha indicado em seu laudo a existência de passivo ambiental, a Conjur providencia junto ao detentor do imóvel a assinatura de um TAC, no qual ele se compromete a recuperar o passivo. Dependendo do tipo de passivo, o detentor possui 30 dias (nos casos de passivo de APP) ou 90 dias (nos casos de passivo de RL) para entregar à Sema o plano de recomposição, que deve detalhar a forma e cronograma de recuperação da área desmatada. O processo segue então para a Gerência de Projetos Agrossilvopastoris (Gepaf) mesmo que o prazo de entrega do plano não esteja finalizado.

A Gepaf finalmente analisa o conteúdo do projeto elaborado para obtenção da LAR. Se não houver pendências ou se as mesmas forem resolvidas, a Sema emite a LAR. Se o plano de recomposição não for entregue no prazo, a LAR é suspensa até que essa obrigação seja cumprida (Figura 1).

 

2.1. Entraves no processo

Há três entraves principais para o acompanhamento dos TACs. Primeiro, o Simlam, que reúne os dados de processos de CAR e LAR, não informa quais processos possuem TAC. O sistema apenas indica os pedidos de CAR que possuem passivo ambiental, o que permite identificar em quais casos os TACs deveriam ser exigidos. Assim, o número total de TACs já assinados pela Sema desde o início de sua exigência no processo de CAR e LAR é desconhecido.

Segundo, a Sema não possui diretrizes para elaboração dos planos de recomposição de RL e APP. Consequentemente, embora os planos sejam exigidos e haja prazos estabelecidos para entregá-los, consta no comprovante do CAR provisório que a contagem do tempo só inicia a partir da publicação pela Sema dos critérios de recomposição. Na prática, a Sema deveria ter publicada uma regulamentação (por exemplo, uma IN) com essas indicações, o que não ocorreu até julho de 2011.

Terceiro, mesmo que essa IN sobre normas de recomposição existisse, não há um setor formalmente designado para acompanhar o cumprimento dos planos de recomposição. Durante as entrevistas na Sema, os entrevistados indicaram que essa função ficará sob a responsabilidade da Gepaf, mas essa atribuição ainda não foi formalizada.

Dessa forma, a combinação desses três fatores faz com que uma mesma pessoa física ou jurídica responsável por vários imóveis possua vários TACs com pendências e sem qualquer controle. Idealmente, antes de assinar novos TACs com uma mesma pessoa, a Sema deveria fazer uma busca da situação de outros compromissos já assinados e priorizá-los para fiscalização em campo.

Considerando esses entraves, os atuais procedimentos para obtenção de CAR e LAR não asseguram que imóveis com desmatamento ilegal em APP e RL inscritos no CAR tenham esse passivo ambiental recuperado, além de enfraquecerem a utilização dos TACs para efetiva cobrança de obrigações. Para complementar esse estudo, na seção seguinte apresentamos os resultados das análises feitas em alguns TACs assinados pela Sema antes da IN 09/2011 para avaliar seu conteúdo jurídico.

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5 Ainda estão em vigor a IN 37/2010 da Sema e a IN 01/2010 da Sema e do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) para emissão de CAR em imóveis abaixo de 300 hectares e em projetos de assentamento, respectivamente. No entanto, mais recentemente a Sema tem adotado o procedimento descrito na IN 09/2011 para todos os imóveis.

6 Disponível em http://monitoramento.sema.pa.gov.br/simlam/simlam.aspx. Acesso em: 5 out. 2011.

3. METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO DE TACS

3.1. Amostragem

Em março de 2010 solicitamos à Sema acesso aos TACs celebrados com detentores de imóveis rurais inseridos no CAR. Obtivemos apenas 44 (quarenta e quatro) minutas de TACs celebrados entre janeiro e abril de 2010. Dois desses TACs foram excluídos da análise por serem referentes a outras obrigações legais não abrangidas por este estudo[7]. Os 42 TACs referiam-se a imóveis de 23 municípios (Tabela 1), abrangendo um total de 48.524 hectares de área desmatada a ser recomposta, incluindo APPs e RLs.

