Áreas Protegidas são instrumentos eficazes para resguardar a integridade dos ecossistemas, a biodiversidade e os serviços ambientais associados, tais como a conservação do solo e proteção das bacias hidrográficas, a polinização, a reciclagem de nutrientes e o equilíbrio climático, entre outros. A criação e a implementação das Áreas Protegidas também contribui para assegurar o direito de permanência e a cultura de populações tradicionais e povos indígenas previamente existentes.
Em dezembro de 2010, as Áreas Protegidas na Amazônia Legal somavam 2.197.485 quilômetros quadrados (km2), ou 43,9% da região, ou ainda 25,8% do território brasileiro. Desse total, as Unidades de Conservação (federais e estaduais) correspondiam a 22,2% do território amazônico enquanto as Terras Indígenas homologadas, declaradas e identificadas abrangiam 21,7% da mesma região.
As Unidades de Conservação podem ser classificadas quanto à gestão (federal, estadual ou municipal) e quanto ao grau de intervenção permitido (Proteção Integral ou Uso Sustentável). Até 2010, só as Unidades de Conservação federais na Amazônia Legal somavam 610.510 km2, enquanto as estaduais ocupavam 563.748 km2. Com relação às Unidades de Conservação de Uso Sustentável – onde são permitidas atividades econômicas sob regime de manejo e comunidades residentes – até dezembro de 2010 correspondiam a 62,2% das áreas ocupadas por UCs (federais mais estaduais), enquanto as de Proteção Integral totalizavam 37,8%.
A criação das Unidades de Conservação ocorreu de forma mais intensa entre 2003 e 2006, quando foram estabelecidos 487.118 km2 dessas áreas. No caso das Terras Indígenas, houve dois períodos com maior número de homologações: 1990/1994, com 85 novas unidades somando 316.186 km2, e 1995/1998, também com 85 novas unidades, que totalizavam 314.061 km2.
Apesar dos avanços notáveis na criação de Áreas Protegidas, ainda há muitos desafios para garantir sua consolidação e a proteção socioambiental efetiva. No caso das Unidades de Conservação, a metade (50%) não possui plano de manejo aprovado e grande parte (45%) não conta com conselho gestor. Além disso, o número de funcionários alocados nessas Unidades é muito reduzido, com a média de apenas 1 pessoa para cada 1.871,7 km2.
As Áreas Protegidas não estão imunes aos impactos humanos. Em uma década – entre 1998 e 2009 – o desmatamento nessas áreas alcançou 12.204 km2, o que corresponde a 47,4% do desmatamento acumulado até 2009 dentro de Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Nas Unidades de Conservação de Uso Sustentável (excluídas as APAs), o porcentual de território desmatado chegava a 3,7% (em igual período), enquanto nas Unidades de Conservação de Proteção Integral, essa proporção era menor (2,1%). Já as Terras Indígenas apresentavam 1,5% do total de suas áreas desmatado.
Além disso, uma vasta rede de estradas ilegais avança sobre as Áreas Protegidas, especialmente sobre as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, onde há 17,7 km de estradas a cada 1.000 km2 sob proteção. Boa parte dessas vias está associada à exploração madeireira ilegal, principalmente no Pará e Mato Grosso.
Para o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Instituto Socioambiental (ISA), a consolidação das Áreas Protegidas deveria ocorrer por meio das seguintes ações prioritárias:
coibir usos e ocupações irregulares, bem como o desmatamento e a degradação associados;
ampliar as fontes de financiamento e assegurar mecanismos para a transferência efetiva dos recursos (a exemplo do Fundo Nacional de Compensação Ambiental)[1] não apenas aos órgãosgestores, mas também de forma a fortalecer iniciativas sustentáveis e cadeias produtivas que utilizem saberes tradicionais das comunidades envolvidas;
garantir a proteção legal, evitando medidas de desafetação indevidas e que não correspondam ao propósito maior de conservação e respeito à diversidade socioambiental, no caso das Unidades de Conservação;
aprimorar a gestão pública, alocando mais gestores qualificados para atuação direta em campo, elaborando os instrumentos de gestão pertinentes e realizando sua implementação de forma participativa;
ampliar e fortalecer os conselhos gestores nas Unidades de Conservação e garantir a participação da população nas Terras Indígenas;
assumir o desafio de consolidar verdadeiros planos de gestão territorial para as áreas protegidas, os quais também devem incluir uma agenda ambiental nas Terras Indígenas e, finalmente;
concluir o processo de reconhecimento das Terras Indígenas.
Este documento resume a situação das Áreas Protegidas na Amazônia e analisa indicadores e dados relacionados à criação de Unidades de Conservação e Terras Indígenas, com ênfase na sua gestão e nas ameaças a que estão submetidas. Além disso, o nosso objetivo também é salientar a importância de se assegurar a integridade das Áreas Protegidas, de modo a conservar seus ecossistemas, a biodiversidade e os serviços ambientais associados, e proteger sua sociodiversidade.
[1] Esse fundo recebe os montantes oriundos da aplicação do mecanismo da Compensação Ambiental, destinados a investimentos na criação e consolidação de Áreas Protegidas.
A criação e a manutenção de Áreas Protegidas – Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs) – é uma das estratégias mais eficazes para a conservação dos recursos naturais na Amazônia. Originalmente, somente as UCs eram consideradas Áreas Protegidas. Porém, a partir de 2006, o Plano Nacional de Áreas Protegidas (PNAP) incluiu neste conceito as TIs e os Territórios Quilombolas (Decreto n.º 5.758/2006), pois ambos também abrangem “áreas naturais definidas geograficamente, regulamentadas, administradas e/ou manejadas com objetivos de conservação e uso sustentável da biodiversidade” (PNAP, 2006). Além de serem essenciais para a sobrevivência e a manutenção da cultura das populações indígenas e quilombolas, essas áreas ainda contribuem para a conservação dos ecossistemas e de sua biodiversidade.
As UCs são áreas instituídas e geridas pelo poder público federal, estadual ou municipal. De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC – Lei nº 9.985/2000), são definidas como “espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”. As UCs podem ser classificadas em dois grupos: de Proteção Integral e de Uso Sustentável. Por sua vez, cada grupo é subclassificado em diversas categorias, de acordo com o grau e o tipo de restrição de uso.
As Unidades de Proteção Integral são aquelas destinadas à preservação da biodiversidade, sendo permitida somente a pesquisa científica e, em alguns casos, o turismo e atividades de educação ambiental, desde que haja prévia autorização do órgão responsável. Não envolve consumo, coleta, extração de produtos madeireiros ou minerais e não é permitida a permanência de populações – tradicionais ou não – em seu interior, com exceção dos Monumentos Naturais e Refúgios da Vida Silvestre. Na definição do SNUC, proteção integral é a “manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais”. As categorias deste grupo são: Estação Ecológica (Esec), Reserva Biológica (Rebio), Parque Nacional/Estadual (Parna/PES), Monumento Natural (Monat) e Refúgio de Vida Silvestre (RVS).
As UCs de Uso Sustentável são aquelas destinadas tanto à conservação da biodiversidade como à extração racional dos recursos naturais. Nessas Unidades são permitidos o turismo, a educação ambiental e a extração de produtos florestais madeireiros e não madeireiros, com base no manejo sustentável e de acordo com o plano de manejo da unidade. As populações denominadas tradicionais podem permanecer em seu interior, desde que realizem atividades sob regime de manejo, “de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável” (SNUC, 2002). As categorias deste grupo são: Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Floresta Nacional/Estadual (Flona/Flota), Reserva Extrativista (Resex), Reserva da Fauna (RF), Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).
As Terras Indígenas são territórios da União onde os indígenas têm direito à posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, de acordo com a Constituição Federal de 1988. O poder público, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), é obrigado a promover o seu reconhecimento, o que é feito em diversas etapas. As TIs consideradas no âmbito desta publicação incluem aquelas em identificação, com restrição de uso a não índios, identificadas, declaradas, reservadas e homologadas até dezembro de 2010. Na Amazônia brasileira há 414 TIs, somando 1.086.950 km2, com o objetivo de proteger não apenas a imensa diversidade sociocultural da região, como a riqueza do conhecimento e dos usos tradicionais que os povos indígenas fazem dos ecossistemas e da biodiversidade. Atualmente, habitam a região 173 diferentes povos indígenas e existem indícios de aproximadamente 46 outros grupos não contatados. A população indígena amazônica soma cerca de 450 mil índios, que falam mais de 150 idiomas diferentes (Rodriguez, 2006; Ricardo & Ricardo, 2006).
Os Territórios Quilombolas não serão abordados neste documento. O Incra registra 104 Territórios Quilombolas reconhecidos até agosto de 2010. Eles somam cerca de 9.700 km2 (0,2% da Amazônia) e abrangem 183 comunidades, onde reside uma população estimada em 11.500 famílias (Incra, 2010). Existem, no entanto, muitas comunidades quilombolas ainda não reconhecidas como tal e sem áreas com limites definidos, especialmente na porção oriental da Amazônia.
Apesar de também terem “uma identidade, uma história partilhada, uma memória e um território” (Esterci, 2005), outras populações tradicionais não foram aqui destacadas, senão enquanto comunidades inseridas em UCs de Uso Sustentável. Isso porque o objetivo desta publicação é avaliar a situação das Áreas Protegidas da Amazônia Legal, especificamente quanto aos avanços na sua criação e manutenção, a situação da gestão e a pressão de atividades predatórias em seu interior ou seu entorno (quadro 1).
Cabe ressaltar, no entanto, que a diversidade sociocultural da Amazônia é parte de seu rico patrimônio, assim como a diversidade biológica. O conhecimento tradicional acumulado pelas populações locais – de ribeirinhos, seringueiros, piabeiros, coletores de castanha e demais extrativistas – pode servir de base para o estabelecimento de regras eficazes de manejo e proteção dos recursos naturais.
A Amazônia pode ser entendida como um todo muito mais complexo, contendo ampla diversidade étnica associada a uma superlativa biodiversidade, com estimativa de milhões de espécies de animais e plantas, além de milhões de interações das espécies entre si e com o ambiente. Na região, há registros de mais de 40 mil plantas vasculares (30 mil endêmicas ou exclusivas do bioma); 397 espécies de mamíferos (230 endêmicas) (Paglia et al, no prelo); 1.300 espécies de aves (263 endêmicas); 378 espécies de répteis (216 endêmicas); 427 espécies de anfíbios (364 endêmicas) e 9 mil espécies de peixes de água doce (Rylands et al., 2002), sem contar 1,8 mil espécies de borboletas, mais de 3 mil de formigas, aproximadamente 2,5 mil de abelhas e cerca de 500 espécies de aranhas (Overall, 2001).
Quadro 1. Itens de Avaliação das Áreas Protegidas da Amazônia Legal
A Amazônia apresenta a maior diversidade de espécies de mamíferos entre os biomas brasileiros. Das 397 espécies de mamíferos amazônicos, a maioria (58%) não ocorre em nenhum outro bioma brasileiro. É a mais alta proporção de endemismo entre os biomas terrestres do Brasil (Paglia et al, no prelo). A Amazônia também é o bioma brasileiro com mais alta diversidade de espécies de lagartos (109) e de serpentes (138) (Rodrigues, 2005).
Soma-se ao alto índice de endemismos e alto número de espécies a alta diversidade de ecossistemas no vasto território amazônico. É preciso considerar a fragilidade dessa intrincada rede de relações das espécies entre si e com o ambiente, configurada em múltiplos arranjos de vegetação e de hábitats, de cujo equilíbrio depende o clima, a qualidade da água, o solo, a reciclagem de nutrientes e demais serviços ambientais.
Mesmo em áreas não atingidas pelo corte raso das árvores, por exemplo, a abertura de trilhas torna a floresta mais suscetível a incêndios e a circulação de pessoas pode disseminar parasitas ou doenças, como o fungo responsável pelo declínio dos anfíbios (Batrachochytrium dendrobatidis), já detectado em países vizinhos (Young, 2004). E quando descemos ao universo dos invertebrados, pequenas alterações podem levar a grandes desequilíbrios, imperceptíveis aos olhares leigos. Em trechos de floresta sob pressão de fragmentação, a tendência é mudar rapidamente a abundância, riqueza de espécies e composição dos besouros responsáveis pela decomposição da matéria orgânica, levando a drásticas alterações na reciclagem de nutrientes (Klein, 1989). Como consequência, mudam os padrões de dispersão de sementes e o potencial de manutenção ou regeneração da mata (Andresen, 2003). Sem contar o rápido incremento na quantidade e na atividade das formigas cortadeiras, com severos impactos sobre a estrutura da vegetação (Freitas et al., 2005).
O processo de ocupação da Amazônia Legal tem sido marcado pelo desmatamento, pela degradação dos recursos naturais e por conflitos sociais. Em pouco mais de três décadas de ocupação, o desmatamento atingiu cerca de 18% do território. Além disso, extensas áreas de florestas sofreram degradação pela atividade madeireira predatória e incêndios florestais. Como qualquer ecossistema, a Amazônia tem um ponto limite (threshold) além do qual não será possível recuperála. Muitos cientistas temem que a floresta amazônica inicie um processo irreversível em direção a savanas se o desmatamento atingir 40% do território. As implicações dessa transformação para o aquecimento global, ciclos hidrológicos e biodiversidade seriam catastróficas.
Com o início do século XXI, está cada vez mais evidente que a Amazônia precisa de um modelo de desenvolvimento regional que seja capaz de conciliar crescimento econômico, qualidade de vida e conservação dos recursos naturais. Embora a adoção desse modelo seja um enorme desafio, dois fatores oferecem grande oportunidade para que isso ocorra ao longo da próxima década. O primeiro fator é a importância estratégica dos recursos naturais da região para o Brasil e para o mundo em termos de regulação do clima e diversidade biológica. Segundo, a região tem riquezas superlativas com valor crescente na economia, o que inclui desde os produtos da floresta e da biodiversidade até o vasto potencial hidrelétrico dos seus rios e os ricos depósitos minerais.
Adalberto Veríssimo, Alicia Rolla, Maria Beatriz Ribeiro e Rodney Salomão
As Unidades de Conservação e os Territórios de Ocupação Tradicional (Terras Indígenas ou Territórios Remanescentes de Quilombo) são os grupos de Áreas Protegidas incluídos no PNAP, criado em 2006[2] (Brasil, 2006A) em decorrência dos compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)[3] e da Política Nacional da Biodiversidade (PNB) de 2002. O intuito do PNAP é orientar as ações para o estabelecimento de um sistema abrangente de Áreas Protegidas, ecologicamente representativo e efetivamente manejado, integrando áreas terrestres e marinhas, até 2015.
[2] O Decreto Federal nº 5.758/2006 criou o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas.
[3] A Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) estabelece normas e princípios que devem reger o uso e a proteção da diversidade biológica em cada país signatário. Em linhas gerais, a CDB propõe regras para assegurar a conservação da biodiversidade, o seu uso sustentável e a justa repartição dos benefícios provenientes do uso econômico dos recursos genéticos.
Figura 1. Áreas Protegidas na Amazônia Legal em dezembro de 2010.
Descontada a sobreposição entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação (63.606 km2), verifica-se que 43,9% do território da Amazônia Legal, isto é, 2.197.485 km2, estão inseridos em Áreas Protegidas. As Unidades de Conservação da Amazônia Legal criadas até dezembro de 2010 somam 1.110.652 km2, o que representa 22,2% do território da Amazônia Legal[4]. As Terras Indígenas somam 1.086.950 km2 ou 21,7% da mesma região (figura 1).
Apesar de os Territórios Quilombolas serem considerados no PNAP como Áreas Protegidas e as Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN) serem uma categoria de UC, as informações sobre essas áreas não integram nossas análises, em virtude da dificuldade em se obter dados e mapas digitais atualizados das mesmas. Segundo dados do Incra, até agosto de 2010 existiam 9.700 km2 de territórios quilombolas reconhecidos e, segundo o Ibama, em dezembro de 2010 existiam 1.964 km2 de RPPNs constituídas.
Há vários casos de sobreposição de áreas de Unidades de Conservação com Terras Indígenas ou com outras Unidades de Conservação federais e/ou estaduais. A maior parte das sobreposições é anterior à regulamentação do SNUC e é resultado tanto da insuficiência de informações sobre as áreas previamente definidas quanto da demora no processo de reconhecimento das TIs. Em outros casos mais recentes, como no Parque Nacional (Parna) do Monte Roraima (RR), sobreposto à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a solução adotada pelo poder público foi dupla-afetação, ou seja, cabe ao ICMBio juntamente com a Funai a gestão da área sobreposta. A forma como as sobreposições foram equacionadas para a apresentação de resultados estão identificadas por notas nas tabelas apresentadas.
[4] Consideradas as áreas definidas pelos documentos oficiais de criação das Áreas Protegidas, descontadas as unidades de área fora do perímetro da Amazônia Legal, as áreas oceânicas e as sobreposições entre UCs e com TIs.
Tabela 1. Proporção dos estados da Amazônia Legal brasileira ocupada por Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
Em dezembro de 2010, o Estado do Amazonas possuía a maior extensão de Áreas Protegidas da Amazônia, com 798.808 km2 de Unidades de Conservação e Terras Indígenas, seguido pelo Pará, com 686.384 km2. Em termos relativos, o Amapá possuía a maior proporção de Áreas Protegidas (70,4%), seguido por Roraima, com 58,2%, e Pará, com 55% do território protegido. Por outro lado, os Estados com a menor proporção de Áreas Protegidas eram o Mato Grosso (19,8 %) e o Tocantins (21,4%) (tabela 1).
Roraima é o estado com maior proporção de TIs (46,3%) e o Amapá com maior proporção de UCs (62,1%). Já os estados do Amapá, Maranhão e Tocantins têm as menores porções de seus territórios amazônicos protegidos como Terras Indígenas, respectivamente 8,3%, 8,7% e 9,2%, enquanto o Mato Grosso tem a menor área alocada em UCs (4,6%).
Até dezembro de 2010, havia na Amazônia Legal 307 Unidades de Conservação, totalizando 1.174.258 km2, o que corresponde a 23,5%[5] desse território (fi g u r a 2). Desse total, 196 eram de Uso Sustentável e 111 de Proteção Integral, administradas tanto pelo governo federal (132) como pelos governos estaduais (175)[6]. As Unidades Federais contabilizavam 610.510 km2, sendo 314.036 km2 de Proteção Integral e 296.474 km2 de Uso Sustentável. As Unidades Estaduais somavam 563.748 km2: 129.952 km2 de Proteção Integral e 433.796 km2 de Uso Sustentável (tabela 2).
