Os alertas de desmatamento em Áreas Protegidas (AP) – Unidades de Conservação e Terras Indígenas – na Amazônia Legal indicaram a perda de pelo menos 208 quilômetros quadrados de floresta entre agosto de 2012 e março de 2013, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD). Houve aumento de aproximadamente 41% em relação ao desmatamento detectado entre agosto de 2011 e março de 2012 (121 km²).
A maior parte (75%) desse desmatamento ocorreu em apenas 10 APs, localizadas em três Estados (Pará, Rondônia e Mato Grosso), em zonas de expansão ou melhoria de infraestrutura. Juntas, essas áreas concentram 90% da área total embargada e 78% do valor total de multas aplicadas em APs da Amazônia Legal entre 2009 e 2011. Para combater o desmatamento nessas áreas, é preciso melhorar a fiscalização e a aplicação de penas, retirar ocupantes ilegais e provê-las dos instrumentos de gestão necessários.
A criação de Áreas Protegidas (AP) – Unidades de Conservação (UC) e Terras Indígenas (TI) – tem sido, em geral, eficaz contra o desmatamento na Amazônia brasileira, além de garantir os direitos das populações tradicionais e indígenas. Estima-se que o desmatamento na região tenha reduzido 37% como consequência da criação de 485 mil quilômetros quadrados de APs entre 2003 e 2006 [1]. Entretanto, algumas dessas áreas continuam sendo desmatadas por ocupantes ilegais.
Para ajudar a priorizar ações contra o desmatamento nas APs em 2012, publicamos a lista das 10 APs mais desmatadas entre 2009 e 2011 na Amazônia Legal [2].
Em 2013, as APs na região continuam sob pressão. Nesta publicação, destacamos aquelas que estavam sob mais forte pressão entre agosto de 2012 e março de 2013. Para identificar tais áreas, usamos dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon, que usa imagens de satélite para detectar mensalmente desmatamentos acima de 10 hectares (0,1 km²). A validade do uso do SAD para detectar as áreas mais pressionadas é corroborada pelo fato de que em 2012 o sistema identificou sete das 10 APs mais desmatadas segundo o Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes) (Apêndice). O Prodes é mais preciso, pois capta desmatamentos a partir de seis hectares (0,06 km²). Porém, sua divulgação ocorre geralmente quatro meses depois de julho, que é o fim do calendário de monitoramento do desmatamento [3].
Para entender os fatores que influenciam o desmatamento nas áreas com mais alertas do SAD, revisamos dados sobre as ameaças e vulnerabilidades. Um fator predominante de ameaça tem sido os investimentos em infraestrutura que estimulam imigração [4] e aumentam o potencial de ganhos com a agropecuária. Por isso, mapeamos as obras de infraestrutura em andamento e planejadas em torno das áreas com mais alertas de desmatamento.
Uma fiscalização eficiente pode neutralizar as ameaças externas. Para averiguar a eficiência da fiscalização, avaliamos a relação entre o esforço de fiscalização e as taxas de desmatamento nas APs mais desmatadas identificadas pelo SAD entre agosto de 2012 e março de 2013. Para tanto, coletamos dados dos números de multas e embargos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e as taxas de desmatamento medidas pelo Prodes para os anos de 2009 a 2011 para essas APs.
Além disso, revisamos a situação fundiária das áreas considerando que a existência de conflitos fundiários tem sido associada ao insucesso de algumas APs contra o desmatamento [5]. Finalmente, revisamos a situação dos planos de proteção e de gestão das APs. Concluímos o relatório com recomendações para garantir a integridade das áreas mais ameaçadas.