Ressaltamos que, de acordo com a Sema, o controle sobre TACs assinados iniciou apenas em 2010 por meio de uma listagem dos termos assinados. Sendo assim, como os TACs da amostra foram assinados num intervalo de quatro meses, não é possível interpretar as conclusões como padrão de funcionamento da Sema desde o início da implementação do CAR. Contudo, a análise da amostra indica como a Sema tem atuado mais recentemente na elaboração de TACs para recomposição de passivo ambiental e possibilita a elaboração de recomendações.

3.2. Termo de Referência para TACs

Para embasar a análise, elaboramos um Termo de Referência de avaliação do conteúdo dos TACs baseado na revisão de literatura jurídica especializada, na legislação federal e estadual sobre o CAR e recuperação de passivo ambiental, além dos modelos de TACs disponibilizados pela Sema. Esse Termo de Referência identifica 11 seções e 35 itens que devem constar formalmente no TAC (Anexo 1), com destaque para:

a. a previsão da possibilidade da execução judicial do TAC enquanto título executivo extrajudicial (Akaoui, 2010);

b. o expresso reconhecimento do dano ou do risco do dano pelo Compromissário (Akaoui, 2010);

c. descrição expressa de todas as obrigações, situando prazos, modo e lugar do cumprimento de cada obrigação (Rodrigues, 2006);

d. estipulação de multa específica pelo inadimplemento de cada obrigação (Rodrigues, 2006);

e. destinação dos valores auferidos em decorrência do TAC (por exemplo, multas por descumprimento de alguma obrigação) (Akaoui, 2010).

A partir do Termo de Referência, adotamos o seguinte critério para analisar os 42 TACs: quando o documento atendia integralmente a um determinado critério, anotou-se a expressão “Sim”; em caso contrário, “Não”; e quando o documento atendia parcialmente a um determinado critério, grafou-se “Parcial”. Ao final, identificamos os principais itens do Termo de Referência ausentes e presentes nos TACs. A seção seguinte apresenta os principais resultados encontrados.

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7 Um TAC referente à regularização de transporte de carvão vegetal (TAC n.º 50/2010) e o outro, ao aproveitamento de resíduos florestais (TAC n.º 83/2010).

AVALIAÇÃO DOS TACS

Os TACs apresentados pela Sema para a recomposição florestal possuem elementos técnicos e jurídicos essenciais para sua eficácia, tais como a existência do laudo geotécnico (atestando a necessidade da recomposição da área desmatada) e a possibilidade da execução do TAC perante o Poder Judiciário. Além disso, os TACs são bem estruturados, incluindo cláusulas sobre o objeto do TAC (recomposição florestal), fundamentação legal, obrigações das partes, impli-cações da inadimplência, vigência, previsão de publicação em diário oficial.

Por outro lado, observamos algumas deficiências que podem comprometer a eficácia jurídica dos TACs e que demandam aperfeiçoamento. Dividimos os problemas encontrados em quatro categorias: i) problemas gerais; ii) na maioria dos TACs; iii) na minoria dos TACs; e iv) falta de padronização.
a. Problemas gerais:

• TACs não estipulam destino para multas decorrentes do descumprimento das obrigações (por exemplo, podem ser revertidas para o Fundo Estadual de Meio Ambiente). É importante que o órgão ambiental expresse no TAC o destino desses recursos, a fim de viabilizar o controle administrativo e social sobre a sua aplicação.

• Ausência de obrigação de publicação do TAC no Simlam Público (módulo do Simlam acessível ao público) apesar de todos preverem publicação em diário oficial. A disponibilização no Simlam Público ampliaria a possibilidade de monitoramento do cumprimento do TAC por outras instituições públicas (por exemplo, Ministério Público Estadual-MPE) e pela sociedade civil.
b. Problemas na maioria dos TACs

• Noventa e oito por cento (98%) dos TACs não apresentaram prazo para cumprimento de todas as obrigações assumidas, o que dificulta o monitoramento do compromisso. A maioria dos TACs apresentava prazo para apenas algumas das obrigações.

• Setenta e um por cento (71%) dos TACs não apresentavam a cláusula em que o responsável pelo imóvel admite expressamente a ocorrência do dano ou do risco do dano ambiental. De acordo com Akaoui (2010), essa cláusula evitaria alegações inverídicas por parte do responsável pelo imóvel em eventual conflito judicial relacionado ao TAC.
c. Problemas na minoria dos TACs

• Trinta e um por cento (31%) dos TACs não apresentavam data de assinatura, o que prejudica o monitoramento das obrigações e a contagem de prazo para o cumprimento das obrigações estipuladas.