Figura 2. Unidades de Conservação na Amazônia Legal até dezembro de 2010.
[5] Aqui trata-se especificamente das Unidades de Conservação e não foram excluídas as sobreposições com Terras Indígenas, por isso a porcentagem relativa à região amazônica é 23,5% e não 22,2%, como citado no capítulo III.
[6] Não foi computada a Flota do Rio Pardo, criada em Rondônia dentro da APA do Rio Pardo, mas que deverá ainda ser objeto de ato normativo específico para definição de seus limites. Não foram consideradas as unidades municipais.
Tabela 2. Unidades de Conservação na Amazônia Legal até dezembro de 2010, por categoria (excluídas as RPPNs).
Ao comparar a porção do território estadual protegida, temos que, em dezembro de 2010, o Estado do Pará possuía a maior extensão de Unidades de Conservação da Amazônia, com 403.155 km2, seguido pelo Amazonas, com 369.788 km2. O Amapá possuía a maior proporção de Unidades de Conservação, 62,1% do seu território, quase o dobro da proporção do Acre, de34,2%, e do Pará, com 32,3% do território protegido. Por outro lado, os Estados com a menor proporção de Unidades de Conservação eram Mato Grosso (4,6%), Roraima (11,9%) e Tocantins (12,3%) (ta b e l a 3).
Tabela 3. Proporção dos Estados da Amazônia Legal brasileira ocupada por UCs de Proteção Integral e de Uso Sustentável em dezembro de 2010*
4.1. Histórico de criação de Unidades de Conservação na Amazônia Legal
Adalberto Veríssimo, Alicia Rolla, Maria Beatriz Ribeiro e Rodney Salomão
A criação da primeira Unidade de Conservação da Amazônia Legal, o Parque Nacional do Araguaia (TO), data de 1959. O parque abrangia toda a Ilha do Bananal, com 20.000 km2. Alterações de limite posteriores reduziram a área da UC para 5.577 km2, para excluir a sobreposição com o Parque Indígena do Araguaia[7].
Em seguida, na década de 1960, foram criadas mais UCs, totalizando 8.820 km2. Na década de 1970, a soma de UCs passou a ser 28.087 km2. Até o final de 1984, essas áreas perfaziam cerca de 124.000 km2, a grande maioria (90%) sob jurisdição federal.
A partir de 1985, os Estados da Amazônia Legal se engajaram no processo de criação de Unidades de Conservação. Entre 1990 e 1994, houve um aumento expressivo na criação de Unidades de Conservação estaduais. Isso ocorreu especialmente em Rondônia, graças às exigências do Polonoroeste e do Planafloro, dois programas de desenvolvimento sustentável financiados pelo Banco Mundial[8] (Millikan, 1998).
De 1999 a 2002, o incremento da proteção voltou a se concentrar nas Unidades de Conservação Federais. Esta ação se deve, em grande parte, à estratégia do Governo Federal em ampliar as Áreas Protegidas na Ama-zônia para atender às metas de conservação da biodiversidade assumidas pelo Brasil no âmbito da Convenção de Diversidade Biológica (CDB) (quadro 2). Essa estratégia teve seu ápice em 1999 por ocasião da realização do Workshop “Avaliação e Ações Prioritárias paraa Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios”, coordenado pelo ISA, Imazon, Conservação Internacional (CI), Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) e Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM) (Capobianco et al., 2001). Esse Workshop contou com a presença de mais de 220 especialistas das áreas de ciências biológicas e humanas, além de representantes da sociedade civil e dirigentes públicos.
[7] Hoje toda sua extensão está em sobreposição com as TIs Inâwebohona (homologada) e Utaria Wyhyna/Iròdu Iràna. Anteriormente, em 1911 já haviam sido criadas Reservas Florestais no Acre pelo então Presidente Hermes da Fonseca, com o propósito de “conter a devastação desordenada das matas, que está produzindo efeitos sensíveis e desastrosos, entre eles alterações climáticas”. Veja mais em: http://uc.socioambiental.org.
[8] O foco do Polonoroeste, Programa de Desenvolvimento Integrado do Noroeste do Brasil, era a pavimentação da BR-364 entre Cuiabá/MT e Porto Velho/RO e vigorou na década de 1980. O Planafloro, Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia, vigorou na década de 1990. O Banco Mundial condicionou a aprovação do Planafloro a um forte caráter ambiental (Millikan, 1998).
Quadro 2. Etapas para a criação de UCs
Segundo a Lei Federal nº 9.985/2000 ou Lei do SNUC, e o decreto que a regulamenta (nº 4.340/2002), a criação de uma Unidade de Conservação deve ser precedida por estudos técnicos e por consultas públicas.
Os estudos técnicos devem contemplar os tipos de vegetação, a biodiversidade, a presença de populações indígenas ou tradicionais, a situação fundiária, a pressão humana na área, entre outros. As consultas públicas têm caráter consultivo (não deliberativo) e servem para que a população seja informada sobre os propósitos da criação das UCs e contribua com informações e sugestões (Palmieri et al., 2005). Nas consultas públicas, as informações sobre a unidade a ser criada devem ser expostas pelo órgão ambiental competente de forma clara e acessível às populações locais e às partes interessadas. Após a definição da categoria, do local, da extensão e dos limites da Unidade – a partir dos estudos técnicos e das consultas públicas –, a Unidade de Conservação é criada por meio de um ato legal, geralmente um decreto, pelo poder público federal, estadual ou municipal.
Uma vez criada a UC, deve ser formado um conselho gestor, que poderá ser consultivo ou deliberativo (no caso de Resex e RDS). O conselho é presidido pelo chefe da Unidade e composto: pelos órgãos públicos ambientais dos três níveis federativos (União, Esta-dos e municípios); por representantes das comunidades tradicionais residentes no interior e no entorno da Unidade, da comunidade científica, de ONGs atuantes no local e do setor privado, entre outros (Palmieri e Veríssimo, 2009).
Em um prazo máximo de cinco anos após o ato de criação da UC, deverá ser elaborado seu plano de manejo, documento que estabelece o zoneamento da reserva, assim como as normas de uso da área e aproveitamento racional dos recursos naturais. O plano de manejo deverá ser elaborado pelo órgão gestor da Unidade e aprovado pelos conselhos deliberativos, no caso de Resex e RDS, ou validados pelos conselhos consultivos, no caso das demais UCs.
A partir de 2000, estudos feitos por instituições de pesquisas socioambientais, em parceria com os órgãos públicos, serviram de base para a criação de novas UCs. Entre tais estudos podem ser citados aqueles que fundamentaram a criação de Flotas e Flonas, realizados pelo Imazon a partir de 1998 (Veríssimo & Souza Júnior, 2000, Veríssimo et al., 2000, Veríssimo et al., 2002, Veríssimo et al., 2006) e os levantamentos realizados a partir de 2003 cujo resultado foi a criação do mosaico de UCs da Terra do Meio (ISA e IPAM, 2003).
Em termos de área, a maior quantidade de Unidades de Conservação – tanto federais quanto estaduais – foi criada entre 2003 e 2006, no período que coincide com a vigência do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) (quadro 3, tabela 4 e figura 3). Do total de Unidades de Conservação existentes em 2010, quase 40% foram estabelecidas neste período. O governo federal protegeu mais de 200.000 km2 em UCs, enquanto os governos estaduais somaram aproximadamente 287.000 km2 (tabela 4). Entre os Estados, a maior contribuição veio do governo do Pará, com a proteção de 149.000 km2, seguido do Amazonas, com 87.000 km2.
Quadro 3. Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa)
O Programa Áreas Protegidas da Amazônia – Arpa – tem como objetivo investir na criação, consolidação e sustentabilidade financeira de Unidades de Conservação na Amazônia brasileira e é coor-denado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Suas atribuições e sua execução técnico-operacional são de responsabilidade das instituições públicas gestoras das Unidades de Conservação – como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio) e os Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (Oemas) dos Estados amazônicos. A gestão financeira é realizada pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) – organização da sociedade civil de interesse público com a missão de aportar recursos estratégicos para a conservação da biodiversidade. O programa, criado por meio do Decreto nº 4.326/2002, tem duração prevista até 2015.
Durante sua primeira fase (2003-2009), o Arpa apoiou a criação de 63 Unidades de Conservação, das quais 33 são de Proteção Integral e 30 de Uso Sustentável (exceto Flonas e Flotas), somando cerca de 340.000 km2 de Áreas Protegidas, entre parques, estações ecológicas, reservas biológicas, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável.
O apoio do Arpa inclui a realização de estudos para a criação de novas Áreas Protegidas, a elaboração de planos de manejo e o fortalecimento da gestão de áreas já existentes, por meio do treinamento de gestores e da aquisição de equipamentos. Além disso, o Arpa apoia o desenvolvimento e a aplicação dos mecanismos econômicos e financeiros para atingir a sustentabilidade das Unidades de Conservação (Arpa, 2009).
Na primeira fase do Arpa foram investidos US$ 105 milhões no programa, dos quais US$ 65 milhões foram diretamente alocados na criação e na consolidação de Unidades de Conservação. Paralelamente às ações de campo, os parceiros institucionais investiram na criação e capitalização do Fundo de Áreas Protegidas (FAP), fundo fiduciário que apoia, em caráter permanente, a manutenção das Unidades de Conservação criadas e implementadas por meio do programa. O FAP é considerado uma ferramenta estratégica para preservar as conquistas alcançadas com o Arpa. Até o fim da primeira fase (2009), o fundo contava com um montante de US$ 40 milhões; a meta da segunda fase é captar mais US$ 100 milhões.
Nesta segunda etapa do programa (2010-2013), o objetivo é apoiar a criação de mais 200.000 km2 em Unidades de Conservação de acordo com critérios de representatividade biológica, intensidade das ameaças e relevância para o fortalecimento de populações tradicionais.
Em dezembro de 2010, as Unidades de Conservação sob gestão federal correspon-diam a 52% da extensão enquanto as Unidades Estaduais somavam 48%.
Tabela 4. Evolução na criação de UCs (federais e estaduais), por período de governo.
Figura 3. Área cumulativa de UCs estaduais e federais na Amazônia Legal.
O boom na criação de Unidades de Conservação a partir de 2003 foi resultado dos esforços do governo federal e dos governos estaduais do Acre, Amazonas, Amapá e Pará. Houve três principais razões para isso. Primeiro, a necessidade de ordenar o território e combater o desmatamento ilegal associado à grila-gem de terras. Segundo, a urgência em proteger regiões com alto valor biológico. E, terceiro, a necessidade de atender às demandas das populações tradicionais (especialmente Resex e RDS) e de produção florestal sustentável (Flonas e Flotas). Para que isso fosse garantido, o apoio de programas como o Arpa e de organizações ambientalistas e sociais com atuação na região foi fundamental.
4.2. Expansão de Unidades de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia Legal
Alicia Rolla, Maria Beatriz Ribeiro e Mariana Vedoveto
Até 1984, a grande maioria (92%) da área de Unidades de Conservação era ocupada pelo grupo de Proteção Integral, enquanto o de Uso Sustentável contribuía com apenas 8% do total. A tendência se reverteu a partir da década de 1990, sobretudo depois de 2002, com um aumento expressivo na proporção de UCs de Uso Sustentável. Em dezembro de 2010, as Unidades de Uso Sustentável somavam 64% da área total, contra 36% ocupados por Unidades de Proteção Integral.
Na esfera estadual, há mais disparidade: a área ocupada por Unidades de Uso Sustentável equivale a 78% do total, contra 22% de Unidades de Proteção Integral. No caso das UCs federais, a área destinada para as de Uso Sustentável (51%) tem praticamente o mesmo tamanho daquela ocupada por Unidades de Proteção Integral (49%).
Tabela 5. Área cumulativa de UCs por período de governo
Figura 4. Área cumulativa de UCs estaduais e federais na Amazônia Legal, por período de governo e grupo.
De 2007 a 2010, os Estados criaram qua-ro vezes mais Unidades de Conservação de Uso Sustentável quando comparadas às UCs de Proteção Integral. Por sua vez, a União criou quase a mesma extensão para ambos os grupos (figura 4, tabela 5).
A criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável foi estimulada por três diferentes motivos. Um deles é o fato da Unidade de Uso Sustentável permitir o uso econômico dos seus recursos, sendo sua criação e implementação politicamente mais aceitável por setores econômicos que uma Unidade de Proteção Integral, cujo uso e acesso são bastante restritos. O aumento da pressão de movimentos sociais organizados, com o apoio de organizações não governamentais, em defesa das populações locais – sejam elas ribeirinhas, extrativistas, entre outras – também tem favorecido a criação de Resex e RDS com o intuito de garantir a permanência dessas populações na área que ocupam. Outro motivo refere-se à criação de Florestas Nacionais e Estaduais, fomentada por iniciativa governamental para viabilizar a exploração madeireira ordenada em áreas regularizadas do ponto de vista fundiário.
4.3. Criação de Unidades de Conservação em áreas sob alta pressão humana na Amazônia Legal.
Rodney Salomão, Maria Beatriz Ribeiro e Mariana Vedoveto
A partir de 2003, o Governo Federal adotou a criação de Unidades de Conservação como estratégia para inibir o avanço do desmatamento e auxiliar a regularização fundiária em regiões críticas da Amazônia. Antes desse período, as Unidades de Conservação eram principalmente criadas em áreas remotas.
Aproximadamente 55% das UCs de Proteção Integral e 58% das UCs de Uso Sustentável federais criadas entre 2003 e 2010 estavam si-tuadas em regiões com consolidada (alta) ou incipiente (moderada) pressão humana (tabela 6). Segundo Barreto et al. (2005), as regiões de pressão humana consolidada são áreas desmatadas; zonas de influência urbana; áreas sob influência de assentamentos da reforma agrária; áreas de mineração, ou áreas sob influência de queimadas e incêndios.
Figura 5. Pressão humana nas Unidades de Conservação da Amazônia
Tabela 6. Proporção da área total de UCs federais e estaduais criadas até 2002 e entre 2003 e 2010, em áreas sob diferentes graus de pressão humana.
No caso dos Estados, a situação é diferente. A partir de 2003, a maioria das Unidadesde Conservação estaduais foi criada em regiões remotas e, portanto, sob menor pressão humana. Apenas 14% das UCs de Proteção Integral estaduais criadas entre 2003 e 2010 localizavam-se em regiões de pressão humana consolidada ou incipiente. Com relação às UCs de Uso Sustentável criadas nesse período, a proporção situada em áreas sob pressão foi de 33% (tabela 6 e figura 5).
A criação de Unidades de Conservação em áreas sob baixa pressão humana também é relevante para proteger espécies endêmicas e ecossistemas frágeis; para ordenar o uso das terras antes da ocupação humana e, especialmente, para evitar ou combater a pressão oculta da grilagem de terras. A pressão oculta, por exemplo, foi uma das justificativas utilizadas para orientar a criação das Unidades de Conservação estaduais da calha norte do rio Amazonas (Pará) no final de 2006, o maior mosaico de Unidades de Conservação de florestas tropicais do mundo.
4.4. Gestão das Unidades de Conservação na Amazônia Legal
Mariana Vedoveto, Silvia de Melo Futada e Maria Beatriz Ribeiro
A gestão de uma Unidade de Conservação pressupõe recursos humanos e financeiros adequados, estrutura básica, como sede, vigilância, equipamento de emergência e comunicação, e locais delimitados para pesquisa, visitação, uso comunitário e produtivo. Além disso, é essencial que a gestão esteja baseada num plano de manejo aprovado, e pautada na existência de um conselho gestor formal e atuante.
O principal instrumento de gestão para todas as categorias de UCs é o plano de manejo (SNUC, 2000). Trata-se do documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma UC, é estabelecido o seu zoneamento e as normas que devem orientar o manejo dos recursos naturais e o uso da área, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da Unidade.
Em 2002, com o intuito de dar diretrizes comuns aos planos de manejo das UCs federais de Proteção Integral e servir de modelo às esferas municipais e estaduais, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – então ainda responsável pela criação e gestão das Unidades de Conservação Federais – publicou o Roteiro Metodológico de Planejamento, voltado às categorias Parque Nacional, Estação Ecológica e Reserva Biológica.
De acordo com tal roteiro, o plano de manejo deve ser composto por seis seções: a contextualização da UC no cenário internacional (quando couber) e nos cenários federal e estadual; uma análise da região ou do entorno da UC e, de forma mais detalhada, da própria unidade de conservação. Estas duas etapas devem reunir o conhecimento necessário para a definição dos limites e o planejamento da UC e de seu entorno. As duas últimas seções – Projetos Específicos e Monitoria/Avaliação – estão vinculadas à implementação do plano de manejo (Ibama, 2002).
Em 2004, o Ibama publicou o Roteiro Metodológico para Elaboração de Plano de Manejo para Reservas Particulares do Patrimônio Natural (Ibama, 2004), que visa estimular a participação dos proprietários de RPPNs desde a elaboração até o uso e monitoramento desse instrumento de gestão, ao facilitar a compreensão de sua estrutura e seu conteúdo.
Para as Unidades de Conservação estaduais, a elaboração de roteiros semelhantes é de responsabilidade dos órgãos ambientais de cada Estado. O Roteiro Metodológico para Elaboração de Planos de Manejo das Unidades de Conservação Estaduais do Pará, por exemplo, divide o documento em três capítulos: Aspectos gerais da Unidade de Conservação, que aborda o histórico, localização, acesso e apresenta uma ficha técnica sobre a Unidade; Diagnóstico da Unidade de Conservação, que caracteriza a paisagem, os aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos da área; e Planejamento da Unidade de Conservação, que apresenta a missão e visão de futuro da área, o zoneamento, os programas de manejo e o cronograma de ações para implementá-lo (Sema, 2009).
Para que os objetivos de conservação sejam alcançados com eficiência e eficácia, todos os planos de manejo devem considerar um enfoque ecossistêmico,[9] viabilizar a participação social e ser contínuos e adaptativos (Sema, 2009).
Os processos participativos promovem um ambiente de confiança e legitimidade, sobretudo pela criação e atuação do conselho gestor da Unidade de Conservação. Os conselhos, consultivos ou deliberativos, além de uma exigência no SNUC, são uma das formas possíveis de participação e controle social legítimo e articulado. Eles possibilitam maior transparência na gestão da Unidade de Conservação; contribuição na elaboração e implantação do Plano de Manejo; e integração da UC às comunidades, ao setor privado, às instituições de pesquisa, ONGs, poder público, bem como às outras Áreas Protegidas situadas no seu entorno (Palmieri e Veríssimo, 2009).