Entre agosto de 2012 e março de 2013, o SAD emitiu alertas de desmatamento para 49 das 660 APs na Amazônia Legal, ou o equivalente a 7% do total das áreas (Figura 1). Foram desmatados pelo menos 208 quilômetros quadrados, com supressão total da floresta e exposição do solo. As APs mais desmatadas localizam-se em três Estados amazônicos: Pará, Rondônia e Mato Grosso. No Pará, elas estão na área de influência das seguintes obras de infraestrutura: asfaltamento de um trecho da Transamazônica (BR-230); asfaltamento da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163); e construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte e de cinco hidrelétricas planejadas para a bacia do Tapajós (Figura 2). Em Rondônia, as áreas estão próximas à construção de duas hidrelétricas (Figura 3). Em Mato Grosso, duas TIs se destacam pelo desmatamento: uma na área de influência de hidrelétricas no rio Teles-Pires e de expansão da fronteira agrícola (Figura 2), e outra no nordeste do Estado, na área de influência do asfaltamento da rodovia BR-158 e também em área de expansão da fronteira agrícola (Figura 4). Como avaliaremos na seção seguinte, as obras de infraestrutura e problemas de gestão tornam essas áreas vulneráveis ao desmatamento.
Figura 1. Mapa do desmatamento na Amazônia, com destaque para as Áreas Protegidas mais desmatadas segundo o SAD, entre agosto de 2012 e março de 2013.
Figura 2. Áreas Protegidas mais desmatadas no Estado do Pará e no norte do Mato Grosso entre agosto de 2012 e março de 2013 (SAD).
Figura 3. Áreas Protegidas mais desmatadas no Estado de Rondônia entre agosto de 2012 e março de 2013 (SAD).
Figura 4. Desmatamento na TI Marãiwatsede (MT) entre agosto de 2012 e março de 2013 (SAD).
As 10 APs mais desmatadas concentraram 75% do desmatamento detectado pelo SAD no período analisado. Seis dessas áreas são de responsabilidade do governo federal e quatro, de governos estaduais. As Florestas Nacionais (Flonas) do Jamanxim, a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu e a Floresta Extrativista (Florex) Rio Preto-Jacundá ficaram no topo das mais desmatadas neste período (Figura 5).
Em geral, as áreas mais desmatadas enfrentam problemas persistentes, pois seis das 10 APs do ranking de 2012-2013 já haviam sido listadas como críticas em desmatamento entre 2009 e 2011, segundo dados do Prodes [6]. São elas: Flona do Jamanxim, Florex Rio Preto-Jacundá, as TIs Cachoeira Seca do Iriri, Apyterewa e Marãiwatsede e a Floresta Estadual de Rendimento Sustentado (FERS) Mutum.
Os dados do Prodes até julho de 2012 já indicavam uma mudança da tendência do desmatamento no total das 10 áreas identificadas pelo SAD até março de 2013. Depois de dois anos de queda entre 2009 e 2011, o Prodes de 2012 (agosto-2011 a julho-2012) revelou um aumento de 24% na taxa de desmatamento em relação ao ano anterior (Tabela 1). Entretanto, o Prodes revelou duas diferentes tendências do desmatamento em 2012 em relação ao período anterior: queda de 27% em cinco áreas e aumento de 96% em outras cinco (Tabela 1).
Figura 5. As 10 Áreas Protegidas mais desmatadas na Amazônia entre agosto de 2012 e março de 2013 (SAD).
Tabela 1. Desmatamento (km²) nas 10 Áreas Protegidas mais desmatadas na Amazônia entre 2009 e 2012 (Prodes).
Analisamos a fiscalização realizada pelo governo federal nas APs mais desmatadas e o seu efeito no desmatamento. Para isso, usamos dados dos embargos e multas aplicadas entre 2009 e 2011 em todas as APs da Amazônia Legal. Conforme dados do Ibama, nesse período houve embargo de áreas desmatadas ilegalmente em nove das 10 APs identificadas e multas aplicadas em quatro áreas.
Embargos
O Ibama embarga (paralisa total ou parcialmente) obras ou atividades localizadas ou desenvolvidas em áreas que sofreram crimes contra a flora, como desmatamento, queimada e exploração de madeira (com exceção das atividades de subsistência) [7]. As áreas são georreferenciadas e inseridas em uma lista disponível na internet [8]. Com base nessa lista, o Ibama pode multar qualquer pessoa física ou jurídica que venha a adquirir produtos oriundos dessas áreas [9]. Além da multa, a pessoa também pode responder a processo civil por contribuir para o dano ambiental [10] – que precisa ser reparado e/ou indenizado – e também a processo criminal por praticar crime ambiental [11].