• Vinte e nove por cento (29%) dos TACs não apresentavam cláusula estabelecendo que as obrigações permaneçam com o imóvel, mesmo em caso de transferência, devendo ser dada ciência no contrato ou escritura pública.

• Quatorze por cento (14%) dos TACs analisados não faziam distinção entre passivos de APP e de RL, constando apenas a área total a ser recomposta. Esse problema pode gerar pelo menos três consequências negativas: i) dificuldade na avaliação do plano de recomposição apresentado pelo responsável do imóvel, já que existem regras específicas para recuperação de RL e APP e prazos diferenciados para apresentação desses planos (90 dias para RL e 30 dias para APP); ii) questionamento após a assinatura do TAC sobre a área do imóvel rural a ser recuperada; iii) dificuldades para a execução judicial do TAC devido à falta de liquidez e certeza da obrigação.
d. Falta de padronização

• O prazo de vigência variou em duas categorias: 69% dispuseram que o termo vigorará até o prazo necessário ao seu efetivo cumprimento, ou seja, até a plena recomposição/compensação do passivo ambiental da propriedade. Por outro lado, 31% estabeleceram prazo de 30 anos. Recomendamos que o TAC disponha que esse prazo seja de 30 anos, seguindo previsão do Decreto Estadual 2.099/2010 (específica para RL, mas podendo ser aplicada para APP).

• O uso de testemunhas variou, pois 66% dos TACs analisados apresentavam a assinatura de duas testemunhas, 24% não possuíam testemunhas e 10% apresentavam a assinatura de apenas uma testemunha. Apesar de não ser exigência legal, Akaoui (2010) indica que a participação de testemunhas no momento da assinatura do TAC poderia evitar alegações posteriores como coação, num eventual litígio.

5. SUGESTÕES PARA APERFEIÇOAMENTO DO MONITORAMENTO DE TACS

A partir dos resultados apresentados nas duas últimas seções, avaliamos que o conteúdo dos TACs pode ser facilmente ajustado pela Consultoria Jurídica da Sema. Entretanto, os ajustes no texto não serão suficientes para suprir o principal problema identificado nesta análise: a falta de monitoramento dos TACs assinados.

Conforme explicação no item 2.1, alguns dos principais entraves são a falta de registro dos TACs no Simlam e a indefinição na Sema sobre a atribuição de monitoramento dos acordos, seja da entrega dos planos de recuperação ou de sua implementação. Entretanto, mesmo que a Sema adote as recomendações deste estudo, aperfeiçoando os textos dos TACs, indicando setores responsáveis e aumentando o controle via Simlam, é provável que a secretaria não tenha a capacidade operacional de monitorar todos os TACs, incluindo visitas de campo.

Para enfrentar essa situação, os TACs poderiam prever que os responsáveis pelo imóvel custeariam a fiscalização, de acordo com critérios a serem indicados pela Sema. Além disso, Barreto e Brito (2005) sugerem que o órgão ambiental crie um sistema de baixo custo de avaliações amostrais usando auditores independentes externos. Dessa forma, os fiscais do órgão ambiental fiscalizariam principalmente os imóveis onde tais auditorias detectassem irregularidades. Uma vantagem das auditorias independentes é que elas poderiam ser realizadas conforme a demanda sem a necessidade de contratar um grande número de funcionários permanentes.

Um exemplo prático dessa sugestão ocorreu em Santa Catarina, quando o MPF contratou empresas especializadas em auditoria ambiental para verificar o cumprimento de TACs celebrados com as empresas mineradoras de carvão da região sul do Estado (Dias, 2009). A contratação dessas empresas obedeceu às seguintes etapas:

a. Previsão de realização das auditorias ambientais externas em uma das cláusulas do TAC. As empresas de auditoria foram selecionadas pelo MPF, com custos pagos pelos signatários auditados.

b. Seleção das empresas de auditoria. Dias (2009) sugere uma espécie de licitação, com duas fases: i) qualificação técnica, na qual se verifica a capacidade técnica da empresa candidata, as experiências anteriores etc.; ii) propostas comerciais, na qual se busca a empresa de auditoria com menor custo, dentre as habilitadas na fase anterior.

c. Depósito prévio do valor da auditoria. Esta obrigação de depósito antecipado deve ser prevista no TAC para prevenir possível inadimplência (Dias, 2009).d. Realização da auditoria.

e. Apresentação de resultados em reuniões com o MPF, o órgão ambiental e outros órgãos públicos que sejam signatários do TAC.

f. Apresentação de resultados em audiências públicas.