Para garantir a boa governança em Unidades de Conservação, Ibase (2006) e Cozollino (2005), enumeraram alguns critérios:
Equidade: existência e execução de normas claras, acessíveis e aplicadas ao conjunto dos envolvidos; respeito aos direitos e às práticas de populações tradicionais ou de residentes do entorno das UCs; e reconhecimento de injustiças e danos sociais resultantes da gestão da Unidade de Conservação, quando for o caso.
Legitimidade, participação em decisões e transparência: representatividade, direito de tomar decisões e atuação de todos os envolvidos (associações e/ou indivíduos) na gestão e nas reuniões promovidas na Unidade.
Eficácia, eficiência e efetividade dos instrumentos de gestão: plano de manejo e regimento interno do conselho aprovados e em anda-mento; atualização periódica dos instrumentos; existência e emprego de um plano anual de gestão; participação da população na elaboração dos instrumentos de gestão.
[9] O enfoque ecossistêmico defende que os limites da Unidade de Conservação ou sua zona de amortecimento não limitam os ecossistemas objeto de sua proteção, e que os processos ecológicos, assim como os hábitats e a maioria das populações das espécies apresentam forte interação biológica com seu entorno (Sema/PA, 2009).
Quadro 4. Efetividade de Gestão das UCs federais do Brasil
O Rappam (Rapid Assessment and Prioritization of Protected Area Management), desenvolvido pelo WWF internacional, é um método que permite a avaliação rápida do manejo das UCs, e tem o objetivo de fornecer ferramentas para o desenvolvimento de políticas adequadas à proteção de ecossistemas e à formação de um sistema viável de Unidades de Conservação (Onaga & Drumond, 2007).
Segundo o Rappam, uma sólida avaliação do exercício de gestão deve considerar os seguintes pontos: Planejamento – inclui os objetivos da UC, o contexto da área, o amparo legal utilizado e o modelo de planejamento da Unidade; Meios – recursos humanos, materiais e financeiros empregados na gestão da Unidade; Processos – modelos utilizados na tomada de decisões, nas iniciativas para atingir a sustentabilidade financeira, nos mecanismos de avaliação e no planejamento e monitoramento da gestão da área; Resultados: avalia as ações relativas ao planejamento, o cumprimento de objetivos e metas, a contenção de pressões e ameaças, a divulgação de informações à sociedade, a implantação e manutenção de infraestrutura, a capacitação e o desenvolvimento de recursos humanos (funcionários ou conselho gestor) e o monitoramento de todos os resultados.
A avaliação Rappam conduzida pelo Ibama em parceria com o WWF-Brasil, em 2007, avaliou a efetividade da gestão em 246 Unidades de Conservação federais (Onaga e Drumond, 2007). O termo efetividade, aqui, é entendido como a capacidade de atingir o objetivo real da UC.
Apenas 13% das Unidades de Conservação apresentaram alta efetividade de gestão; outros 36% ficaram na faixa média; e o restante (51%) foi enquadrado na faixa de baixa efetividade.
As categorias mais bem posicionadas foram, pela ordem: as Flonas (Floresta Nacional); as Esecs (Estação Ecológica) e as Rebios (Reserva Biológica), e, em terceiro lugar, os Parnas (Parque Nacional) e os RVSs (Refúgio de Vida Silvestre).
O mesmo estudo afirma que recursos humanos, recursos financeiros, infraestrutura, planejamento e questões relacionadas ao desenvolvimento de pesquisas, avaliação e monitoramento são críticos em todo o sistema brasileiro de Unidades de Conservação.
A efetividade do instrumento de gestão também pode ser avaliada pelos resultados alcançados, atividades planejadas e executadas (quadro 4). O plano de manejo deve contar com linhas de atuação objetivas e específicas, de maneira a possibilitar a avaliação e o aprimoramento contínuo da gestão.
De maneira geral, a implementação de um processo continuado de avaliação da gestão otimiza a utilização dos recursos disponíveis. Para a consolidação financeira e econômica da UC (quadro 5), é importante ter uma estratégia que considere:
Orçamento público: é necessário assegurar um orçamento mínimo do órgão gestor direcionado à manutenção das Unidades de Conservação, pois a contratação da equipe base e as ações de fiscalização e controle são funções da União, do Estado ou do Município.
Compensação ambiental: é uma obrigação legal prevista no Art. 36 da Lei 9.985/2000 (SNUC), e pode ser fonte de obtenção de recursos para a implementação das UCs de Proteção Integral.
Concessões em Florestas Públicas: a Lei 11.284/2006 estabelece a concessão onerosa da exploração de serviços e recursos florestais em Unidades de Conservação de Uso Sustentável. As concessões podem viabilizar a criação de uma economia de base florestal aliada à conservação da biodiversidade.
Poucos avanços na elaboração dos planos de manejo
Para avaliar a gestão das Unidades deConservação da Amazônia brasileira, identificamos o número de planos de manejo aprovados, conselhos gestores formados e sua situação quanto ao regimento interno, além da quantidade de funcionários lotados nessas áreas.
Apesar da elaboração do plano de manejo ser obrigatória em um prazo máximo de cinco anos após o decreto de criação da Unidade, a maioria (70%) dos planos das Unidades de Conservação da Amazônia Legal ainda não foi iniciada ou não está concluída. Das 308 UCs estaduais e federais[10] analisadas, apenas 24% possuiam planos de manejo aprovados; 1% estava com seus planos em fase de revisão; 20% estava na fase de elaboração, e 50% sequer tinham iniciado seus planos de manejo em dezembro de 2010.
[10] Nesta seção o total de UCs é 308, uma a mais que na seção anterior, em virtude de termos considerado a Flota Rio Pardo (RO), mesmo que ainda pendente de delimitação exata.
Quadro 5. Sustentabilidade econômica em UCs da Calha Norte
As concessões em florestas públicas podem ser um instrumento poderoso para a atração de investimentos, geração de emprego e renda para as UCs de Uso Sustentável da Calha Norte do rio Amazonas, a noroeste do Estado do Pará. Em 2010, o Imazon realizou um estudo com o objetivo de quantificar o potencial de geração de receita bruta, emprego e tributos a partir da exploração madeireira e extrativismo da castanha-do-brasil nas três Flotas (Faro, Trombetas e Paru) da região (Bandeira et al., 2010).
Os resultados obtidos mostram que a exploração de madeira e a coleta de castanha-do-brasil podem gerar R$ 4,4 bilhões ao longo de 20 anos (2011-2030), em valores de 2010, considerando-se uma taxa anual de desconto de 6%. Os governos federal, estadual e municipal então arrecadariam R$ 887 milhões, o que corresponde a 20% do faturamento bruto dessas atividades. E a partir de 2013, seriam gerados 8.986 empregos diretos e indiretos.
Além disso, é possível incorporar outras cadeias produtivas, como o turismo, a mineração, a extração de outros produtos não madeireiros e os serviços ambientais ou créditos REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação). Dessa maneira, a contribuição das Flotas pode superar a economia atualmente em operação na região e trazer sustentabilidade econômica às UCs da Calha Norte.
Considerando por grupo, as UCs de Proteção Integral federais estão em melhor situação, com 35% dos planos de manejo aprovados. As UCs federais de Uso Sustentável, ao con-trário, têm o menor índice de planos aprovados, apenas 17%. Entre as UCs estaduais, as de Proteção Integral também têm mais planos de manejo aprovados (28%) do que as de Uso Sustentável (20%). (figura 6).
Os esforços de elaboração e aprovação de planos de manejo se intensificaram nos últimos anos, mas ainda há grandes lacunas. Até 1998, havia apenas 10 planos de manejo ofi-cialmente reconhecidos. Em 2006, esse número subiu para 36; e até dezembro de 2010 foram aprovados mais 37, totalizando 73 planos de manejo (tabela 7).
Há também outros casos de instrumentos de gestão (5%), que contribuem com a consolidação de diretrizes gerais para a UC ou tem um propósito específico, como, por exemplo, um plano de ação emergencial. No caso das Unidades de Conservação de Uso Sustentável, o plano de utilização ou plano de uso é a primeira fase do plano de manejo, e com ele implementam-se ações de proteção, sinalização e regularização fundiária. Aproximadamente 3% do total de UCs apresentam instrumentos de gestão deste tipo.
Figura 6. Situação das UCs da Amazônia Legal quanto aos planos de manejo, por grupo e esfera administrativa (%).
Tabela 7. Número de planos de manejo concluídos, em revisão ou em elaboração nas UCs da Amazônia Legal em 31/12/2010.
Número de conselhos gestores insuficiente
O número de Unidades de Conservação da Amazônia com conselhos gestores consultivos ou deliberativos formados ainda é baixo, muito embora tenha aumentado consideravelmente de 2007 a dezembro de 2010. Nesse período foram criados aproximadamente 61% dos conselhos hoje existentes.
Em dezembro de 2010, 147 (48% do total) Unidades de Conservação possuíam seus conselhos estabelecidos; enquanto outras 21 (7%) estavam com seu conselho gestor em formação; e o restante (45%) ainda não possuía conselho gestor. Entre os grupos, as Unidades Federais de Uso Sustentável apresentaram a maior proporção de conselhos gestores criados (69%), seguidas das Unidades Federais de Proteção Integral (46%) e Estaduais de Uso Sustentável (40%). As Unidades Estaduais de Proteção Integral apareceram por último, com 35% dos conselhos criados (figura 7).
Para melhor atuação, o conselho gestor necessita ter seu regimento interno elaborado e aprovado por seus participantes. O funcionamento do conselho é definido pelo seu regimento interno, no qual deve constar a forma de participação dos conselheiros, suas atribuições e responsabilidades em relação à UC.
Apenas 24% das Unidades analisadas apresentavam conselhos gestores com regimento interno aprovado. A situação foi mais grave no caso das UCs federais, tanto de Proteção Integral como de Uso Sustentável, das quais praticamente nenhum conselho possuia regimento interno. A condição das Unidades Estaduais foi relativamente melhor, como apresentado na figura 8. Com relação à atividade do conselho, apenas 8% foram declarados inativos.
Figura 7. Situação das UCs da Amazônia Legal quanto ao status de seus conselhos gestores (%).
Figura 8. Situação dos Conselhos Gestores das UCs da Amazônia Legal quanto ao regimento interno.
Escassez de funcionários
O número de funcionários empregados na gestão de Unidades de Conservação não está disponível nos sítios eletrônicos das instituições responsáveis pelas Unidades ou parceiras. Essas informações foram obtidas por meio de ofícios enviados às Oemas da Amazônia Legal, dos quais apenas a Sedam-RO não respondeu. O mesmo aconteceu com o ICMBio, responsável pelas Unidades de Conservação federais, que também foi consultado, mas não respondeu.
Em julho de 2010, cada Unidade de Conservação estadual contava, em média, com apenas 2 funcionários, efetivos ou terceirizados, integrais ou compartilhados entre diferentes áreas[11]. As Unidades de Conservação estaduais de Proteção Integral são as que apresentam maior número: 5 funcionários em média. Por outro lado, as UCs estaduais de Uso Sustentável empregam, em média, apenas 2 funcioná-rios cada uma.
Em termos gerais, o número de funcionários nas 133 UCs consultadas soma 305. As Unidades estaduais de Proteção Integral empregam 194 funcionários, enquanto as de Uso Sustentável empregam somente 111 pessoas (figura 9).
Embora não haja consenso sobre qual seria o número ideal de funcionários para cada Unidade, pois as demandas de gestão e as pressões externas são muito diferentes de acordo com o tamanho da área, localização, categoria, entre outros fatores, a média de 2 funcionários por Unidade ainda é muito baixa. Na Amazônia Legal, cada funcionário é res-ponsável por, em média, 1.871,7 km2 (tabela 8). Porém essa área varia conforme o Estado e o grupo da Unidade.
[11] Foram contabilizados apenas os funcionários das UCs estaduais do Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Roraima e Tocantins.
Figura 9. Número de funcionários nas UCs estaduais da Amazônia Legal em dezembro de 2010*
O Amazonas é o Estado que apresentava a pior situação, tendo, em média, um funcionário para cada 5.889,6 km2 nas Unidades de Uso Sustentável. O Estado do Mato Grosso apresenta situação inversa, com a média de 247,9 km2 por funcionário nas Unidades de Proteção Integral. É importante ponderar que o Amazonas ainda tem grandes extensões terri-toriais distantes de ocupações urbanas consolidadas, enquanto no Mato Grosso a pressão de ocupação e expansão agrícola é muito mais intensa.
Com relação aos grupos, as Unidades de Proteção Integral empregam um funcionário para cada 635,2 km2. Nas UCs de Uso Sustentável essa área é mais de seis vezes maior: são 4.032,8 km2 por funcionário. A situação pode ser agravada pela condição de acesso à Unidade de Conservação e pela falta de infraestrutura mínima para abrigar os funcionários.
Tabela 8. Número de funcionários empregados por quilômetro quadrado de UCs estaduais na Amazônia Legal*.
4.5. Avanços normativos e estruturais do SNUC na Amazônia Legal
Silvia de Melo Futada
Em 2010, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação completou 10 anos de existência. Instituído pela Lei nº 9.985/2000, o SNUC definiu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação, estabelecendo diretrizes comuns para as UCs das esferas federais, estaduais e municipais. Esta primeira década foi marcada pela implementação da lei, através da criação e estruturação de autarquias e centros vinculados; da normatização de processos; da ampliação e capacitação de equipes, e da consolidação das próprias UCs. A seguir, apresentamos os principais avanços normativos e estruturais ocorridos entre 2007 e 2010, principalmente com relação à gestão, regularização fundiária e manejo de recursos na esfera federal.
Criação do Instituto Chico Mendes
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi criado em agosto de 2007,[12] como uma autarquia integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Suas atribuições são proteger o patrimônio natural e promover a conservação da biodiversidade brasileira, inclusive através das UCs de proteção integral e de uso sustentável, sendo que estas últimas contribuem para o respeito às práticas e saberes associados das comunidades tradicionais e na promoção do desenvolvimento socioambiental.
Parte das funções antes acumuladas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foram transferidas para o ICMBio. O Ibama manteve o poder de polícia ambiental e a responsabilidade pelo controle da qualidade ambiental e por licenciamentos, incluindo autorizações de uso dos recursos naturais. Dentre as atribuições objetivas do ICMBio estão a consolidação do SNUC através de sua normatização; a criação, implementação e gestão das Unidades de Conservação federais, e a pesquisa e aplicação de estratégias de conservação da flora e da fauna por meio dos Centros Especializados de Pesquisa e Conservação.
A criação do ICMBio deu-se em um cenário de conflitos políticos e sem um planejamento estratégico oriundo de um diálogo aprofundado, internamente ou com demais setores da sociedade. Apesar disso, passados três anos, é importante reconhecer os avanços e sua contribuição para uma progressiva estruturação dos órgãos e normas que fundamentam o SNUC.
A criação de um órgão específico de gestão das UCs, com orçamento próprio, contribuiu para maior transparência sobre o destino, o monitoramento e a avaliação da efetividade dos investimentos do setor. Além disso, destaca-se também a realização de um concurso, em 2008, para novos analistas ambientais lotados prioritariamente nas UCs da região Norte. Com precárias condições de acesso e comunicação, a grande maioria dessas UCs é desprovida de estrutura administrativa e operacional consolidada. Muitas vezes não há sequer uma equipe completa e numericamente satisfatória, o que dificulta a atuação dos gestores, realidade comum também às esferas estaduais, conforme já explicitado capítulo 4.4. Tal carência, somada ao complexo contexto histórico das UCs, tende a resultar em um índice de desistência muito mais alto do que o de outras regiões do Brasil.
Foram ainda criadas 11 Coordenações Regionais do ICMBio no território brasileiro, às quais se vinculam todas as UCs federais (Portaria nº 7 de 19/02/2009). Essa estrutura deve contribuir para a melhoria da qualidade da gestão das unidades descentralizadas, promovendo sua articulação e integração; apoiando o planejamento, a execução e o monitoramento de programas em sua circunscrição territorial, e beneficiando a interlocução entre as unidades descentralizadas e a sede do Instituto.
Foram também criados (Portaria nº 78 de 03/09/2009) os Centros Nacionais de Pesquisa e Conservação, unidades descentralizadas às quais compete, por meio de pesquisa científica, do ordenamento e análise técnica de dados, promover a conservação da biodiversidade, do patrimônio espeleológico e da sociobiodiversidade. Os Centros estão estruturados em dois eixos principais: com especialidade nos Biomas, ecossistemas ou manejo (4) e com especialidade em grupos taxonômicos (7). Para a ‘recriação’ de Centros já existentes, antes vinculados ao Ibama, foi necessária uma revisão das atribuições dos mesmos para uma adequação às competências exclusivas do ICMBio, o que levou inclusive à extinção do Centro Nacional de Orquídeas, Plantas Ornamentais, Medicinais e Aromáticas (Copom), sendo sua estrutura absorvida pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade do Cerrado e Caatinga (Cecat).
As principais normas do ICMBio relacionadas à gestão das Unidades de Conservação federais de 2007 até 2010, foram:
Instrução Normativa ICMBio nº 1/2007: Disciplina as diretrizes, normas e procedimentos para a elaboração de Plano de Manejo Participativo de UC federal das categorias Resex e RDS.
Instrução Normativa ICMBio nº 2/2007: Disciplina as diretrizes, normas e procedimentos para formação e funcionamento do Conselho Deliberativo de Resex e RDS.
Instrução Normativa ICMBio nº 3/2007: Disciplina as diretrizes, normas e procedimentos para a criação de Resex e RDS.
Instrução Normativa ICMBio nº 4/2008: Disciplina os procedimentos para a autorização de pesquisas nas Resex e RDS federais, que envolvam acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado.
Instrução Normativa ICMBio nº 2/2009: Regula os procedimentos técnicos e administrativos para a indenização de benfeitorias e desapropriação de imóveis rurais localizados em UCs federais de domínio público.
Instrução Normativa ICMBio nº 5/2009: Estabelece procedimentos para a análise e concessão de Licenciamento Ambiental de atividades ou empreendimentos com potencial para afetar as UCs federais, suas zonas de amortecimento ou áreas circundantes.