Entre 2009 e 2011 o Ibama embargou 345 áreas, que somaram 333 quilômetros quadrados em APs da Amazônia Legal. Destes, 228 embargos e 298 quilômetros quadrados de área embargada ocorreram em nove das 10 APs mais desmatadas. Isto representa 66% do número total de embargos e 90% da área total embargada em APs da Amazônia Legal no período.
Dentre as APs mais desmatadas até março de 2013, a Flona do Jamanxim, a APA Triunfo do Xingu e a Flona de Altamira concentraram a maior quantidade de áreas em bargadas entre 2009 e 2011 (98%) (Figura 6). A Flona do Jamaxim se destaca ainda por concentrar 61% da área embargada em APs da Amazônia Legal entre 2009 e 2011.
Desde 2009 o Ibama e o Ministério Público Federal (MPF) têm utilizado a lista de áreas embargadas para responsabilizar as empresas que adquirem produtos oriundos de áreas ilegalmente desmatadas12. Ações contra frigoríficos no Pará, Acre e Mato Grosso levaram parte dos frigoríficos a se comprometerem a não comprar de áreas embargadas. No caso do Pará, a maioria dos frigoríficos se comprometeu a comprar somente de fazendas registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Estado a partir de fevereiro de 2010 [13].
Figura 6. Área embargada (km²) entre 2009 e 2011 nas Áreas Protegidas mais desmatadas na Amazônia entre agosto de 2012 e março de 2013 (SAD).
Multas
Entre 2009 e 2011, o Ibama aplicou 625 multas por infrações ambientais [14] em APs da Amazônia Legal, que somaram R$ 464,5 milhões. Destas, 175 multas (R$ 361 milhões) ocorreram em quatro das 10 APs mais desmatadas segundo o SAD entre agosto de 2012 e março de 2013. Isto representa 28% do número total de autos de infração e 78% do valor total de multas aplicadas em APs da Amazônia Legal nesses três anos. A APA Triunfo do Xingu e a TI Marãiwatsede concentraram o maior número de multas (57 e 76, respectivamente) e os maiores valores de multa (Figura 7).
Figura 7. Valor de multas aplicadas entre 2009 e 2011 nas Áreas Protegidas mais desmatadas na Amazônia entre agosto de 2012 e março de 2013 (SAD).
Os resultados da fiscalização
O esforço de fiscalização nas APs mais desmatadas tem sido parcialmente bem sucedido. Entre 2009 e 2012, o desmatamento medido pelo Prodes nessas áreas caiu 32%, enquanto em toda a região amazônica caiu 38%. O desmatamento caiu nas áreas onde a fiscalização foi maior. Nas APs que tiveram maior área embargada, além de multas aplicadas, o desmatamento caiu 68% entre 2009 e 2012 (Figura 8). Enquanto que nas APs que tiveram poucas áreas embargadas e nenhuma multa, o desmatamento subiu 149% no mesmo período (Figura 9).
Figura 8. Relação entre desmatamento (Prodes), embargos e multas aplicadas em quatro das Áreas Protegidas mais desmatadas na Amazônia entre agosto de 2012 e março de 2013 (SAD).
Figura 9. Relação entre desmatamento (Prodes) e área embargada em seis das Áreas Protegidas mais desmatadas na Amazônia entre agosto de 2012 e março de 2013 (SAD).
Apesar da queda verificada em algumas APs, a continuação do desmatamento depois da emissão de pesadas multas e de embargos indica que tais instrumentos têm efeitos limitados. A eficácia das multas é enfraquecida pela baixa arrecadação, que nacionalmente chega a menos de 1% do valor emitido [15]. Ademais, o monitoramento das áreas embargadas também é falho. Geralmente, o Ibama só retorna às áreas embargadas depois de denúncias de que estas continuam sendo utilizadas [16]. Além disso, a fiscalização realizada pelos órgãos estaduais de meio ambiente é deficiente. O Pará não possui fiscais responsáveis especificamente por UCs estaduais e Rondônia não soube informar um número [17].