No caso em questão foram realizadas três rodadas de auditoria. Dentre as 13 empresas signatárias do TAC, a maioria (7) cumpriu o acordo integralmente; quatro foram embargadas por descumprimento das cláusulas; e duas ainda estavam cumprindo as obrigações.

Segundo Dias (2009), as principais lições dessa experiência para a contratação de empresas foram:

• Divulgar amplamente critérios e processo seletivo antes da efetiva seleção das empresas. No caso de Santa Catarina, um dos critérios adotados foi de não contratar empresa auditora que possuísse vínculo comercial, atual ou passado, com a empresa auditada.

• Procurar alternativas para reduzir custos para pequenas empresas. No caso dos TACs no Pará, grandes e médios imóveis poderiam custear sua própria auditoria e o Estado custearia as auditorias para os pequenos, já que pouparia recursos por evitar a fiscalização de todos os casos.

• Padronizar critérios, métodos e formato de relatórios das auditorias. Em Santa Catarina houve muita disparidade entre os relatórios e na última rodada de auditorias optou-se por selecionar uma única empresa. No entanto, considerando a grande quantidade de imóveis a serem auditados no Pará, será improvável que apenas uma empresa de auditoria seja contratada, o que reforça a necessidade de padronizar métodos e padrões de relatórios.

• Publicidade, com exposição dos resultados em audiências públicas.

• Efetiva aplicação das penalidades previstas no TAC para aquelas empresas signatárias que não cumpriram suas cláusulas.

Dessa forma, acreditamos que o aperfeiçoamento do controle dos TACs celebrados no processo de obtenção do CAR e LAR na Sema pode ocorrer com a adoção de medidas inovadoras, como a utilização de auditorias independentes. Para isso, sugerimos que a regulamentação que deve ser elaborada pela Sema para apresentação de planos de recuperação das áreas de APP e RL degradadas também preveja a contratação dessas auditorias no caso de grandes imóveis. Finalmente, para ampliar o monitoramento em TACs em todos os imóveis, os textos dos acordos devem ser disponibilizados no Simlam Público.

6. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Nesse estudo, verificamos que atualmente há três entraves principais para o acompanhamento da efetividade dos TACs. Primeiro, o sistema utilizado para controle e acompanhamento do CAR não identifica os casos que possuem TACs assinados. Segundo, a Sema não publicou a regulamentação sobre os critérios de recomposição do passivo ambiental. Finalmente, não há um setor formalmente designado nem uma estratégia institucional para acompanhamento do cumprimento dos TACs e a entrega e implementação dos planos de recomposição.

A superação desses entraves deve incluir medidas que garantam: i) fácil identificação e integração, via Simlam, de TACs relacionados a cada imóvel rural ou a uma mesma pessoa física ou jurídica; ii) clara comunicação dos critérios para elaboração dos planos de recomposição de APP e RL; e iii) efetivo monitoramento do cumprimento dos TACs firmados. Para ajudar na viabilização deste último, sugerimos que os TACs de grandes imóveis prevejam contratação de auditorias independentes para monitorar os acordos assinados, seguindo critérios determinados pela Sema. Esse tipo de experiência já foi adotado com sucesso em Santa Catarina pelo MPF, proporcionando aumento da capacidade de monitorar os acordos e assegurando o cumprimento das obrigações.

Além disso, a análise de 42 TACs assinados pela Sema em 2010 para recuperação de passivo em APP e RL demonstrou que há necessidade de aperfeiçoar os textos deste instrumento jurídico adotado pela Sema. Em especial, destacamos a necessidade de estipular prazos para todas as obrigações dos TACs e prever destinação de valores recolhidos em decorrência de seu descumprimento.