Merece especial atenção a Instrução Normativa nº 4, cuja matéria – pesquisas que envolvam acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado – trata de conceitos novos e práticas recentes, sem regras consolidadas, inclusive no âmbito da CDB, que se bem avaliados futuramente, poderão servir de parâmetro para pesquisas científicas, bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico em outras categorias de UCs ou mesmo fora delas, inclusive no que se refere ao aperfeiçoamento do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios (CURB).
Outras ações normativas do ICMBio e do próprio SNUC reforçam a intenção de promover pesquisas nas Unidades de Conservação, caso do fomento às atividades científicas e ao voluntariado nas UCs federais, através da criação do Programa de Iniciação Científica – para incentivo à pesquisa de estudantes de graduação – e do Programa de Voluntariado. A implementação desses programas é importante, não apenas por seu retorno imediato – no caso, aumento de pesquisas e auxílio nas atividades diárias das UCs –, mas, principalmente, porque os processos de pesquisa e de voluntariado contribuem para o envolvimento das comunidades locais com os objetivos e as possibilidades de uso da UC e seu entorno.
A par dessas mudanças promovidas pelo ICMBio, destaca-se, ainda, a Portaria Interministerial MDA/MMA nº 3 de 3/10/2008, que reconheceu os povos e as comunidades t radicionais das UCs das categorias Resex, RDS e Flona, como potenciais beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária. Tal ação facilita o acesso dessa população ao crédito diferenciado associado à Política de Reforma Agrária.
[12] Lei Federal nº 11.516 de 28/08/2007.
Compensação ambiental
A compensação ambiental, importante fonte de recursos para a sustentabilidade financeira do SNUC, é um instrumento que garante a destinação de, no mínimo, 0,5% do valor do empreendimento para a criação ou gestão de Unidades de Conservação de Proteção Integral, no caso de empreendimentos com impacto ambiental significativo.
Embora este mecanismo tenha ficado mais conhecido após sua inclusão no SNUC, ele foi estabelecido em 1987 pela Resolução Conama nº 10, segundo a qual “Para fazer face à reparação dos danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas, o licenciamento de obras de grande porte, (…) terá sempre como um dos seus pré-requisitos, a implantação de uma Estação Ecológica pela entidade ou empresa responsável pelo empreendimento, preferencialmente junto à área”, explicitando ainda que “o valor destinado para isso deveria ser proporcional ao dano causado e não poderia ser inferior a 0,5% dos custos totais previstos para o empreendimento”.
Nos anos subsequentes à criação do SNUC, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) encabeçou um movimento muito forte para fixação do valor da compensação ambiental, desvinculando-a da porcentagem do valor do empreendimento. Discutiu-se até mesmo a extinção da compensação ambiental.
Em abril de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) julgou o mérito da ação movida pela CNI (Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN nº 3.378), afirmando que a cobrança da compensação ambiental era constitucional e deveria ser proporcional ao dano causado pela obra, mas derrubando o valor mínimo de 0,5%. Ainda em 2008, foi criada a Câmara Federal de Compensação Ambiental, com caráter deliberativo, integrada por representantes do MMA, do Ibama e do ICMBio,[13] com a atribuição de decidir sobre a aplicação dos recursos oriundos da compensação ambiental.
Em maio de 2009, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto Federal nº 6.848[14] estabelecendo nova metodologia de cálculo da compensação, na qual, para surpresa de todos, foi fixado um valor máximo de cobrança em 0,5% do custo do empreendimento. Ou seja, o que antes era o patamar mínimo tornou-se o máximo. No mês seguinte, o ISA e a Amigos da Terra-Amazônia Brasileira entraram com uma nova ação no STJ (Reclamação nº 8.465) alegando inconstitucionalidade da decisão por razão homóloga à que levou o STF a julgar a ADIN nº 3.378: se o valor da compensação deve ser proporcional ao dano do empreendimento e a taxa fixa mínima de 0,5% é inconstitucional, evidentemente o teto de 0,5%[15] também o é. Ainda não houve pronunciamento sobre a Reclamação.
[13] Portaria Conjunta IBAMA/ICMBio nº 205 de 17 de julho de 2008.
[14] Decreto Federal nº 6.848 de 14/05/2009.
[15] Veja mais em “ONGs vão ao STF para derrubar nova regra sobre compensação ambiental“, Notícia Socioambiental (18/06/2009), em www.socioambiental.org.
Quadro 6. O caso Juruti/Alcoa
O Pará foi pioneiro em regulamentar a cobrança da compensação ambiental para apoiar as Unidades de Conservação do Estado. A Alcoa foi a primeira empresa lá instalada a assinar o termo de compromisso com a Secretaria de Meio Ambiente do Pará, em 2007.
Conduzido por uma nova metodologia de cálculo da gradação de impactos ambientais, o termo destinou cerca de 1,5% dos custos totais da instalação da Mina de Juruti à compensação ambiental.
Desse modo, a compensação da Alcoa somou R$ 54 milhões e foi repassada ao Estado até agosto de 2008.
A princípio, o percentual deveria ser aplicado em três UCs localizadas na região de atuação da Mina de Juruti: Esec Grão Pará, Rebio Maicuru e Parna da Amazônia. Porém, a Sema ainda não dispõe de um Fundo de Compensação Ambiental (FCA) que administre os recursos arrecadados com a compensação. Temporariamente, segundo o Decreto Estadual nº 2.033/2009, os recursos da compensação ambiental serão destinados a uma conta corrente específica, vinculada ao Fundo Estadual de Meio Ambiente (Fema).
Entretanto, por não ter uma política de governança bem definida e equipe exclusiva para sua administração, o Fema enfrenta dificuldades para administrar os recursos advindos da compensação.
Até o final de 2010 não se tinha noticia da destinação do recurso pago pela Alcoa, pois o relatório financeiro do Fema não é público e tampouco disponibilizado, o que dificulta o acompanhamento da alocação dos recursos. (Ma r i a n a Ve d oVe t o)Fonte: http://www.alcoa.com/brazil/pt/custom_page/environment_j uruti_meioambiente_snuc.asp
Questões fundiárias
Um dos grandes desafios de implementação das UCs é sua consolidação territorial. Além de uma adequada delimitação, a regularização fundiária é indispensável para essa consolidação territorial, pois a meta é conservar não apenas espécies ou atributos da paisagem, mas também processos ecológicos, considerando tanto as formações naturais como o uso que a comunidade local faz desse território e seus recursos.
A falta de regularização fundiária decorre não apenas da lentidão administrativa e da carência orçamentária para que se efetuem as devidas indenizações, mas também da ausência de um cadastro fundiário oficial único e atualizado. Embora ainda não haja um levantamento público que aponte detalhadamente a situação fundiária de cada UC, sabe-se que este conflito é generalizado. Segundo o ICMBio três em cada dez hectares de UCs federais no Brasil são terras particulares, sendo que das 251 UCs federais que deveriam obrigatoriamente ter seu território público, 188 ainda têm propriedades particulares em seu interior (FSP, 2011).
A publicação da Portaria Interministerial nº 436/2009[16] foi um importante avanço nessa área. O MPOG (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão) e o MMA assumiram responsabilidades que simplificaram e aceleraram a regularização fundiária das UCs federais por meio de uma série de normatizações, a saber:
O MPOG compromete-se a efetuar a doação das áreas de domínio da União ao MMA, quando localizadas em UCs federais integrantes do SNUC, de posse e domínio público. Antes a matrícula de tais áreas continuava sendo do Incra e isso impedia a regularização de terras de uso comunitário, como as das Resex;
Compromisso do MMA de, uma vez realizada a entrega, promover a regularização da situação fundiária das UCs e promover o apoio ao seu desenvolvimento sustentável;
Autorização para que o MMA promova a cessão das áreas recebidas ao ICMBio, sob a modalidade de cessão de uso gratuito ou sob o regime de Concessão do Direito Real de Uso (CDRU). Isso possibilita a outorga coletiva e gratuita da CDRU às associações e cooperativas que representam as populações tradicionais beneficiárias, residentes em UCs de Uso Sustentável.
O contrato de CDRU é um documento com prazo estipulado que legitima o uso sobre a terra, dando direito à moradia e à utilização dos recursos conforme plano de uso. Porém, ele não garante a propriedade, de forma que a transmissão se dá apenas por caráter hereditário.
Em 2010, foram celebrados:
8 CDRU entre o ICMBio e comunidades, envolvendo as Resex Cururupu, Marinha de Araí-Peroba, Marinha de Gurupi-Piriá, Marinha de Tracuateua, Marinha do Maracanã, São João da Ponta, Barreiro das Antas, Rio Cautário e Rio Ouro Preto, e as Flonas Jamari, Tapajós e São Francisco.
11 CDRU entre a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e o MMA/ICMBio ou o Incra/ICMBio: nas Resex Barreiro das Antas, Chocoaré Mato Grosso, Itaúba, Lago do Capanã Grande, Lago do Cuniã, Rio Cautário, Rio Ouro Preto; as Flonas Pau-Rosa e São Francisco; a Rebio Rio Ouro Preto e o Parna Serra da Cutia.
Também contribuiu para essa questão a Instrução Normativa ICMBio nº 2/2009, que regulamenta os procedimentos técnicos e administrativos para a indenização de benfeitorias e a desapropriação de imóveis rurais localizados em UCs federais de domínio público (ou seja, excetuadas as RPPNs). Embora os procedimentos possam ainda receber críticas (principalmente por serem direcionados aos casos em que seja comprovada a existência de cadeia dominial trintenária ininterrupta), é muito importante que sejam claros e acessíveis aos envolvidos no processo.
[16] Instrução Normativa ICMBio nº 2, de 2/09/2009. Regula os procedimentos técnicos e administrativos para a indenização de benfeitorias e desapropriação de imóveis rurais localizados em UCs federais de domínio público.
Turismo
Uma das fontes de recursos potenciais para promover a sustentabilidade financeira do SNUC em geral e das UCs, em particular, é o uso público por meio do turismo. Nos últimos anos, algumas medidas buscaram fomentar de forma organizada essa atividade nas UCs. Embora os resultados práticos ainda não sejam evidentes, há expectativa de que tais medidas gerem ações positivas.
Em setembro de 2008, dentro da agenda bilateral firmada entre o MMA e o Ministério do Turismo, foi criado o GT (Grupo de Trabalho) de Fomento ao Turismo com Sustentabilidade Ambiental[17]. O objetivo é promover os princípios de sustentabilidade no desenvolvimento da atividade turística no Brasil. O GT teria o compromisso de avaliar e propor: mecanismos normativos e institucionais para o aperfeiçoamento dos procedimentos para o licenciamento ambiental de projetos turísticos; diretrizes para a capacitação e treinamento dos funcionários dos órgãos setoriais envolvidos com o processo de licenciamento; alternativas para a avaliação de impacto ambiental dos projetos e empreendimentos; e mecanismos de articulação entre as ações das políticas ambientais e de desenvolvimento do turismo nacional relativas à avaliação de impacto e licenciamento ambiental dos projetos de investimentos no setor turístico.
Em maio de 2009, uma nova portaria[18] criou outro GT Interministerial por 2 anos, com o objetivo de promover e estruturar o turismo nos Parques Nacionais e em suas respectivas áreas de influência. São incumbências desse GT: acompanhar a execução dos investimentos nos Parnas, principalmente no que diz respeito aos impactos socioeconômicos e ambientais do turismo nos municípios onde se localizam; promover as adequações necessárias à implementação das ações previstas nos Parnas e respectivas áreas de influência; definir estratégias que propiciem maior aproximação entre os Parnas e a sociedade brasileira; e estabelecer mecanismos de promoção do turismo nos Parnas de forma integrada com as políticas e outros tipos de projetos desenvolvidos nessas áreas.
Nesse mesmo âmbito, foi também firmado um termo de reciprocidade entre o ICMBio e a Abeta (Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura). Esse termo tem o intuito de estabelecer as bases para o desenvolvimento de projetos conjuntos na área de planejamento, estruturação e gestão da visitação em UCs federais no que tange às atividades de turismo de aventura e ecoturismo. Além disso, foi também publicada a IN nº 8/2008, que estabelece normas e procedimentos para a prestação de serviços de guias vinculados à visitação e ao turismo em UCs federais.
[17] Ministério do Meio Ambiente e Ministério do Turismo. Portaria Interministerial nº 281 de 16/09/2008.
[18] Ministério do Meio Ambiente e Ministério do Turismo. Portaria Interministerial nº 171 de 21/05/ 2009.
Hidrelétricas
A Lei Federal que instituiu o SNUC dispôs que nas Unidades de Proteção Integral é permitido apenas “o uso indireto de seus recursos naturais”, sendo o termo uso indireto compre-endido como “aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais”. Assim, embora não haja regra explícita sobre a proibição de Usinas Hidrelétricas nos limites das UCs desse grupo, evidentemente é uma atividade não permitida por decorrência lógica do sistema normativo (Valle, 2011).
Em relação às Unidades de Conservação de Uso Sustentável, o objetivo é “compatibilizar a conservação da natureza com o Uso Sustentável de parcela dos seus recursos naturais”, sendo Uso Sustentável a “exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável”. Também não há nenhuma citação explícita relativa a hidrelétricas no SNUC ou no decreto de regulamentação do SNUC, de nº 4.340/2002. Entretanto, o entendimento jurídico mais ordinário é que esse tipo de empreendimento é passível de ser licenciado nessas áreas.
Já o Decreto Federal nº 7.154/2010, publicado em abril, estabelece “procedimentos para autorizar e realizar estudos de aproveitamentos de potenciais de energia hidráulica e sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica no interior de unidades de conservação bem como para autorizar a instalação de sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica em unidades de conservação de Uso Sustentável”. O decreto também isentou os empreendimentos da necessidade de prévia autorização do ICM-Bio para a realização dos estudos de viabilidade técnica, social, econômica e ambiental para as categorias de APA e RPPN. Em ambos os casos, este decreto descentraliza a gestão territorial.
Lei de Gestão de Florestas Públicas
A Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei nº 11.284/2006) estabelece regras para produção sustentável em florestas públicas e institui o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) na estrutura do MMA[19]. O SFB possui autonomia administrativa e atua exclusivamente na gestão das florestas públicas. Suas atribuições incluem a criação de florestas nacionais, estaduais e municipais; a destinação de florestas públicas ao uso das comunidades locais; e a concessão florestal para exploração do setor privado, incluindo florestas naturais ou plantadas, e as unidades de manejo das UCs. As UCs de Proteção Integral, as RDS, as Resex, as Reservas de Fauna (RF) e as ARIE estão excluídas do escopo de florestas públicas destinadas à concessão florestal.
No Brasil, a delegação é onerosa, feita pelo SFB (ou outro poder concedente), do direito de praticar manejo florestal sustentável para exploração de produtos e serviços numa unidade de manejo. A concessão é feita mediante licitação, à pessoa jurídica, em consórcio ou não, que atenda às exigências feitas pelo SFB em edital. Os investimentos e eventuais riscos correm integralmente por conta da empresa ou consórcio e o prazo é determinado (Brasil, 2006B).
Em dezembro de 2007, a Portaria nº 558/2007 (MMA) ratificou a prática do manejo florestal sustentável no primeiro lote de concessão florestal do país, localizado na Flona do Jamari, em Rondônia. Concluiu-se a primeira etapa do processo em setembro de 2008, com a assinatura de três contratos para glebas de 170, 330 e 460 km2. A área total sob concessão é de 960 km2, ou 42,6% dos 2.250 km2 da Flona.
O segundo lote de unidades de manejo a serem submetidas à concessão florestal foi o da Flona de Saracá-Taquera, no Pará, conforme Portaria 171/2008 (MMA). Logo na primeira fase, o cronograma foi alterado em razão das reivindicações encaminhadas pela Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná, sendo elas: 1) a necessidade de se delimitar as áreas quilombolas para que estas não sejam incluídas nas áreas de concessão; 2) a ausência de avaliação de impacto da concessão nas comunidades quilombolas e 3) a ausência de consulta prévia às comunidades quilombolas. Isso levou a uma temporária suspensão da licitação por ordem da Justiça Federal até que a União fizesse a identificação e a delimitação dos territórios das famílias quilombolas e ribeirinhas. O SFB retomou o processo em 2009. Em agosto do mesmo ano, foi licitada a concessão de 1.400 km2 e, em setembro, mais 930 km2.
Ainda em 2010, foi aberto o edital de licitação da Flona do Amaná (PA), com área equivalente a 2.101 km2 de florestas a serem distribuídos em cinco unidades de manejo florestal. O total de lotes já licitados chega a 11.703,67 km2 e o período de exploração é de 40 anos.
Para 2011, o Plano Anual de Outorga Florestal (Paof) identificou 11 Florestas Nacionais elegíveis para a concessão florestal (Pereira et al., 2010). Entre essas, os pré-editais da Flona de Altamira (PA) e da Flona de Jacundá (RO), por exemplo, já foram abertos para consulta pública (Serviço Florestal Brasileiro, 2011).
[19] Lei Federal nº 11.284 de 02/03/2006. Dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável; institui, na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro – SFB; cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal – FNDF; altera as Leis nºs 10.683, de 28 de maio de 2003, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, 4.771, de 15 de setembro de 1965, 6.938, de 31 de agosto de 1981, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá outras providências.
Fany Ricardo
5.1. Processo de reconhecimento: histórico e situação atual
Em 31 de dezembro de 2010, na Amazônia Legal, havia 414 Terras Indígenas (ta b e l a 9), cobrindo um total de 1.086.950 km2, ou 21,7% do território amazônico. Essa área representa 98,6% da extensão de TIs do Brasil.
Nas 414 TIs da Amazônia legal há 173 povos conhecidos, com uma população aproximada de 250.000 pessoas. Este total não considera a população das TIs em fase inicial de identificação, nem os indígenas que vivem em cidades e capitais da região. O censo 2010 promete avanços neste sentido, pois incorporou pela primeira vez um questionário específico para pessoas auto-identificadas indígenas. Provisoriamente (e a partir de fontes esparsas e diversas) estimamos em 450.000 a população indígena que habita cidades e áreas rurais da Amazônia Legal.
A tabela 9 apresenta a situação jurídica das TIs na Amazônia Legal, em dezembro de 2010. Em torno de 15% delas estão em processo de identificação. As terras homologadas correspondem a 74% (308 TIs). Em área, a soma das TIs homologadas abrange pouco mais de 1.023.215 km2, ou seja, 94% da área ocupada pelas Terras Indígenas da Amazônia Legal.