Ao mesmo tempo, alguns frigoríficos continuam comprando impunemente de áreas embargadas seja porque não assinaram acordos com o Ministério Público, seja porque o Ibama e órgãos ambientais estaduais não fiscalizam todas as empresas. Por exemplo, um informante revelou que frigoríficos do Mato Grosso continuam comprando do oeste do Pará sem exigir o CAR. Finalmente, as ações de controle sobre os frigoríficos atingem apenas fazendas de engorda de gado que vendem diretamente para os frigoríficos. As fazendas especializadas em cria de bezerros podem vendê-los para as fazendas de engorda, que depois vendem o gado gordo aos frigoríficos. Isso é possível porque inexiste o rastreamento do gado em todo o seu ciclo de vida – da cria até o boi gordo.
Além das falhas da fiscalização, as APs mais desmatadas entre agosto de 2012 e março de 2013 estão vulneráveis por estarem na área de influência de obras de infraestrutura e devido à falta de outras ações fundamentais: a regularização fundiária e a preparação e execução de planos de gestão.
O desmatamento ilegal nas APs críticas é geralmente realizado por ocupantes ilegais e eventualmente por ocupantes que têm algum direito sobre a terra. A efetiva proteção ambiental dessas áreas requer que os órgãos públicos resolvam as disputas fundiárias [18]. Para tanto, será necessário remover os ocupantes ilegais e fazer acordos com proprietários legítimos (seja para sua indenização e remoção ou para redefinir os limites das áreas) no caso das UCs. No caso das TIs, de acordo com a Constituição, a única alternativa é a desocupação de populações não indígenas.
Até recentemente havia ocupantes ilegais em todas as APs mais desmatadas segundo o SAD. As TIs Apyterewa e Marãiwatsede são as únicas com processo de retirada de ocupantes ilegais, depois de aproximadamente 25 e 20 anos de disputas, respectivamente. Esta demora ocasionou grandes danos ambientais. Por exemplo, a TI Marãiwatsede perdeu 60% de sua floresta (Ver Figura 4). A desintrusão da TI Apyterewa já devia estar concluída como parte das condicionantes da UHE de Belo Monte [19]. O longo processo de demarcação das TIs também contribui para o agravamento dos conflitos fundiários e dos danos ambientais. A TI Kayabi foi homologada em abril de 2013, depois de 14 anos de sua identificação. Ao longo desses anos, a agropecuária e a atividade garimpeira vêm reduzindo a cobertura florestal dessa TI [20]. A TI Cachoeira Seca do Iriri ainda aguarda homologação. Identificada há 23 anos, esta TI também apresenta problemas fundiários; há inclusive um assentamento realizado pelo Incra em seu interior [21]. A desintrusão dessa TI também é uma das condicionantes não concluídas da UHE de Belo Monte [22].
Entre as UCs, a Florex Rio Preto-Jacundá e a Flona de Altamira se destacam por apresentarem ocupações ilegais e desmatamento crescente (Ver Tabela 1). A Florex não é reconhecida pelo Governo de Rondônia, que afirma que a criação da Resex Rio Preto-Jacundá – com 9% da área da Florex – a teria substituído [23]. Tal argumento não tem amparo legal, pois não existe lei específica desafetando a Florex [24], mas justifica sua intensa ocupação.
A Flona de Altamira passou por redefinição de limites em meados de 2012. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) reinterpretou as coordenadas geográficas do decreto de criação da Flona [25] e retirou cerca de 365 quilômetros quadrados da UC, sua parte mais antropizada. Contudo, essa redefinição de limites pode ter estimulado uma nova ocupação da UC na esperança de provocar outra redefinição de limites no futuro.
Desde 2009, governos estaduais e federal têm recorrido à alteração de limites de UCs e até mesmo a sua desafetação total para viabilizar obras de infraestrutura e regularizar ocupações ilegais. Em Rondônia, os governos federal e estadual reduziram e extinguiram UCs para facilitar a construção de hidrelétricas e para legalizar ocupações irregulares [26]. Em 2012, o governo federal reduziu cinco UCs impactadas por hidrelétricas em construção no rio Madeira e planejadas na bacia do Tapajós, além de duas UCs com assentamentos ilegais [27]. O governo prometeu compensar essas reduções com a criação de uma UC, mas ainda não o fez [28]. Contraditoriamente, parte das áreas alteradas em Rondônia e no Pará havia sido criada para mitigar o impacto de outras obras de infraestrutura [29]. Essas atitudes estimulam os ocupantes de UCs a continuarem pressionando para a redução dos seus limites ou do grau de proteção [30].