Também recomendamos a publicação dos textos dos TACs no Simlam Público e outros ajustes relacionados à padronização de prazos de vigência, uso de testemunhas e inclusão de datas de assinaturas dos TACs. Essas medidas simples de ajustes no texto, aliadas ao aperfeiçoamento do controle interno da Sema sobre os TACs, fortalecerão as medidas de recuperação de passivo ambiental nos imóveis do Estado.

EPÍLOGO

Na fase de finalização deste relatório, a Sema publicou a IN 14/2011 com regras adicionais ao processo de obtenção de CAR, LAR e TACs para recomposição de passivo ambiental. Em relação às recomendações deste estudo, um avanço da nova norma foi designar formalmente um setor para o monitoramento dos TACs, função que ficará com o setor de fiscalização da Sema. A IN 14/2011 também permite que o monitoramento dos projetos de recomposição ou regularização de APP e RL seja feito por outras instituições ou por órgão ambiental municipal mediante convênio e outros instrumentos de cooperação.

Destacamos também a definição de prazo para recomposição da APP, fixado em até 10 (dez) anos a contar da data da aprovação do projeto técnico. Até então só a RL possuía prazo específico para a recomposição (30 anos, conforme o decreto estadual 2.099/2010). No entanto, ainda falta definir os critérios para elaboração dos planos de recomposição de APP e de RL.

Outras mudanças principais trazidas pela IN 14/2011 no processo de CAR e LAR foram:

• Assinatura de Termo de Compromisso Ambiental (TCA) após o ingresso do imóvel no CAR e antes da solicitação da LAR. No TCA, o responsável pelo imóvel se compromete a solicitar a LAR dentro de um prazo estipulado na IN 14/2011[8] e a regularizar passivo ambiental, que será posteriormente formalizado com a assinatura de um TAC no processo de obtenção da LAR.

• Emissão de Autorização de Funcionamento (AF) pela Sema após a assinatura do TCA. A AF funcionará como um tipo de licença provisória, com validade de 1 ano, devendo o responsável pelo imóvel solicitar a LAR em até 120 dias antes de seu vencimento. Todas as AFs serão disponibilizadas no Simlam Público para verificação da validade e autenticidade por qualquer interessado.

• Simplificação do projeto de LAR, que passa a ser chamado de Relatório Ambiental Simplificado (RAS);

• Apresentação junto ao pedido da LAR da pré-análise do georeferenciamento, a partir de diretrizes técnicas estabelecidas pela SEMA. A pré-análise tem o objetivo de agilizar a avaliação dos dados georreferenciados pela Geotec, que irá validar ou corrigir as informações apresentadas no pedido de LAR.

Apesar dos avanços, os seguintes problemas identificados neste estudo ainda carecem de solução:

• Disponibilização dos TACs no Simlam Público para visualização de qualquer interessado e ajustes no Simlam Técnico (acessível apenas pela Sema) para localização de dados relacionados aos TACs;

• Definição de critérios para elaboração dos planos de recomposição de APP e RL;

• Aperfeiçoamento dos TACs, conforme indicações nas seções 4 e 5.

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8 Os prazos para solicitação de LAR são: i) até 28/02/2012 para imóveis rurais acima de 3.000 mil hectares; ii) até 30/06/2012 para imóveis rurais acima de 500 hectares até 3.000 mil hectares; e iii) até 31/12/2012 para imóveis rurais até 500 hectares.

ANEXO 1. TERMO DE REFERÊNCIA PARA AVALIAÇÃO DE TACS

I – Cabeçalho: referência completa dos seguintes itens:

1. Identificação do Documento (“Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta” ou “Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta” etc.) com numeração.

2. Qualificação do Compromitente (órgão ambiental) e Representante.

3. Qualificação do Compromissário (proprietário ou posseiro), Representante ou Sócio.

4. Fundamentação legal do TAC (Constituição Federal de 1988; Constituição do Estado do Pará; Lei 4.771/1965 – Código Florestal Brasileiro, alterada pela Medida Provisória 2.166-67/2001; Lei 6.938/81 – Política Nacional de Meio Ambiente; Lei 7.347/1985 – Ação Civil Pública; Lei 5.887/1995 – Política Estadual do Meio Ambiente; Lei 9.605/1998 – Lei de Crimes Ambientais; Lei Estadual 6.462/2002 – Política Estadual de Florestas; Decreto Federal 6.514/2008; Instrução Normativa/Sema 035/2009; Decreto Estadual 2.099/2010 etc.).