Além das TIs que estão em processo de reconhecimento, existe uma série de terras que várias comunidades indígenas reivindicam para serem reconhecidas pelo Estado brasileiro. Em novembro de 2007, a Funai tinha uma relação dessas reivindicações protocoladas no órgão.
Tabela 9. Situação jurídica das Terras Indígenas na Amazônia Legal.
Na região amazônica elas somavam 192 novas terras, além de 63 TIs a serem revisadas/ampliadas. As reivindicações estão assim distribuídas: Acre: 4 novas TIs e 3 revisões; Amapá: 1 nova e 3 revisões; Amazonas: 159 novas e 20 revisões; Maranhão: 6 novas e 4 revisões; Mato Grosso: 4 novas e 3 revisões; Pará: 4 novas e 4 revisões; Rondônia: 4 novas e 7 revisões; Roraima: 1 nova e 16 revisões e Tocantins: 3 revisões[20].
Levando em conta que as TIs prescindem do reconhecimento oficial para serem consideradas como tais, não há uma fase do processo que possa ser adotada como data de “criação”, a exemplo do que acontece com as UCs. Assim, optamos por mostrar um histórico das homologações das TIs por período presidencial, o que reflete melhor o reconhecimento promovido pelo Estado desde o ponto de vista político.
Vale destacar que há retrocessos no procedimento de reconhecimento, especialmente pela revisão das TIs anteriores ao Decreto nº 1775/96. Por isso, a quantidade de terras homologadas por presidente (ta b e l a 10), não pode ser simplesmente somada, uma vez que muitas das TIs homologadas em um período foram revisadas em períodos seguintes.
A era José Sarney, no período posterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, entre 1989 e março de 1990, foi marcada por muitos retrocessos que geraram grande insegurança com relação à efetividade dos direitos indígenas. No contexto do Projeto Calha Norte, de inspiração militar, Sarney procurou limitar ou impedir o reconhecimento de TIs consideradas por demais extensas, sobretudo em áreas de fronteira. Esta política tinha por objetivo facilitar a exploração econômica, sobretudo a mineração, e beneficiar as frentes de expansão da colonização.
[20] É possível que algumas das terras desta lista de 2007 tenham entrado em processo de identificação e já constem no cômputo da tabela 9. Pelas informações publicadas não é possível relacionar o nome da TI que entrou em identificação com as localidades protocoladas.
Quadro 7. O que são Terras Indígenas?
O marco da Constituição Federal de 1988 foi fundamental para a regularização e a expansão das áreas destinadas aos povos indígenas. O Artigo 20 estabelece que as Terras Indígenas são “territórios da União, sobre os quais é reconhecido o direito indígena à posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, sendo o poder público obrigado, por meio da Funai, a promover seu reconhecimento por ato declaratório que faça conhecer seus limites, assegure sua proteção e impeça sua ocupação por terceiros”. O Artigo 231 ainda assegura a necessidade da garantia das terras “habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seu usos, costumes e tradições”.
O processo de reconhecimento formal é feito por etapas, de acordo com procedimentos administrativos – estabelecidos pelo Estatuto do Índio, de 1973, e alterados por diversos decretos em 1976, 1983, 1987 e 1991*– hoje dispostos no Decreto n.º 1.775/1996.
As etapas de reconhecimento são:
1) Terras em Identificação – um estudo antropológico identifica a comunidade indígena e fundamenta o trabalho de um Grupo Técnico (GT) especializado em questões de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e fundiária. O GT é coordenado por um antropólogo e composto por técnicos da Funai. Deve apresentar à Funai relatório circunstanciado, com a caracterização da TI a ser demarcada.
2) Terras Aprovadas, sujeitas à contestação: são áreas cujos estudos de identificação foram aprovados pelo Presidente da Funai e cujo resumo do relatório foi publicado no Diário Oficial da União, com memorial descritivo e mapa. Por 90 dias, os limites podem ser contestados por qualquer interessado (inclusive Estados e municípios) que pleiteie indenização ou aponte vícios nos estudos de identificação.
3) Terras Declaradas: são de posse permanente indígena, declaradas pelo Ministro da Justiça por meio de portaria. A Funai deve realizar a demarcação física e promover a retirada dos ocupantes não índios, indenizando as benfeitorias de boa fé. Ao Incra cabe reassentar os ocupantes não índios em caráter prioritário.
4) Terras Homologadas: já receberam decreto presidencial, homologando a demarcação física. Incluem as terras definidas por procedimentos anteriores a 1996: as Dominiais Indígenas, as Reservadas e as Demarcadas pelo Incra, bem como as Terras Registradas no Cartório de Registro de Imóveis dos municípios (CRI) e ou na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
* Para mais informações sobre as sistemáticas de demarcação de Terras Indígenas anteriores ao Decreto nº 1.775/96 acesse: http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/demarcacoes/introducao.
Tabela 10. TIs homologadas na Amazônia Legal, por período presidencial, a partir de 1985.
Ao final, o Governo Sarney homologou 53 Terras Indígenas na Amazônia Legal, o que corresponde a mais de 140 mil km2. Entretanto, recusou a proposta de demarcação contínua das TIs Yanomami e do Alto Rio Negro, dividindo-as em porções isoladas. A primeira foi fragmentada em 19 ilhas, e a segunda, em 14; ambas circundadas por Flonas. Em janeiro de 1990, nos últimos dias de governo, Sarney assinou o decreto de revogação da TI Uru-Eu-Wau-Wau, reconhecida no início de seu mandato, em 1985.
A fragmentação das terras em áreas menores e isoladas ameaça a continuidade biológica e cultural dos povos indígenas, pois limita ou impede o contato entre as aldeias e expõe as populações à linha de frente de atividades extrativas comerciais, como a exploração de madeira e o garimpo, sejam estas lícitas ou ilícitas. Estes são alguns dos problemas que escapam à simples soma de TIs.
Além disso, as constantes idas e vindas dos processos de reconhecimento das TIs – que ocorrem mesmo após os decretos de homologação – também fragilizam as séries históricas de extensão territorial. Sem contar a possibilidade de as fases que correspondem a um único processo de reconhecimento territorial serem contabilizadas de maneiras diversas, em diferentes períodos.
O governo Fernando Collor de Mello, en-tre março de 1990 e setembro de 1992, marca o início de aplicação da Constituição Federal de 1988 no Brasil. Em 1991, o Decreto nº 22 estabeleceu novas bases ao procedimento administrativo de demarcação. No mesmo ano, também por meio de decretos, foi realizada uma ampla reforma na Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão indigenista, antes vinculado ao extinto Ministério do Interior, foi transferido ao Ministério da Justiça. As responsabilidades sobre a saúde, a educação, o desenvolvimento rural e o meio ambiente foram descentralizadas, e passaram a ser exercidas, respectivamente, pelos Ministérios da Saúde, Educação, Desenvolvimento Agrário e Meio Ambiente. Nesse contexto, a Funai concentrou suas funções nas políticas de regularização, proteção e gestão das Terras Indígenas.
Collor homologou 75 TIs na Amazônia Legal, num total de 260 mil km2. As decisões de Sarney relativas às TIs Yanomami e Uru-Eu-Wau-Wau foram revogadas. A primeira foi demarcada de modo contínuo, com 96.640 km2 e a segunda foi reconhecida, tal como no projeto original, com 18.671 km2. Entretanto, não foram revogadas as Flonas Roraima e Amazonas, criadas irregularmente sobre o território Yanomami[21].
O presidente Itamar Franco em seus 2 anos de mandato, entre outubro de 1992 e dezembro de 1994, homologou 10 TIs, num total de 54.990 km2. Dentre estas, destaca-se a TI Menkragnoti, com quase 50.000 km2, conhecida pela campanha internacional liderada pelo cacique Raoni e pelo cantor Sting para obtenção de recursos para sua demarcação física.
Entre janeiro de 1995 e dezembro de 2002, o governo Fernando Henrique Cardoso promoveu a maior expansão de TIs na Amazônia Legal. Foram homologadas 103 TIs, que somam 410.430 km2, incluindo as cinco TIs contínuas no Rio Negro, com 106 mil km2, e a Vale do Javari, com 85 mil km2. Tal resultado deve-se principalmente ao Projeto Integrado de Proteção das Terras Indígenas na Amazônia Legal (PPTAL) (quadro 8), um dos componentes do Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG7), coordenado pelo MMA e financiado pelos países do G7, espe-cialmente pela Alemanha. O contrato de financiamento do PPTAL com a Funai concretizou-se em meados de 1996.
Neste ano, o Decreto nº 1.775/1996 (ainda vigente) substituiu o Decreto nº 22 na definição do procedimento demarcatório e incluiu o princípio do contraditório no processo de reconhecimento das TIs. Esse princípio possibilita a pessoas ou instituições contestarem os limites da TI, quando publicados no Diário Oficial da União, no Diário do Estado, e fixados na sede da prefeitura do município onde a TI se localiza. Muito criticada de início, a medida não inviabilizou os processos de reconhecimento. Ao contrário, 590 mil km2 foram homologados depois do decreto. Entretanto, os contrariados têm recorrido a ações no Judiciário com mais frequência.
[21] A Flona de Roraima teve seus limites reduzidos em outubro de 2009, pela Lei Federal nº 12.058, quando deixou de se sobrepor à TI Yanomami. A Flona do Amazonas ainda se sobrepõe quase integralmente à área da TI. No ato da demarcação física da TI Yanomami, tornaram-se célebres as imagens da Polícia Federal destruindo com bombas as pistas clandestinas de garimpeiros e demais invasores que haviam se aproveitado da brecha da demarcação fragmentada, indicando os riscos do modelo adotado.
Quadro 8. O PPTAL
De 1996 a 2008, o Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL) foi o principal responsável pelo financiamento e viabilização dos estudos e trabalhos de demarcação física das Terras Indígenas da Amazônia Legal.
O PPTAL propôs criar alternativas concretas e de longo prazo ao modelo tutelar. A base foi o estímulo ao controle social e à atuação indígena qualificada na estrutura da Funai e do Estado.
Em seu âmbito, a partir da experiência dos Wajãpi do Amapá, desenvolveu-se o modelo de “demarcação participativa”, cuja premissa básica é a parceria e a corresponsabilidade dos povos indígenas na formulação das políticas que lhes afetam diretamente. A própria demarcação é tomada como uma das etapas do processo mais amplo, de gestão sustentável das TIs.
Desde sua criação, o PPTAL contribuiu de forma decisiva para aprimorar o processo de regularização das Terras Indígenas da Amazônia Legal. Em dezembro de 2010, em fase de finalização e balanço, o PPTAL ainda não divulgara cômputos consolidados com o total de terras demarcadas pelo convênio. Em seu lugar considera-se a criação de um novo Projeto Integrado, com apoio da cooperação internacional, com vistas à montagem de planos de proteção, manejo e gestão das TIs.
Balanço do reconhecimento das TIs no período 2007-2010
No período de janeiro de 2007 a dezembro de 2010, correspondente ao segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma redução acentuada no reconhecimento das TIs na Amazônia. Mesmo em comparação com o seu primeiro mandato – quando foram homologadas 50 TIs, num total de 108.470 km2 – os números do segundo mandato são baixos: foram homologadas apenas 13 TIs, cuja soma é de 76.901 km2 (ta b e l a 11).
Em 2007, apenas três TIs tiveram decreto homologatório. Em 2008, somente a TI Baú foi homologada. Em 2009, embalado pelos compromissos assumidos na 15ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP15), realizada em Copenhague, na Dinamarca, o presidente Lula homologou oito TIs na Amazônia, totalizando 51.021 km2. E, em 2010, apenas em dezembro, homologou somente uma, a TI Apurinã do Igarapé Mucuim, no Amazonas.
Uma das causas dessa desaceleração no reconhecimento das TIs na Amazônia deve-se ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em janeiro de 2007. Várias obras previstas nesse programa, tais como rodovias, hidrelétricas e hidrovias, teriam impactos nas TIs, o que resultou em numerosos protestos das organizações indígenas e seus aliados. Vale notar, ainda, que as TIs em processo de reconhecimento, ou aquelas que não entraram no processo de reconhecimento, localizam-se em áreas mais povoadas ou estão sob forte influência de projetos de infraestrutura planejados. Essas terras certamente incitarão conflitos fundiários.
Tabela 11. TIs homologadas entre 2007 e 2010.
Dentre as 13 TIs homologadas nesse período, destacamos a TI Apyterewa, dos Parakanã, localizada no sudeste do Pará, cujo decreto foi assinado pelo presidente Lula no Dia do Índio, em abril de 2007. O processo de reconhecimento demorou mais de duas décadas para ser concluído, com diversas idas e vindas. Em 1992, os indígenas receberam posse permanente sobre uma área de 9.800 km2 (Portaria nº 267/1992). Em 1997, já sob a égide do Decreto nº 1.775, um despacho do ministro da Justiça Nelson Jobim (Despacho nº 17), determinou à Funai o reestudo da área, propondo a redu-ção de seus limites ao sul. Em 2001, o Ministro da Justiça Aloysio Nunes Ferreira reduziu a área, de acordo com o despacho, para 7.734 km2 (Portaria nº 1.192/2001). A área revogada estava ocupada por madeireiras e fazendeiros. Em 2003, o presidente da Funai acolheu determinação do STJ que declarou nula a redução (Mandato de Segurança nº 8.241-DF). Em 2004, o Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, declarou a TI Apyterewa de posse permanente indígena (Portaria nº 2.581/2004), porém manteve os 7.734 km2 da portaria declarada nula. Finalmente, em 2007, foi assinada a homologação. Apesar de homologada com a redução, a área continua ocupada por fazendeiros, colonos, posseiros e madeireiros. Tal ocupação fomenta processos judiciais e muita pressão contra a demarcação. A reação contra a homologação acirrou os ânimos e o conflito permanece latente.
Na TI Baú também persistem divergências. A área dos Kayapó Mekragnoti foi homologada em junho de 2008, com 15.409 km2. Localizada em Altamira – sul do Pará, próxima ao município de Novo Progresso, de economia madeireira – havia sido declarada de posse permanente indígena em 1991, com 18.500 km2. Em 1997, duas mineradoras e a Prefeitura de Novo Progresso contestaram a área e reivindicaram terras à margem esquerda dos rios Curuá e Curuaés. O então ministro da Justiça, Nelson Jobim, acatou as contestações e reduziu a TI em 3.500 km2 (Despacho no 18). A redução não foi aceita pelos Kayapó e gerou vários enfrentamentos.
Figura 10. Limites da Terra Indígena Baú.
Em agosto de 2000, por exemplo, os Kayapó detiveram 15 turistas que pescavam no Rio Curuá e exigiram a demarcação da TI em sua integridade. O Ministério da Justiça determinou então a imediata demarcação, com a extensão integral de 18.500 km2, restabelecendo os limites de 1991 (Despacho de 03/08/2000). Entretanto, novos conflitos inviabilizaram a demarcação física da área. Em 2003, com o intuito de resolver o impasse e garantir a efetiva demarcação da TI, os Kayapó firmaram acordo com representantes da Funai e do Ministério Público Federal (MPF), aceitando a redução da área. O ministro da Justiça Thomaz Bastos reduziu a área em 3.070 km2 (Portaria nº 1.487) (fi g u r a 10). No entanto, a redução negociada entre as partes não coincide com a exclusão determinada em 1997, no despacho do ex-ministro Jobim. Dessa maneira, resta uma faixa de terra de três quilômetros de largura ao longo da margem esquerda do Rio Curuá e da margem esquerda do Rio Curuaés, que se alarga diante da aldeia, em uma extensão aproximada de 15 km.
Outro caso similar é o da TI Anaro dos índios Wapixana, localizada em Roraima e homologada em 2009, com 304 km2. A homologação teve os efeitos suspensos até o julgamento final, por uma liminar do STF, sobre uma área de 15 quilômetros pertencente à Fazenda Topografia. Os fazendeiros alegamter comprado a fazenda há décadas e que nela desenvolvem atividades agropastoris. Até o momento não houve uma decisão.
Terras Indígenas ampliadas no período 2007-2010
De 2007 a 2010, três TIs foram ampliadas: Porquinhos (MA), Rio Negro Ocaia (RO) e Bacurizinho (MA) (tabela 12).
As ampliações de terras também tiveram idas e vindas. O ministro da Justiça Tarso Genro declarou a TI Porquinhos de posse permanente dos índios Canela Apãnjekra, em outubro de 2009, ampliando seus limites de 795 para 3.010 km2 (Portaria nº 3.508/2009). Quatro meses depois, em fevereiro de 2010, o mesmo ministro anulou os efeitos da portaria declaratória em cumprimento a uma decisão liminar do STJ. E três meses depois, em maio, restabeleceu a portaria de 2009, em cumprimento ao Acórdão do STJ nos autos do Mandado de Segurança nº 14.987/DF.
Por outro lado, no mesmo período (2007-2010), 17 novas Terras Indígenas entraram em estudos e identificação nos Estados do Tocantins (2), Acre (3), Amapá (1), Pará (10), Mato Grosso (1) e Amazonas (4).
Tabela 12. TIs ampliadas entre 2007 e 2010.
Revezes da fase declaratória
A portaria do ministro da Justiça que declara a área de posse permanente indígena determina a demarcação administrativa da terra. A demarcação é iniciada pelos editais de licitação para os trabalhos de demarcação física, seguida da retirada dos ocupantes não índios. Entretanto, algumas TIs tiveram revezes no processo declaratório.
A TI Cachoeira Seca (PA) dos índios Arara, por exemplo, está em processo de reconhecimento há mais de 25 anos. Ela é a principal pendência de reconhecimento demarcatório na Amazônia. Em 1985, a Funai interditou a área para possibilitar os trabalhos de atração dos índios Arara Wokorongmã, ainda isolados. Nesse mesmo ano, a Madeireira Bannach se instalou na área, implantando uma grande serraria, abrindo estradas e estimulando a entrada de centenas de colonos para ocupação da área.
Em 1986, foi criado o primeiro GT para identificação e levantamento fundiário. Em 1992, a Funai aprovou os estudos e um ano depois a terra foi declarada de ocupação permanente indígena com 7.600 km2. De imediato houve reação contra o reconhecimento da TI: a portaria declaratória foi questionada no Judiciário e a demarcação física foi impedida por decisão judicial que suspendeu os efeitos da portaria declaratória.