Faltam planos abrangentes para resolver definitivamente a situação fundiária de muitas APs. O ICMBio apresentou ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) um Plano Nacional de Regularização Fundiária para Unidades de Conservação Federais. Falta o MMA aprová-lo para, então, submetê-lo à aprovação da Presidência da República.
Além do problema fundiário, a falta de planos de manejo impede que as UCs contribuam para o desenvolvimento sustentável local por meio de atividades como turismo e manejo florestal. Apenas duas das seis UCs identificadas neste estudo possuem planos de manejo: Flonas do Jamanxim e de Altamira, aprovados respectivamente em 2011 [31] e 2012 [32]. Geralmente, o governo alega não ter recursos para dotá-las de infraestrutura e dos instrumentos de gestão, mas os recursos advindos da compensação ambiental poderiam ser utilizados para esse fim [33]. A urgência na elaboração de planos de manejo é ainda maior nas categorias de UC em que a lei permite a existência de propriedade privada em seu interior, como nas APAs Triunfo do Xingu (PA) e do Rio Pardo (RO), que precisam de regras claras para restringir sua ocupação.
A gestão das TIs também é precária, pois não possuem planos de gestão territorial e ambiental para garantir a conservação da natureza e os modos de vida das populações indígenas [34]. Promessas recentes do governo federal geraram a expectativa de soluções para algumas das TIs mais desmatadas. Em 19 de abril de 2013, os Ministérios da Justiça e do Meio Ambiente criaram o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI) [35]. O MMA comprometeu-se a investir R$ 4 milhões na elaboração de 10 planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) até 2014, priorizando áreas em conflito [36].
Apesar dos avanços, o desmatamento continua na Amazônia inclusive em APs. As APs mais desmatadas entre agosto de 2012 e março de 2013 sofrem ameaças e vulnerabilidades similares. As ameaças decorrem da expansão ou melhoria de infraestrutura que atrai imigrantes e que tornam o desmatamento mais atrativo economicamente. A previsão de grandes investimentos na região para os próximos anos indica que essas ameaças tendem a se agravar. Por exemplo, somente para a geração de hidroeletricidade na região estão previstos R$ 96 bilhões até 2020 [37]. Este quadro é agravado pela existência de ocupantes ilegais em todas as áreas. A fiscalização escassa e falha, a redução da proteção legal de algumas APs, a gestão deficiente dessas áreas e a falta de planos de manejo no caso das UCs tornam as áreas muito vulneráveis.
A continuação do desmatamento nas APs valida as críticas contra os investimentos em infraestrutura e no agronegócio na Amazônia. A destruição das florestas mostra que os governos e atores envolvidos (produtores rurais, construtoras, frigoríficos, comerciantes de grãos e bancos) estão despreparados ou desinteressados em mitigar os impactos negativos de seus investimentos nas APs. Como exemplo recente citamos a postura do Ibama diante do inadimplemento de condicionantes da construção da UHE de Belo Monte. O instituto expediu uma notificação ao consórcio construtor sem previsão de qualquer sanção, seja multa ou paralisação das obras [38]. Se os governos e empresas quiserem demonstrar que suas promessas de responsabilidade socioambiental são críveis, muitas mudanças são necessárias. Abaixo destacamos as principais recomendações para garantir a integridade e uso sustentável das APs.
• Remover ocupantes ilegais e evitar a redução do tamanho ou do grau de proteção de APs para legalizar os ocupantes ilegais. Ceder às pressões destes ocupantes beneficia quem apostou na apropriação ilegal de terras públicas. As áreas já ocupadas e mal utilizadas na Amazônia fora de APs seriam suficientes para atender às demandas de produção de alimento [39]. A regularização fundiária deveria preferencialmente preceder o licenciamento e execução das obras de infraestrutura. No caso de obras já em andamento, a regularização deve ser priorizada independentemente de desembolsos de compensação ambiental.