II – Objeto e motivo do TAC

1. Distinção da(s) área(s) desmatadas a ser (em) recomposta(s): área de RL e APP (em hectares).

2. Identificação do imóvel rural, incluindo o município de localização, o nome do imóvel, endereço, coordenadas geográficas e área total (em hectares) e registro do imóvel rural no cartório de imóveis do município (quando houver).

3. O proprietário reconhece em caráter irretratável e irrevogável o passivo ambiental em sua propriedade e o dano ambiental causado na área.

III – Fundamentação legal e fática

1. Razão do acordo, incluindo artigos de lei federal e estadual de referência para recomposição do dano e obtenção de CAR (Decreto Estadual 2.593/ 2006; Instrução Normativa 03/2007; Decreto Estadual 1.148/2008, Instrução Normativa/Sema 037/2010 e Instrução Normativa/Sema 09/2011).

2. Laudo técnico atestando a necessidade de recomposição florestal de RL ou APP (fundamentação material).

3. Número do processo do CAR.

IV – Obrigações das Partes

1. Descrição das obrigações da Compromissária.

2. Descrição das obrigações do Compromitente.

3. Prazos específicos para o cumprimento de cada obrigação da Compromissária cujo cumprimento imediato não é possível.

V – Inadimplência

1. Previsão de que haverá lavratura do auto de infração relativo ao dano ambiental em caso de descumprimento das obrigações pactuadas no TAC.

2. Multa específica pelo descumprimento de cada obrigação assumida no TAC (não incluir apenas previsões genéricas, como multas sem valores já fixados) e prazo para recolhimento.

3. Previsão de que os valores correspondentes às multas administrativas e penas pecuniárias serão revertidos para o Fundo Estadual de Meio Ambiente.

4. Outras sanções administrativas previstas no art. 3º do Decreto 6.514/2008.

5. Previsão de garantia (por exemplo, hipoteca, penhor, seguro ambiental, bloqueio de conta corrente) com a finalidade de garantir o adimplemento das obrigações assumidas pelo Compromissário (Akauoi, 2010).

6. Previsão de que o não cumprimento das obrigações estipuladas no TAC sujeitará o infrator à execução do título executivo extrajudicial ali formado.

VI – Disposições finais

1. A revogação, total ou parcial, de quaisquer uma das normas legais referidas no TAC, sem prejuízo de outras, não alterará as obrigações assumidas no termo.

2. O Compromitente poderá fiscalizar a execução do acordo sempre que necessário

3. A Compromissária atenderá as requisições e solicitações feitas pelo Compromitente no prazo estabelecido.

4. Em caso de transferência de propriedade ou posse, onerosa ou gratuita, da área integral ou fracionada, a Compromissária se obriga a dar ciência a outra parte do negócio, fazendo constar no contrato particular ou escritura pública as obrigações ora assumidas e as respectivas multas pelo inadimplemento.

5. Desde que resultante de caso fortuito ou força maior, não constituirá descumprimento do TAC a eventual inobservância pela Compromissária de quaisquer prazos estabelecidos, conforme o art. 393 do Código Civil.

6. As obrigações constantes no TAC ficam suspensas, no caso de o imóvel ser esbulhado, até o efetivo cumprimento das reintegrações de posse, e os danos ambientais causados por terceiros de má-fé não será de responsabilidade dos proprietários.

VII – Prazo de vigência

1. O TAC produzirá seus efeitos legais a partir da data da assinatura (ex.: início da contagem do prazo para o cumprimento das obrigações).

2. A vigência do TAC será o tempo necessário para a recomposição/compensação do passivo ambiental ou de 30 anos quando se tratar de recuperação de RL.

VIII – Publicação

1. Estipulação de prazo para publicação do TAC em Diário Oficial.

2. A publicação será custeada pelo Compromissário.

3. Publicação do TAC no Simlam Público.

IX – Foro

1. Foro da Comarca de Belém.

X – Local e data da assinatura

1. Local e data da assinatura.

XI – Assinaturas

1. Representante do Compromitente.

2. Compromissário ou Representante.

3. Testemunhas.

 

 

 

 

This post was published on 6 de maio de 2013

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