Em 2005, a Funai restringiu o uso da área por não índios para a realização de novos estudos na TI Cachoeira Seca. O levantamento fundiário realizado em 2006 identificou 1.231 posses de ocupantes não índios. Em 2007, o reestudo foi aprovado pela Funai, com alterações de limites e, finalmente, no dia 30 de junho de 2008, o ministro assinou a portaria de declaração de posse permanente dos índios Arara com 7.340 km2.
A situação fundiária dessa terra ainda é conflituosa. Em 2009, uma nova demarcação física teve o contrato publicado no Diário Oficial da União, o que motivou enfrentamentos na área impedindo os trabalhos de demarcação física.
STF confirma a constitucionalidade da demarcação da TI Raposa Serra do Sol
Ana Paula Caldeira Souto Maior
No período 2007-2010 houve o importante julgamento da demarcação da TI Raposa Serra do Sol (RR) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que confirmou a constitucionalidade da demarcação, mas abriu brechas para interpretações que podem ferir o direito à terra e a autonomia na gestão territorial pelos povos indígenas.
Este histórico teve início em 1977, quando a Funai iniciou a demarcação das Terras Indígenas habitadas por milhares de Macuxi, Wapichana, Yanomami, Ye’kuana, Ingarikó, Wai-Wai, Taurepang e Patamona. Os Macuxi – quarta maior população indígena do país – lideraram intensa campanha a favor da demarcação da TI Raposa Serra do Sol. Organizados no Conselho Indígena de Roraima (CIR), eles se manifestaram em assembleias regionais e gerais, elaborando documentos para autoridades nos quais denunciavam a violência a que estavam submetidos e reclamavam a implementação de direitos à educação, saúde e gestão territorial. Em conjunto com os Ingarikó, Wapichana, Taurepang e Patamona, os Macuxi participaram ativamente do processo demarcatório da TI.
Em 1993, os índios fizeram parte do GT de identificação da Funai. Em fevereiro de 1996, a partir da expedição do decreto que introduziu o direito do contraditório (Decreto nº 1.775/1996), o CIR ofereceu subsídios à Funai para desqualificar dezenas de contestações apresentadas por fazendeiros, uma mineradora, um município e o próprio Estado. A maioria das contestações à demarcação foi representada por advogados contratados pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima.
Apesar de declarada como área de ocupação indígena desde 1998, a demarcação só foi homologada em 2005, em ato que criou a dupla afetação em relação ao Parna do Monte Roraima, criado em 1989. A terra é indígena, mas o uso do parque deve ser decidido por meio de gestão compartilhada entre o órgão ambiental, o órgão indigenista e as comunidades indígenas, conciliando os direitos indígenas e a preservação ambiental.
Em abril de 2008, o STF suspendeu a operação da Polícia Federal de retirada dos últimos ocupantes não-índios e decidiu revisar o procedimento administrativo da demarcação da área (Petição nº 3388/2005). Em agosto de 2008, o STF iniciou o julgamento de um dos casos melhor documentados pela Funai, com distinta participação indígena em todo o processo, forte apoio nacional e internacional e com repercussão na mídia.
Por fim, num julgamento que durou três sessões, ao longo de sete meses (agosto de 2008 a março de 2009), o STF manteve a demarcação da TI Raposa Serra do Sol. No entanto, em uma inovação de técnica jurídica que refletiu as pressões sofridas pela Corte, abriu brechas para interpretações que podem ferir o direito à terra e a autonomia na gestão territorial pelos povos indígenas.
A expectativa anunciada pelo então Presidente do STF, Gilmar Mendes, de que o julgamento sobre a validade desta demarcação estabeleceria uma nova maneira de demarcar as TIs sucumbiu diante de um procedimento administrativo sólido, construído ao longo de mais de trinta anos, fortalecido pela obstinação dos seus habitantes e o uso do direito ao contraditório a todos os interessados. A validação da demarcação, porém, foi condicionada para atender interesses contrários aos indígenas, em voto doMinistro Menezes de Direito, que teve apoio da maioria dos demais Ministros. O Relator Carlos Ayres Britto transformou as 19 “condições” em “salvaguardas” e as enquadrou positivamente no contexto da legislação pertinente.
A decisão quase unânime de que o processo de demarcação não está maculado por vício administrativo e que a demarcação não atenta contra o patrimônio do Estado, trouxe para todas as demarcações realizadas de acordo com os critérios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 uma sólida jurisprudência, a saber:
O procedimento administrativo de demarcação das Terras Indígenas é constitucional;
A demarcação deve ser feita de forma integral ou contínua, e não em forma de “ilhas”;
A demarcação em faixa de fronteira não compromete a integridade territorial do país e a defesa da soberania nacional pelas Forças Armadas;
Os direitos indígenas à terra são originários. A Constituição Federal de 1988 é o marco temporal para aferição deste direito. Os povos que não estivessem na sua posse nesta data porque foram impedidos não perdem este direito.
A demarcação é um ato do poder executivo e não do poder legislativo.
Os direitos ambientais e os direitos originários dos índios sobre a terra e o uso dos seus recursos naturais são conciliáveis.
A demarcação de uma Terra Indígena não inviabiliza a existência de unidades da federação (estados e municípios) e nem compromete o seu desenvolvimento econômico.
Ocorre, porém, que as “salvaguardas” podem permitir interpretações que restringem direitos e causam danos aos povos indígenas, o que contraria disposições infraconstitucionais, constitucionais e internacionais às quais o Brasil se obrigou. Entre elas, destacamos:
1. O relator do caso estabeleceu a data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, como marco temporal para a aplicação do direito à terra. A aplicação desse direito exige a prova da tradicionalidade da ocupação: os povos indígenas têm que demonstrar a ocupação efetiva das terras em 1988. O STF ressalvou o direito daqueles povos que não estavam ocupando a terra em 1988 em razão de expulsão por parte de terceiros. Ocorre que a fixação de um marco em 1988 abriu a possibilidade para a interpretação de que se há títulos dominiais concedidos antes de 1988 e os índios nela não se encontravam nesta data, as terras não seriam indígenas.
2. A ampliação de TI demarcada foi veda-da. Esta condição contraria o dispositivo constitucional quanto ao direito dos índios à terra, considerado imprescritível. Se a administração errou ao demarcar e/ou não considerou os quatro critérios constitucionais é legalmente possível pedir a reparação deste erro. Atualmente existem na Funai cerca de 90 pedidos de revisão de demarcação de TIs. Assim, por lei, é vedada ampliação apenas se a demarcação observou os critérios constitucionais de 1988.
3. O usufruto indígena em Unidade de Conservação sobreposta à Terra Indígena é de responsabilidade do ICMBio, com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos, as tradições e os costumes indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da Funai. O ICMBio deve considerar a participação indígena e a forma que os índios usam a área de sobreposição, partindo da discussão sobre gestão compartilhada iniciada para criar a gestão participativa.
4. O ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas; nem poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público, tenham eles sido excluídos expressamente da homologação, ou não. Esta restrição pode impedir os povos indígenas de praticarem atividades de geração de renda como o turismo, além de ser discriminatória em relação aos demais brasileiros que podem ser indenizados por danos causados aos seus direitos.
Estas salvaguardas ou condicionantes, não fazem parte do objeto de pedir da ação que foi julgada: a anulação do procedimento de demarcação, portanto não foram submetidas ao debate e ao contraditório, surgiram de uma inovação na técnica jurídica que busca orientar decisões futuras. A interpretação destas salvaguardas deve, portanto, considerar de maneira coerente, a decisão integral do STF sobre o caso, a sólida legislação brasileira indigenista, incluindo a legislação internacional a qual o país se obrigou, sob pena de violar direitos indígenas.
5.2. Gestão, manejo e proteção das Terras Indígenas
Leandro Mahalem de Lima
Desde a Constituição de 1988, as políticas direcionadas aos povos indígenas passam por diversas transformações, voltadas à criação de alternativas concretas e de longo prazo ao modelo tutelar que vigorou até então. Estas políticas gradualmente se tornam plurais e descentralizadas, realizadas por diferentes ministérios, que atuam em parceria com agências de cooperação internacional e ONGs. O estímulo à participação e à corresponsabilidade dos povos indígenas na gestão das políticas a eles destinadas é a premissa elementar a orientar o conjunto das novas ações indigenistas.
Como destaca Bruce Albert,[22] o fim dos anos 1970 e a década de 1980 foram marcados por mobilizações dos povos indígenas e seus parceiros, centradas na defesa de seus territórios e na conquista de direitos. A partir da década de 1990, com o avanço formal das garantias constitucionais e das demarcações das Terras Indígenas, o desafio político se volta para a criação e a consolidação participativa de mecanismos de gestão, manejo e proteção das TIs. Como articular os modos tradicionais de ocupação e manejo com as novas estratégias de sustentabilidade ambiental e territorial? Como promover o diálogo intercultural, de modo que as políticas públicas possam incorporar plenamente, e de modo integrado, as demandas, práticas e categorias dos povos indígenas?
No caso da Amazônia Legal, região que abriga 98,6% da área das Terras Indígenas do Brasil, a consolidação e a ampliação dos processos de gestão participativa devem ser enca-radas como necessidade de primeira urgência.
Além das pressões históricas, como a migração, a ocupação desordenada, a grilagem de terras e o desmatamento, é preciso considerar a especificidade do momento atual, marcado pela construção de projetos de grande porte previstos no Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC). As novas estradas, portos, hidrelétricas, mineradoras, entre outros empreendimentos, trarão novos impactos e intensificarão ainda mais as pressões já existentes sobre os povos indígenas da região.
Em todas as TIs, tanto nas que ainda mantêm um bom estado de preservação ambiental, quanto naquelas que apresentam degradação, é necessário que as discussões e projetos avancem a passos largos. O apoio e o estímulo sistemático do Governo Federal e das organizações parceiras são fundamentais para que as ações participativas sejam efetivamente implantadas e ampliadas. Nestes processos, almeja-se que os diferentes povos possam avaliar da melhor forma a conjuntura em que se encontram, para, a partir disso, construir à sua maneira, modelos efetivos de gestão, manejo e proteção das TIs em que habitam.
Indefinição dos conceitos de gestão, manejo e proteção das TIs
Conforme determina a Constituição Federal de 1988 (Art. 231), as estratégias de conservação ambiental das Terras Indígenas devem estar intimamente articuladas às estratégias e às noções de conservação dos próprios indíge-nas. Deste modo, destacamos que é fundamen-tal não confundirmos as políticas de gestão, manejo e proteção de TIs com as políticas de gestão ambiental das Unidades de Conservação que, em certos casos, podem ser desenvolvidas unicamente a partir de termos técnico-científicos das agências governamentais.
Desde a década de 1990, sobretudo a partir da criação do PPTAL[23] e do PDPI,[24] os conceitos de gestão, manejo e proteção de Terras Indígenas são alvo de variadas interpretações e propostas, que envolvem povos indígenas, especialistas, organizações parceiras e órgãos de Estado.
Na avaliação do PDPI, os problemas ambientais em Terras Indígenas estão, via de regra, associados aos seguintes fatores: 1) redução das terras originais ocupadas, acarretando a intensificação da exploração dos recursos; 2) aumento populacional em terras que são, por lei, finitas; 3) substituição de formas tradicionais de uso de recursos naturais por outras, mais intensas; 4) demanda externa por recursos existentes nas Terras Indígenas, aumentando a intensidade de exploração por índios e terceiros; e 5) novas demandas dos índios por bens manufaturados (apud Miller, 2008: 2).
O PDPI aponta também que a falta de diálogo e integração política entre os povos indígenas e os órgãos gestores, bem como o enfoque em aspectos unilaterais (autonomia territorial, conservação ambiental e proteção da biodiversidade, soberania alimentar ou geração de renda), podem acabar por acentuar as tensões e riscos que se almeja solucionar. Deste modo, as políticas de gestão, manejo e proteção de Terras Indígenas devem partir do protagonismo dos povos indígenas, que, junto a seus parceiros e aos órgãos públicos, poderão desenvolver as devidas estratégias para garantir a posse e o usufruto sustentável das TIs demarcadas.
O incentivo à participação indígena nos processos políticos que lhes interessam diretamente impulsiona a inserção de diversas lideranças em fóruns regionais, nacionais e internacionais. Tais fóruns abordam temas complexos que lhes cabem diretamente, como os serviços ambientais, os estoques de carbono e o patrimônio imaterial. Neste sentido, espera-se que a avaliação integrada desse amplo conjunto de questões possibilite a construção de “planos de vida”, reunindo alternativas concretas e duradouras para os desafios de gestão, manejo e proteção territorial das Terras Indígenas.
Para além dos resultados práticos, as reflexões e as alternativas geradas pelos povos indígenas também poderão trazer grandes contribuições para discussões globais sobre temas fundamentais da atualidade. Entretanto, para que estas iniciativas se realizem na prática, é preciso haver, antes de tudo, segurança jurídica e garantia dos direitos de usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre suas terras, de forma que não sejam invadidas ou ocupadas irregularmente.
Políticas Públicas relacionadas às TIs
Com o objetivo de efetivar a participação indígena na realização das políticas públicas direcionadas a eles, diversas reformas e programas vêm sendo implantados na esfera ministerial, no exercício de cooperação internacional e entre organizações parceiras.
Nos últimos anos, implementaram-se diversas reformas e programas com o objetivo de efetivar o paradigma participativo. Este é um desafio complexo, que, para ter sucesso, deve contar com as contribuições de todos os segmentos sociais envolvidos.
Em 2006, criou-se a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), com a participação de indígenas, do Estado e de ONGs. Esta Comissão, junto com a Funai, tem a tarefa de articular as ações estatais em defesa dos direitos indígenas, bem como de superar definitivamente o seu papel tutelar. Em 2009, a CNPI apresentou uma proposta de substituição do Estatuto do Índio de 1973[25] ao Congresso Nacional, que ainda aguarda votação. O novo texto propõe uma regulamentação integrada e participativa dos diversos temas da agenda indígena: o patrimônio e os conhecimentos tradicionais; a proteção e a gestão territorial e ambiental; as atividades sustentáveis e o uso de recursos renováveis; o aproveitamento de recursos minerais e hídricos; a assistência social; a educação escolar e o atendimento à saúde, ambos diferenciados.
Em 2008, no âmbito do MMA,[26] aprovou-se a Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI), orientada à implantação de ações de apoio aos povos indígenas na gestão e manejo sustentável dos recursos naturais de suas terras legalmente reconhecidas. Seu objetivo é contribuir, prioritariamente, com a proteção dos territórios e das condições ambientais necessárias à reprodução física e cultural, bem como ao bem-estar das comunidades indígenas. Os povos indígenas e as organizações parceiras agora debatem os objetivos e as diretrizes da PNGATI, com vistas a criar alternativas para a conservação da sociobiodiversidade nas TIs do Brasil.
No final de 2009, também com o objetivo de atualizar suas práticas e modos de funcionamento, o governo Lula anunciou um amplo plano de reestruturação da Funai (Decreto nº 7.056/2009), que promete oferecer maior capacidade de atuação nas áreas habitadas pelos povos indígenas[27].
Além dessas iniciativas, há diversos programas de fomento e apoio à gestão, manejo e proteção territorial, criados nos últimos anos. É o caso, por exemplo, do GEF Indígena, da Carteira Indígena, entre outros (quadro 9). Espera-se que estes debates e novos mecanismos se convertam efetivamente em políticas públicas participativas e eficazes. Para tanto, é absolutamente necessário que estes programas e projetos difusos se articulem entre si. Caso não haja integração e participação, as novas propostas poderão gerar ou mesmo agravar os problemas que, de início, se almejava solucionar.
[22] Fonte: http://pib.socioambiental.org/pt/c/iniciativas-indigenas/organizacoes-indigenas/na-amazonia-brasileira.
[23] Sobre o Programa Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Ama-zônia Legal (PPTAL) veja o Quadro 8.
[24] Em 2001, por meio da cooperação internacional (PPG7), foi criado (e encontra-se hoje em fase final de avaliação), o Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI), sediado em Manaus e realizado pela Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA) do MMA. A demanda partiu dos próprios povos indígenas, que reclamavam da dificuldade de acesso a programas governamentais de apoio. Amplamente estimulada, sua implementação traz o desafio de garantir a sustentabilidade dos territórios demarcados
[25] O Estatuto do Índio de 1973, de bases integracionistas, ainda hoje está vigente. Entre 1991 e 1994, o Congresso Nacional recebeu uma primeira proposta de substituição ao texto, jamais votada. Neste novo contexto, espera-se que o Congresso vote a atual proposta de substituição do texto em regime de urgência.
[26] O desafio da gestão ambiental em TIs foi definido como atribuição do MMA, em 19 de maio de 1994, no Decreto nº 1.141, que “dispõe sobre as ações de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as comunidades indígenas” (Verdum, 2006: 05). A responsabilidade do Ministério não se restringe à área interna delimitada pelo perímetro da TI, mas abarca também o seu entorno e as atividades que, realizadas fora da TI, podem promover impactos nas condições de vida da população indígena. Incluímos nessa situação, como exemplo, os casos de poluição de águas fluviais situadas à montante do limite das TIs e que por dentro dela passam (Verdum, 2006: 06).
[27] Por meio da reforma da Funai, as Administrações Executivas Regionais (AERs) e Postos Indígenas (PIs) foram substituídos por Coordenações Técnicas Locais e Regionais, formadas por técnicos qualificados, contratados por concurso, que passam a desenvolver ações participativas junto aos povos indígenas envolvidos. Esta estrutura prevê a criação de Conselhos Consultivos, por meio dos quais os indígenas e as organizações parceiras participam diretamente na formulação, implantação e gestão das políticas públicas a eles destinadas. Além disso, está prevista a criação de 3,1 mil cargos a serem preenchidos até 2012. A nova estrutura pretende, conforme sua direção, superar os impasses históricos do órgão indigenista oficial. Apreensivos, diversos povos se posicionaram contra as mudanças e reclamaram de falta de consulta prévia prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Quadro 9. Programas e projetos setoriais voltados para Terras Indígenas brasileiras.
Dentre as pressões de atividades humanas sobre as Unidades de Conservação e as Terras Indígenas da Amazônia Legal, analisamos o desmatamento, a atividade madeireira, a construção de estradas e a mineração.
O desmatamento significa perda de hábitat para muitas espécies e desequilíbrio dos ecossistemas que a UC pretende preservar. A atividade madeireira, quando realizada de forma predatória, pode afetar e comprometer a integridade da floresta. Em algumas áreas isoladas, madeireiros ilegais abrem vias de acesso irregulares, expondo a floresta aos impactos indiretos da conexão destas vias com estradas ou com rios navegáveis.