• Reforçar imediatamente a aplicação das penas ambientais, especialmente por meio do confisco de bens associados aos crimes ambientais como gado, madeira e grãos. As penas devem ser aplicadas tanto contra os executores diretos dos crimes (ocupantes das áreas) como contra empresas que compram estes produtos (como frigoríficos e comerciantes de grãos) de áreas embargadas. No médio prazo, é essencial que os frigoríficos estabeleçam o rastreamento do gado em todo seu ciclo de vida para evitar comprar de áreas ilegais.
• Promover o uso sustentável das UCs para ajudar no desenvolvimento local sustentável. Para tanto, é essencial concluir e executar seus planos de manejo.
• Elaborar prioritariamente os planos de gestão territorial e ambiental das TIs mais desmatadas para garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável de seus recursos naturais.
Áreas Protegidas mais desmatadas no período 2011-2012 segundo o SAD e o Prodes
Para o período 2011-2012, o SAD foi um bom preditor de APs críticas em desmatamento: previu sete das 10 APs críticas apontadas pelos dados do Prodes (Figura 1).
Figura 1. Áreas Protegidas mais desmatadas na Amazônia segundo o Prodes e o SAD no período 2011-2012.
Notas
1 Soares-Filho, B. et al. 2010. Role of Brazilian Amazon protected areas in climate change mitigation. PNAS 2010. Publicado antes da impressão, 26 de maio.
2 Martins, H. et al. 2012. Áreas Protegidas Críticas na Amazônia Legal. Disponível em: <http://bit.ly/OrcZHg>.
3 O calendário de monitoramento do desmatamento vai de agosto a julho. Então, quando falamos de desmatamento em um determinado ano, estamos nos referindo ao desmatamento detectado entre agosto do ano anterior e julho do ano de referência.
4 Barreto, P. et al. 2011. Risco de Desmatamento Associado à Hidrelétrica de Belo Monte (p. 98). Belém-PA: Imazon. Disponível em: <http://bit.ly/1b46r7K>.
5 Nolte et al. 2013. Setting priorities to avoid deforestation in Amazon protected areas: are we choosing the right indicators? Environmental Research Letters.
6 Idem nota 2.
7 Art. 16 do Decreto n° 6.514 de 22/07/2008.
8 Ver <http://servicos.ibama.gov.br/ctf/publico/areasembargadas/ConsultaPublicaAreasEmbargadas.php>.
9 A multa é de R$ 500,00 por quilograma ou unidade. Ver art. 54 do Decreto n° 6.514 de 22/07/2008.
10 Art. 1º da Lei n° 7.347 de 24/07/1985, Lei da Ação Civil Pública.
11 Art. 50 da Lei n° 9.605 de 12/02/1998, Lei de Crimes Ambientais.
12 Um exemplo é a campanha contra a carne ilegal. Veja o histórico das ações realizadas em: <http://www.carnelegal.mpf.gov.br>.
13 Veja exemplo do Termo de Ajuste de Conduta assinado pelos frigoríficos no Pará em: <http://bit.ly/10sIulV>. Acesso em: 4 mar. 2011.
14 A maioria (55%) das infrações ambientais era relacionada a danos a flora e a Unidades de Conservação. O desmatamento, queimada e impedimento de regeneração compunham 91% do valor total de multas aplicadas em Áreas Protegidas entre 2009 e 2011.
15 Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) nº 482/2012 – Plenário sobre arrecadação de multas administrativas aplicadas por órgãos e entidades reguladoras federais.
16 Veja notícia sobre fiscalização precária: Mercado, governo e produtores não se entendem em relação à legislação florestal. Notícia de 27/04/2009. Disponível em: <http://bit.ly/15EauXm>. Acesso em: 26 mar. 2013.
17 Comunicação pessoal com o consultor Marcelo Marquesini em 22 mai. 2013.
18 Idem nota 5.
19 Veja as condicionantes da UHE de Belo Monte do componente indígena no site da Funai: <http://bit.ly/18MK8a4>. Acesso em: 31 mai. 2012.
20 Informação fornecida via telefone pela Funai, Coordenação Regional de Colíder, em 28 mai. 2013.
21 Requerimento n° 61/2013 do Deputado Padre Ton (PT-RO) à Presidência da República sugerindo priorizar a demarcação da TI Cachoeira Seca do Iriri. Disponível em: <http://bit.ly/15pwoh3>. Acesso em: 31 mai. 2012.