As estradas são vias de penetração de extrativistas ilegais – madeireiros, garimpeiros, caçadores, traficantes de animais silvestres, biopiratas – e também de disseminação das queimadas. As estradas também têm impactos sobre a biodiversidade, seja pelo atropelamento de animais ou pela introdução de espécies exóticas invasoras.
Na mineração, há casos de impactos severos sobre a floresta, os leitos dos rios e a qualidade das águas. Acrescenta-se a isso toda a movimentação garimpeira, com histórico de invasões, violência e desrespeito ao patrimônio natural e temos um cenário de graves conflitos socioambientais, justificando a preocupação com o número de pedidos de lavra em Áreas Protegidas hoje em andamento.
6.1. Desmatamento nas Áreas Protegidas da Amazônia Legal
Alicia Rolla e Rodney Salomão
O desmatamento acumulado até julho de 2009 nas áreas florestadas da Amazônia Legal[28] foi de 735.373 km2. Deste total, nas áreas de floresta no interior das Áreas Protegidas – isto é, hoje protegidas por Unidades de Conservação e Terras Indígenas[29] – foi registrado o corte de 25.739 km2, ou seja, 3,5% de todo desmatamento ocorrido na região.
Do total desmatado em Áreas Protegidas, 13.249 km2 foram registrados em UCs e 12.481 km2 em TIs. Somente na última década – de agosto de 1998 a julho de 2009 – o desmatamento nas Áreas Protegidas foi de 12.204 km2, metade de todo desmatamento ocorrido nas florestas destas áreas (figuras 11 e 12 e tabela 13).
Quando analisamos o desmatamento por categoria de Áreas Protegidas, as UCs federais de Uso Sustentável são as que mais possuem áreas desmatadas, chegando a 6.150 km2 ou 2,46% do seu território. As demais categorias de Áreas Protegidas têm um pouco mais de 1% do seu território desmatados (tabela 14).
[28] Considerando-se as Áreas Protegidas com sua configuração em dezembro de 2010. Não foi computado o desmatamento nas APAs nem nas TIs com restrição de uso pela Funai. As APAs por serem áreas pouco restritivas, mais direcionadas ao ordenamento territorial, que incluem áreas urbanas. As TIs com restrição porque a restrição de uso imposta pela Funai é uma determinação administrativa, destinada ao conhecimento do território. Os limites de tal interdição não serão obrigatoriamente os mesmos de uma eventual terra identificada.
[29] Dados de desmatamento do Prodes/INPE, acessados em julho de 2010. Os dados cartográficos referentes a 2010 ainda não estavam disponíveis até a data de fechamento desta publicação. As estimativas parciais para 2010 foram analisadas separadamente no quadro 10. O Prodes mapeia o desmatamento nas áreas florestadas da Amazônia Legal, o que exclui os encraves de cerrado amazônico e inclui áreas florestadas no bioma Cerrado.
Figura 11. Desmatamento acumulado nas Áreas Protegidas da Amazônia Legal até 2009.
Os números das tabelas 13 e 14 consideraram a configuração das Áreas Protegidas em dezembro de 2010. Entretanto, em muitos casos, o desmatamento verificado nas Áreas Protegidas ocorreu antes da criação da UC ou da homologação da TI.
Para verificar o ritmo de desmatamento posterior à criação/reconhecimento das Áreas Protegidas e constatar como a análise anteriorpode inflar os resultados, também analisamos os dados considerando o ano de criação das Unidades de Conservação e a data da homologação das Terras Indígenas (quando são ratificados os limites da TI já sinalizados no terreno pela demarcação física).
Figura 12. Desmatamento nas UCs e TIs da Amazônia Legal até 2009.
Tabela 13. Desmatamento acumulado em Áreas Protegidas da Amazônia Legal até 2009*
Como os dados de desmatamento utilizados (Prodes/INPE) só passaram a ser desagregados ano a ano a partir de 2001,[30] tal análise só foi possível a partir desta data. Assim, contabilizamos o desmatamento ano a ano sobre todas as UCs e TIs criadas ou homologadas até o ano imediatamente anterior.
O total acumulado de desmatamentos no período analisado é de 7.985 km2, aproximadamente um terço do desmatamento acumulado total nestas áreas (tabela 15 e figura 13).
A criação de UCs e o reconhecimento de TIs nem sempre são acompanhados por ações necessárias à sua consolidação territorial, como a demarcação física das terras, a retirada de invasores e a fiscalização contínua, o que explica parte do desmatamento pós-criação[31].
[30] Os dados oferecem o desmatamento acumulado até 1997, depois para o período de 1998 a 2000 e só então passam a ser ano a ano.
[31] Para maior contextualização de cada um dos casos acima, acesse a Caracterização Socioambiental de Terras Indígenas (http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php) e o Site de Unidades de Conservação na Amazônia Legal (http://www.uc.socioambiental.org).
Tabela 14. Proporção do desmatamento acumulado nas UCs e TIs da Amazônia*.
Observa-se que o desmatamento em UCs e TIs após 2001 segue ritmo semelhante. Após 2006 o desmatamento nas UCs é superior aodas TIs. Em números absolutos, as Unidades de Uso Sustentável apresentam maior área desmatada se comparadas às Unidades de Proteção Integral. Esse resultado não surpreende, pois as Unidades de Uso Sustentável ultrapassam em 129.312 km2 as Unidades de Proteção Integral,[32] e sua categoria permite o uso dos recursos naturais dentro de seus limites, embora a ocupação e a supressão de vegetação devam obedecer a regras específicas, visando à sustentabilidade.
[32] Sem considerar as APAs, as áreas marítimas das UCs e a sobreposição com TIs.
Tabela 15. Desmatamento anual nas Áreas Protegidas da Amazônia Legal após a criação das UCs e a homologação dasTIs (em km2).
Com relação à porcentagem anual de área desmatada (área desmatada no ano sobre a área de floresta das UCs criadas ou TIs homologadas até o ano anterior), as Unidades de Conservação federais e as Terras Indígenas (tabela 16 e figura 14) mantiveram-se abaixo dos 0,15%, enquanto as Unidades de Conservação estaduais apresentaram proporções mais altas, principalmente em 2003 (0,83%) e em 2005 (0,29%). A alta porcentagem nas UCs estaduais ocorreu, sobretudo, em função do desmatamento ocorrido na Florex Rio Preto Jacundá (RO), uma das muitas UCs que nunca foram implementadas em Rondônia, e no PES do Cristalino II (MT), localizado na frente de expansão agropecuária do norte do MT, nos limites do arco do desmatamento. De maneira geral, as UCs do grupo de Proteção Integral apresentam menor proporção de desmatamento, seguidas pelas TIs e as UCs de Uso Sustentável.
Figura 13. Desmatamento em Áreas Protegidas da Amazônia Legal após a criação das UCs e a homologação das TIs.
A partir de 2005 é observada forte queda no desmatamento nas Unidades de Conservação, coincidindo com a queda do desmatamento total da Amazônia. As Unidades federais de Uso Sustentável ainda apresentam incremento de área desmatada entre 2006 a 2007, porém seguido de queda entre 2008 e 2009.
Quanto à evolução, o desmatamento anual em Terras Indígenas é bastante semelhante ao observado nas Unidades de Conservação federais de Proteção Integral, ou seja, foi observado leve aumento em 2003, seguido de queda e estabilização nos anos seguintes. Por outro lado, as Unidades de Conservação estaduais tem sofrido maior impacto de desmatamento, em termos proporcionais.
Tabela 16. Proporção do desmatamento anual* nas UCs e TIs da Amazônia Legal em relação à extensão de floresta de cada grupo (%).
Figura 14. Proporção do desmatamento anual em relação à área de floresta das Áreas Protegidas da Amazônia Legal (excluídas as APAs).
Na comparação entre os grupos, as UCs de Uso Sustentável sofrem maior desmatamento proporcional do que as de Proteção Integral. Em geral, o desmatamento anual é maior em UCs que em TIs.
As 20 Áreas Protegidas mais desmatadas no período de 2001 a 2009 (exceto APAs e Terras Indígenas com restrição de uso) estão classificadas na tabela 17. Entre aquelas que apresentavam as maiores porcentagens de área desmatada estão a Florsu Mutum (32,7%),Florsu do Rio Vermelho C (21,08%) e Resex Jaci Paraná (19,88%). Com relação às Terras Indígenas, a proporção de desmatamento foi maior em Maraiwatsede (26,56%), Rio Pindaré (17,46%) e Apinayé (10,60%).
Quadro 10. Desmatamento recente – Dados SAD
Os dados consolidados e georreferenciados do Prodes referentes ao desmatamento ocorrido em 2010 não haviam sido divulgados até o fechamento desta publicação. Assim, complementamos as informações contidas neste capítulo com os dados do monitoramento mensal do desmatamento na Amazônia Legal realizado pelo Imazon, usando o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD). Este sistema opera desde abril de 2008.
Entre agosto de 2009 e janeiro de 2011 o desmatamento acumulado totalizou 2.345 km2. O desmatamento em Áreas Protegidas no mesmo período somou 382 km2,* ou seja, o equivalente a 16,3%do desmatamento total ocorrido na Amazônia Legal. As Unidades de Conservação foram responsáveis por 77,7% (296,7 km2) do total desmatado em Áreas Protegidas, enquanto as Terras Indígenas abrigam o restante, 22,3% (85,3 km2). (Mariana Vedoveto).
Fonte: Boletins Transparência Florestal da Amazônia Legal de Agosto de 2009 a Janeiro de 2011. Autores: Hayashi, S., Souza Jr., C., Sales, M. & Veríssimo, A. 2010 ou 2009. Link: https://imazon.org.br//novo2008/publicacoes.php?idsubcat=84&cat=Transpar%EAncia%20Florestal%20-%20Amaz%F4nia%20Legal
* Não foi considerada a data de criação das Unidades de Conservação nem a data de homologação das Terras Indígenas.
Tabela 17. Ranking das Áreas Protegidas com as maiores proporções de desmatamento de 2001 a 2009 em relação à extensão florestada da reserva (excluídas as APAs)*
Quadro 11. Desmatamento nas Áreas de Proteção Ambiental (APAs)
Em 2009, as APAs somavam 181.817 km2, o que corresponde a 15,5% do total de Unidades de Conservação da Amazônia Legal. Essa categoria de UC admite a permanência de propriedades rurais e cidades em seu interior, justificando sua análise em separado. Na Amazônia, a maioria delas foi criada em regiões sob grande pressão antrópica. Até julho de 2009, o desmatamento total nas APAs da re-gião atingiu 26.674 km2, dos quais a grande maioria (97%) ocorreu nas Unidades estaduais e apenas 3% nas federais. O desmatamento em APAs ultrapassa o total acumulado nas demais Áreas Protegidas, em igual período (até 2009). A soma dos desmatamentos em todas as Áreas Protegidas, incluindo as APAs alcança 52.513 km2.
Em termos proporcionais, as APAs mais desmatadas até 2009 são: APA do Igarapé São Francisco, com 68% da sua área desmatada, seguida da APA do Lago do Amapá (67%) e APA Lago de Santa Isabel (65%), todas localizadas no Acre. Com relação à área absoluta, a APA Baixada Ocidental Maranhense (MA) tem a maior área desmatada, com 8.687,7 km2. Em seguida aparece a APA das Reentrâncias Maranhenses (MA), com 6.035,9 km2; e a APA Triunfo do Xingu (PA), com 3.986,2 km2de áreas desmatadas. (Mariana VedoVeto).
Em termos de área desmatada após a criação (ta b e l a 18), as UCs com maior área desmatada são: Florex Rio Preto-Jacundá , com 684 km2; Resex Jaci Paraná, com 407 km2 e Rebio Gurupi, com 329 km2 desmatados. Com relação às Terras Indígenas, as maiores áreas desmatadas após a homologação foram verificadas em Maraiwatsede (384 km2); Xingu (259 km2) e Araribóia (128 km2)[33].
[33] Para maiores informações sobre pressão em cada uma das TIs e UCs, acessar http://www.socioambiental.org/uc/ ou http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php
Tabela 18. Ranking das Áreas Protegidas com as maiores áreas absolutas desmatadas após sua criação/homologação (excluídas as APAs)*
6.2. Exploração madeireira nas Áreas Protegidas
André Monteiro, Dalton Cardoso, Denis Conrado, Carlos Souza Jr e Adalberto Veríssimo
A atividade madeireira ilegal exerce forte pressão sobre as Áreas Protegidas da Amazônia, principalmente em áreas de fácil acesso por estradas e rios navegáveis (Barreto et al., 2005). Se realizada sem manejo, a exploração madeireira afeta severamente a biodiversidade, interferindo no equilíbrio entre espécies, animais e vegetais. E há impactos negativos associados ao acesso às árvores selecionadas para derrubada e ao arraste das toras.
Mas a maior pressão, de fato, é exercida pela extração predatória que tem penetrado nas UCs e TIs. Para ser legal, a extração de madeira deve constar do plano de manejo e obter licença do órgão ambiental competente. E só é possível em algumas UCs de Uso Sustentável e TIs. Em UCs de Proteção Integral, a atividade sempre é ilegal.
Para monitorar tanto a extração de madeira autorizada (manejo florestal) como a nãoautorizada (predatório e ilegal) pelo órgão ambiental, o Imazon desenvolveu o Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex). Com esse sistema também é possível identificar se a extração de madeira ocorre dentro de TIs e UCs. Atualmente, essa análise[34] é feita apenas para os estados do Pará e do Mato Grosso, onde estão as frentes mais ativas de extração madeireira.
No Pará, de acordo com o monitoramento da exploração madeireira feito pelo Imazon, entre agosto de 2007 e julho de 2008 aproximadamente 521,63 km2 (14% do total) da área afetada pela exploração madeireira ocorreu em Áreas Protegidas (Monteiro et al., 2009). No período seguinte – agosto de 2008 a julho de 2009 – houve queda expressiva na área afetada (60,72 km2) e em termos proporcionais (apenas 6% do total afetado) no Pará (Monteiro et al., 2010) (tabela 19).
[34] Esta análise é feita partir da sobreposição dos limites das Áreas Protegidas ao NDFI – Índice Normalizado de Diferença de Fração (Souza Jr. et al., 2005), originado pela imagem de satélite Landsat 5. NDFI é um índice que realça as cicatrizes do corte seletivo de madeira nas imagens de satélite. O índice varia de -1 a 1. Quanto maior o dano no dossel na floresta menor será o valor do NDFI e vice-versa.
Tabela 19. Exploração ilegal de madeira nos Estados do Pará e Mato Grosso entre agosto de 2007 e julho de 2009*
De agosto de 2007 a julho de 2008, a exploração ilegal de madeira em Áreas Protegidas no Pará atingiu 521,63 km2 de florestas. Desse total, a maioria (83%) se concentrou em TIs, enquanto o restante (17%) foi detectado em UCs. Entre as áreas mais afetadas, a TI Alto Rio Guamá foi responsável por 56% (230,54 km2) do total, seguida da TI Sarauá (79,54 km2). Das UCs, as mais afetadas foram as Flonas do Jamanxim (36,45 km2) e de Caxiuanã (22,39 km2).
Entre agosto de 2008 e julho de 2009, a exploração ilegal de madeira em Áreas Protegidas no Pará caiu para 60,72 km2 de floresta. Desse total, a grande maioria (87%) ocorreu em TIs, enquanto 13% foram observados em UCs. A TI Alto Rio Guamá foi novamente a área mais afetada com 47,27 km2 de área explorada ilegalmente. Entre asUCs, a exploração ilegal de madeira ocorreu principalmente na Flona do Trairão (5,50 km2).
No Mato Grosso, a área afetada pela exploração madeireira ilegal em Áreas Protegidas correspondeu a apenas 2% (24,59 km2) do total entre agosto de 2007 e julho de 2008. Porém, no período seguinte – agosto de 2008 a ju-lho de 2009 – subiu tanto em termos absolutos (80,65 km2) como em termos proporcionais (7%) (tabela 19 e figura 15).
Figura 15. Exploração madeireira autorizada (manejo florestal) e ilegal entre agosto de 2007 e julho de 2009 nos Estados do Pará e Mato Grosso*
Em Mato Grosso, no período de agosto de 2007 a julho de 2008, a grande maioria (83%) da exploração ocorreu em TIs, enquanto 17% foram verificadas em UCs.Entre as TIs, as mais atingidas pela exploração ilegal de madeira foram a Irantxe e a Zoró. Entre as UCs mais afetadas constam o Parna dos Campos Amazônicos e o PES Serra de Ricardo Franco.
Houve aumento na exploração ilegal de madeira em Áreas Protegidas em Mato Grosso no período mais recente (agosto de 2008 a julho de 2009). A área explorada atingiu 80,65 km². Desse total, a grande maioria (95%) ocorreu em TIs, e as mais afetadas foram a Aripuanã e a Zoró. Dentre as UC, a Resex Guariba/Roosevelt foi a mais explorada.
6.3. O impacto das estradas nas Áreas Protegidas
Julia Ribeiro, Carlos Souza Jr e Rodney Salomão
As estradas não oficiais definem uma nova dinâmica de ocupação na Amazônia. Sem alarde, os atores locais constroem milhares de quilômetros dessas estradas em terras públicas. Essas vias facilitam a grilagem, o desmatamento, as queimadas e a exploração predatória de madeira, além de ampliar os conflitos pela posse da terra (Souza et al., 2005).
Para avaliar a pressão exercida por estradas não oficiais estabelecemos um índice: quilômetro de estrada por 1.000 km2 de Áreas Protegidas. Em 2007, as Áreas Protegidas apresentaram um total de 79,1 km de estrada para cada 1.000 km2 (figura 16). Nas Terras Indígenas, o índice somou 14,3 km de estrada/1.000 km2. As Unidades de Conservação Estaduais de Uso Sustentável apresentavam 18,3 km de estrada/1.000 km2, enquanto as Unidades Estaduais de Proteção Integral eram cortadas por 13,4 km de estrada/1.000 km2. As Unidades Federais de Uso Sustentável apresentavam a maior quilometragem de estradas: 23,3/1.000 km2; já as federais de Proteção Integral apresentavam 13,4 km. Em média, as Áreas Protegidas são ocupadas por 15,82 km de estrada/1.000 km2.
Figura 16. Densidade de estradas oficiais e não oficiais nas Áreas Protegidas da Amazônia até 2007.