22 Idem nota 19.
23 Idem nota 2.
24 Art. 22, §7º da Lei n° 9.985 de 18/07/2000, Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc).
25 Segundo Francisco Damião de Araújo, gestor da Flona de Altamira, a Coordenação de Regularização Fundiária do ICMBio decidiu adequar os limites da Flona porque existia uma dúbia interpretação do seu decreto de criação. Essa revisão do decreto teria sido uma solicitação do Grupo de Trabalho do Conselho Consultivo da Flona. Informação fornecida por email em 26 out. 2012.
26 Araújo, E., & Barreto, P. 2010. Ameaças formais contra as Áreas Protegidas na Amazônia. O Estado da Amazônia, 16, 6. Belém-PA: Imazon. Disponível em: <http://bit.ly/PqcNJT>; e Araújo, E. et al. 2012. Redução de Áreas Protegidas para a Produção de Energia. Belém-PA: Imazon, 14p. Disponível em: <http://bit.ly/Ri-MHVd>.
27 Lei Federal nº 12.678 de 25/06/2012.
28 O ICMBio e o MMA propuseram a criação da Estação Ecológica Maués, uma área de 663.517 hectares, representativa do bioma Amazônia, localizada no interflúvio Tapajós-Madeira. Informação obtida com a Coordenação do Programa de Criação de Unidades de Conservação do ICMBio em 8 fev. 2012.
29 Em Rondônia, várias das UCs reduzidas ou extintas foram criadas pelo Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia (Planafloro), que tinha entre seus objetivos a interrupção do processo de desmatamento predatório das florestas, sobretudo como resultado do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (Polonoroeste). Ver: Araújo, Paulo Fernando Cidade de. 2004. Uma Visão Macroeconômica do Planafloro. In: XLII Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (Sober), 2004, Cuiabá-MT. Disponível em: <http://bit.ly/10pNoUo>. Acesso em: 22 mai. 2013. No Pará, algumas das UCs reduzidas foram criadas pelo Plano BR-163 Sustentável, que visava mitigar os impactos sociais e ambientais negativos resultantes do projeto de pavimentação da BR-163. Ver: Silva et al. 2008. Plano BR-163 Sustentável: uma avaliação das ações públicas implementadas no sudoeste paraense. Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://bit.ly/12yzsp3>.
30 Idem nota 2.
31 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Portaria nº 14 de 24/02/2011, publicada no Diário Oficial da União de 25/02/2011.
32 ICMBio, Portaria nº 133 de 10/12/2012, publicada no Diário Oficial da União de 11/12/2012.
33 Pinto, I. C. et al. 2013. Compensação ambiental: oportunidades para a consolidação das Unidades de Conservação do Pará (p. 53). Belém-PA: Imazon. Disponível em: <http://bit.ly/1b8ZRNA>.
34 O Decreto n° 7.747 de 05/06/2012 instituiu a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas e estabeleceu o etnozoneamento como seu principal instrumento.
35 Portaria Interministerial nº 117 de 22/04/2013, publicada no Diário Oficial da União de 23/04/2013, Seção 1, p. 102. Disponível em: <http://bit.ly/197ULmv>.
36 Ver notícia do MMA de 19/04/2013. Garantias aos povos indígenas. Disponível em: <http://bit.ly/11CrsEA>. Acesso em: 24 abr. 2013.
37 MME. Ministério de Minas e Energia & RPE. Empresa de Pesquisa Energética. 2011. Plano Decenal de Expansão de Energia 2020. Brasília-DF: MME/EPE.
38 Ofício do Ibama nº 02001.001532/2013-11 de 29/01/2013. Notificação da Norte Energia. Disponível em: <http://bit.ly/12sztfC>. Acesso em: 14 mai. 2013.
39 Barreto, P. & Silva, D. 2013. Como desenvolver a economia rural sem desmatar a Amazônia? Belém-PA: Imazon. Disponível em: <http://bit.ly/14DeiZ5>.
This post was published on 27 de janeiro de 2015
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