A densidade de estradas é significativamente maior no entorno (área de amorteci-mento = raio de 10 quilômetros)[35][36], das Áreas Protegidas, sendo mais expressiva no entorno das TIs e UCs Estaduais de Proteção Integral (figura 17). Por outro lado, a densidade é expressivamente menor nas Unidades Federais de Proteção Integral, pois estão geralmente localizadas em regiões isoladas ou cercadas por outras UCs e TIs nos mosaicos de Áreas Protegidas (figura 17).
Para mitigar o avanço e os impactos causados pela abertura de estradas não oficiais recomenda-se que o poder público priorize a fiscalização dos locais mais críticos; estabeleça novas Áreas Protegidas, preferencialmente no sistema de mosaico e nas áreas em fronteira com locais de ocupação aberta, e invista em regularização fundiária (Souza et al., 2005).
[35] A Resolução Conama nº 378, de 19/09/2006, institui que a exploração de florestas e formações sucessoras que envolva manejo ou a supressão de florestas e formações sucessoras em imóveis rurais são permitidas em uma faixa de dez quilômetros no entorno de TIs, desde que precedida de informação georreferenciada à Funai.
[36] A Resolução n° 428, de 17/12/2010, dispõe que, durante o prazo de 5 anos, contados a partir da publicação desta resolução, o licenciamento de empreendimento de significativo impacto ambiental deve garantir que o mesmo estará localizado a uma faixa de 3 mil metros de distância de UC em zona de amortecimento estabelecida.
Figura 17. Estradas oficiais e não oficiais nas Áreas Protegidas da Amazônia até 2007.
6.4. Mineração empresarial nas Áreas Protegidas
Alicia Rolla e Cícero Cardoso Augusto
Em setembro de 2010, mais de 30% das Áreas Protegidas da Amazônia Legal estavam sob a incidência de 11.691 processos minerários,[37] entre solicitações de pesquisa e processos autorizados (figura 18). As Unidades de Conservação estaduais de Proteção Integral são as mais afetadas, com 36% de sua área sob incidência de processos minerários (tabela 20). As Terras Indígenas apresentam 37% de sua extensão com incidência de processos minerários.
Do total de processos incidentes, 1.338 são titulados e 10.348 são processos conhecidos como “interesses minerários”, uma vez que ainda não há autorização concedida (tabela 21 e figura 19). As Unidades de Conservação de Uso Sustentável detêm a maior quantidade de títulos incidentes e interesses minerários. Entre eles, destacam-se os requerimentos de lavra garimpeira, como os que ocorrem na Flota do Paru, que soma mais de 400 do total de 447 requerimentos em Unidades estaduais, e nas Flonas do Jamanxim e do Crepori, criadas sobre a reserva garimpeira do Médio Tapajós (tabela 21).
Nas Unidades de Conservação de Proteção Integral não é permitida a exploração de recursos naturais, de modo que os processos titulados incidentes ou foram autorizados irregularmente ou se tornaram irregulares a partir da criação da área protegida. Os títulos localizados nessas áreas são passíveis de anulação (ISA, 2006).
A UC Federal de Proteção Integral com mais títulos incidentes é o Parna do Mapinguari (AM). O parque tem 49 títulos, dos quais 9 são concessões de lavra (cassiterita) e 9 são lavras garimpeiras (ouro), sendo a maior parte autorizada ainda antes da criação do parque, em 2008, e, principalmente, na área ampliada em 2010 sobre o Estado de Rondônia.
[37] Análise com base em dados do Cadastro Mineiro obtidos do site do DNPM, em setembro de 2010, que apresentaram 44.573 processos válidos na Amazônia Legal brasileira, sendo 12.616 títulos e 31.957 interesses.
Tabela 20. Processos minerários incidentes em Áreas Protegidas na Amazônia Legal em julho de 2010 (em km2).
Figura 18. Processos minerários incidentes em Áreas Protegidas da Amazônia em 2010.
Figura 19. Número de processos minerários incidentes em UCs e TIs em 2010.
Tabela 21. Número de processos minerários incidentes nas Áreas Protegidas, por fase, em 2010.
A Esec estadual do Grão Pará, criada em 2006, possui atualmente 54 títulos ativos incidentes, 50 dos quais são autorizações de pesquisa de alumínio e minério de alumínio para a Empresa Rio Tinto Desenvolvimento. Hoje, 34 Unidades de Conservação de Proteção Integral possuem um total de 248 títulos incidentes.
No caso das TIs, a Constituição Federal de 1988 determina que a exploração do subsolo desses territórios só poderá ser feita mediante a aprovação do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades indígenas afetadas. Essa determinação deve ser regulamentada por Lei (ISA, 2005), o que não ocorreu até dezembro de 2010. Nesse sentido, há um projeto de Lei tramitando em uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados. No vácuo da lei, a TI Xipaya possui o maior número de processos incidentes: 82 autorizações de pesquisa, todas anteriores à identificação da área.
Entre as UCs de Uso Sustentável, a Flona de Carajás tem mais títulos incidentes: 83. Somados a outros 78 requerimentos de pesquisa e áreas em disponibilidade, os títulos ocupam praticamente 100% da UC. Entre as Unidades estaduais de Uso sustentável, destacam-se as Flotas do Amapá e do Paru, com 130 e 78 títulos incidentes, respectivamente.
Embora passível de exploração mineral em algumas categorias, a principal atribuição de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável é a proteção ambiental. Entretanto, algumas Flonas possuem praticamente 100% de sua área sob interesses minerários (tabela 22).
Tabela 22. Relação de UCs e TIs com maior proporção de sua área sob processo minerário*
6.5. Ameaças formais contra as Áreas Protegidas na Amazônia Legal
A criação de Áreas Protegidas na Amazônia contribui para a redução do desmatamento[38]. Contudo, apesar disso, há iniciativas formais para reduzi-las em tamanho ou em grau de proteção.
Alterações e propostas de alteração de Áreas Protegidas
Elis Araújo e Paulo Barreto
Estudo do Imazon[39] realizado em 2010 analisou 37 propostas formais para alterar 48 Áreas Protegidas da Amazônia: 25 UCs estaduais, 16 UCs federais e 7 TIs. A maioria (68%) das iniciativas ocorreu entre 2005 e 2010. As alterações foram propostas por meio de projeto legislativo – leis ou decretos, projetos de lei ou de decretos em tramitação – (em 69% das Áreas Protegidas estudadas); ZSEE (Zone-amento Socioeconômico-Ecológico) do Estado de Rondônia[40] (25%); ação judicial (19%); decreto executivo (4%) e portaria (4%)[41]. Até 15 de julho de 2010, 24 propostas (65% do total) foram concluídas e 13 estavam inconclusas. Dos casos concluídos, 7% resultaram na manutenção do tamanho original das Áreas Protegidas (114.124 km2) enquanto 93% resultaram em sua supressão (perda da proteção legal), num total de 49.506 km2 (ta b e l a 23).
A manutenção dos limites originais de Áreas Protegidas ocorreu via Judiciário em ações que contestavam a demarcação de duas Terras Indígenas já homologadas: TI Yanomami e TI Raposa Serra do Sol.
Os projetos legislativos somaram 22.601 km2 ou 46% da área total suprimida. Desses projetos legislativos, 82% eram estaduais. Rondônia foi o Estado com mais Áreas Protegidas alteradas (21), sendo 7 UCs reduzidas e outras 14 extintas. Em seguida aparece Mato Grosso com 4 UCs estaduais reduzidas.
As supressões realizadas foram motivadas por títulos de posse ou propriedades anteriores e posteriores (inclusive assentamentos do Incra) à criação da Unidade de Conservação ou homologação da Terra Indígena; projetos de infraestrutura (como a construção de estradas); projetos agropecuários, entre outros. Além disso, apenas duas das 48 Áreas Protegidas estudadas tinham situação fundiária totalmente regularizada; entre as UCs, 29 delas não possuíam conselho e 35 não possuíam plano de manejo.
Ao término da pesquisa (15 de julho de 2010), 29 Áreas Protegidas haviam sido alteradas e 18 aguardavam a conclusão de projetos legislativos e de ações judiciais sobre a situação de 86.538 km2. A maioria (89%) dos casos em indefinição depende de oito projetos legislativos em tramitação na Câmara e no Senado, que ameaçam 84.641 km2 de 15 Áreas Protegidas. O Estado do Pará possui o maior número (13) de Áreas Protegidas ameaçadas de alteração, sendo 2 TIs e 11 UCs federais.
[38] Exemplo em Adeney, J. M.; Christensen Jr., N. L.; Pimm, S. L. Reserves Protect against Deforestation Fires in the Amazon. Plos One, abr. 2009. Disponível em: http://bit.ly/9l7FW9. Acesso em 15 abr. 2009.
[39] Essa seção foi baseada em Araújo, E. & Barreto, P. 2010. Ameaças formais contra as Áreas Protegidas na Amazônia. Estado da Amazônia n.16. Belém: Imazon, 6p. Disponível em: http://bit.ly/cQvLma.[
[40] O ZSEE de Rondônia foi destacado no estudo porque, embora estabelecido por uma lei, não foi a letra dessa lei que determinou as alterações nas UCs estaduais e sim a interpretação que o Poder Executivo estadual deu a ela.
[41] A soma dos percentuais não é igual a 100 porque algumas Áreas Protegidas apresentavam mais de um tipo de proposta de alteração.
Tabela 23. Resultados das iniciativas de alteração de 48 Áreas Protegidas da Amazônia até julho de 2010.
A desafetação das Unidades de Conservação em Rondônia[42]
Silvia de Melo Futada
Com o avanço no processo de instalação da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Porto Velho, houve trocas dos territórios de Unidades de Conservação entre a esfera estadual e federal com revogações de UCs estaduais e incorporação de seus territórios ao Parna do Mapinguari e Esec de Cuniã. Depois disso, no dia 20 de julho de 2010, a Assembleia Legislativa de Rondônia revogou outras seis UCs, totalizando mais de 9.730 km2 (tabela 24).
Os dois parques, as três florestas e a reserva estadual revogados nessa data (Figura 20) foram criados em 1990, no contexto do Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia (Planafloro). A criação destas e de outras Áreas Protegidas estaduais foi uma condição para o desembolso do empréstimo do Banco Mundial para o Planafloro. Entretanto, nenhuma de tais unidades chegou a ser efetivamente implementada.
[42]Fonte:http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3135.
Tabela 24. Síntese das alterações territoriais no sistema de Unidades de Conservação estadual de Rondônia em 2010.
Figura 20. UCs estaduais de Rondônia revogadas em 2010.
O próprio Zoneamento Socioeconômico e Ecológico do Estado de Rondônia (ZSEE), publicado em 2000 (Lei Complementar Estadual nº 233/2000), ignorou a existência destas UCs estaduais. A desafetação só cristalizou um pro-cesso há anos instalado de fato.
Terras Indígenas em pauta no Congresso Nacional
Ana Paula Caldeira Souto Maior
O Congresso Nacional, com competência para legislar sobre os direitos indígenas, tem refletido as insatisfações de setores contrariados principalmente com a demarcação das Terras Indígenas. Nos últimos anos aumentaram as propostas na Câmara e no Senado que visam alterar a forma como a demarcação é realizada pelo poder executivo, submetendo-a à aprovação do Congresso, e sustar as portarias do Ministro da Justiça e os decretos do Presidente da República, que respectivamente declaram de posse indígena e homologam a demarcação das terras.
Estas propostas estão fadadas ao arquivamento, pois buscam alterar direitos considerados fundamentais – no caso das propostas de alteração da Constituição – ou por serem inconstitucionais – no caso das propostas de alteração de leis infra-constitucionais.
No caso das propostas em que o Legislativo busca exercer o controle de atos praticados pelo Executivo, estas tendem a não aprovação por se tratarem de atos relativos à demarcação de TIs considerados atos administrativos e não normativos, portanto, fora do controle do Legislativo. Apesar das poucas chances de aprovação, os parlamentares propõem tais alterações para atender suas bases eleitorais e financiadores e para fortalecer politicamente suas alianças. As organizações indígenas e de apoio, por outro lado, se articulam constantemente com parlamentares favoráveis à manutenção dos direitos indígenas.
Destas propostas, apresentam maior potencial lesivo aquelas que visam autorizar a exploração dos recursos hídricos em Terras Indígenas, seja para a geração de energia seja para a construção de hidrovias. Apesar de haver uma lacuna, em termos de legislação específica, no que diz respeito às condições sob as quais pode haver a exploração dos recursos hídricos, o Congresso aprovou, em tempo recorde e sem consulta prévia às populações afetadas, a construção da Hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu e possui mais cinco propostas em tramitação para aprovação de hidrelétricas e hidrovias – três delas estão situadas em Roraima afetando os povos das TIs Yanomami e Raposa Serra do Sol. A pressão para exploração do potencial hidroenergético da Amazônia vinda do poder executivo é grande. Na ausência de consulta prévia e de uma legislação que oriente a autorização pelo Congresso a tendência é a criação de conflitos que poderão se intensificar no futuro.
A exploração de recursos minerais em TI é objeto de uma proposta de 1996 que, mobilizada pelo setor mineral, voltou a tramitar em 2007, mas foi interrompida diante da articulação do movimento indígena. Esta articulação fez com que a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) promovesse uma consulta aos povos indígenas para a criação de um novo Estatuto dos Povos Indígenas (EPI) onde demanda que os temas referentes aos direitos indígenas sejam regulamentados, inclusive aquele relativo à exploração dos recursos minerais nos subsolos de TIs. Apesar de um pequeno avanço na tramitação do novo Estatuto, as duas propostas legislativas estão paradas e deverão voltar a tramitar em 2011.
Causam preocupação também as propostas de lei complementares que pretendem definir aquilo que é “o relevante interesse público da União”, e que exceptuam o direito de posse permanente à terra e os direitos de uso exclusivo dos povos indígenas. Tramitam três propostas no Congresso que, ao invés de estabelecer um procedimento que declare de maneira justificada o que é o “relevante interesse da União” em casos de atos que afetarão Terras Indígenas, declaram, de forma genérica e aleatória, que a construção de estradas, ferrovias e outros tipos de obras são de relevante interesse da União.
Positivamente foi apresentada proposta para criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que é composto paritariamente por representantes indígenas, indigenistas e do governo, com poder consultivo e deliberativo sobre as políticas públicas voltadas para os povosindígenas. O destravamento do Estatuto dos Povos Indígenas que estava há mais de uma década parado na Câmara, também pode ser positivo se for aprovado o conteúdo da proposta da CNPI, que prevê além da regulamentação do uso dos recursos hídricos e minerais, a regulamentação do poder de polícia da Funai e o pagamento por serviços ambientais.
Responsabilização de crimes ambientais nas Áreas Protegidas
Paulo Barreto, Marília Mesquita, Elis Araújo e Brenda Brito
Estudos do Imazon de 2009 revelaram que a impunidade de infratores ambientais predominava em processos administrativos e penais em âmbito federal[43]. A impunidade decorria da morosidade na conclusão dos processos e do baixo cumprimento de pena. Existem várias iniciativas em curso para mudar esse quadro, mas a maioria é recente e seus resultados, incipientes.
A análise dos 34 maiores casos de multas aplicadas por infrações ambientais em Áreas Protegidas do Pará indicou várias deficiências na punição de infratores pelo Ibama: até março de 2008, apenas 3% desses casos haviam sido concluídos; 3% estavam em fase de cobrança administrativa e 24% estavam em fase de recurso (administrativa ou judicial). A maioria (70%) ainda estava em fase de análise antes da homologação (confirmação) pelo gerente executivo, com possibilidade de recurso a outras instâncias[44]. O Ibama ainda descumpriu o prazo legal para homologação de todos os casos que passaram por esta fase[45].
A demora na conclusão dos casos está associada a vários fatores. Em 2008, por exemplo, o déficit de procuradores no Ibama da Amazônia Legal era de 54%[46] e do Pará, 33%. Essa escassez é agravada pelo subaproveitamento do tempo dos procuradores. Até maio de 2008, os procuradores deveriam avaliar todos os autos antes da homologação, mesmo aqueles cujos argumentos de defesa eram apenas protelatórios[47]. Esses casos refletem a impunidade generalizada de infratores de normas federais, pois apenas 10% das multas emitidas pelos órgãos da fiscalização federal são arrecadadas. Dentre esses órgãos, o Ibama é o campeão nacional de multas não arrecadadas, com 11,8 bilhões ou 58% do total[48].
A análise de 51 processos de crimes ambientais em andamento na Justiça Federal do Pará também mostrou deficiências na punição de criminosos ambientais: dois terços estavam em tramitação; 16% haviam prescrito[49] e 4% resultaram em absolvição por falta de provas. Apenas 14% dos processos levaram a algum tipo de punição. E, desses, em 4% os acordos já haviam sido cumpridos pelos acusados para evitar o processo (transação penal) ou suspendê-lo (suspensão condicional do processo), e em 10% os infratores ainda cumpriam as penas.
A morosidade nos processos judiciais inicia-se já na comunicação do crime à Polícia Federal ou MPF, o que favorece a prescrição dos crimes. Na fase de investigação, a morosidade está relacionada ao acúmulo de funções pelo delegado de polícia. No Judiciário, a demora se deve a rotinas cartorárias complexas que consomem até 73% do tempo total dos processos (principalmente o uso de cartas precatórias [50]). A soma das médias de todas as fases, des-de o período da pré-investigação (do momento em que ocorreu o crime até o momento de sua comunicação à Polícia Federal ou ao MPF), revelou que um caso de crime ambiental demora aproximadamente seis anos até ser julgado pelo Judiciário.
Várias medidas estão em curso para aperfeiçoar a responsabilização ambiental. Em âmbito administrativo, destaca-se a mudança das regras realizada em maio de 2009 para apurar infrações ambientais, com aumento no número de autoridades julgadoras e diminuição de instâncias recursais[51]. O Judiciário está realizando a virtualização processual[52] (processo judicial eletrônico, acessível via internet) e a especialização de varas federais em matéria ambiental[53].
A maioria dessas medidas é recente e será implementada de forma gradual, com resultados em médio e longo prazo. Portanto, é fundamental investir na prevenção de crimes ambientais. Por exemplo, deve-se manter as medidas tomadas pelo governo federal para conter o aumento do desmatamento na Amazônia a partir do final de 2007: 1) a restrição de crédito a imóveis acima de 400 hectares sem licença ambiental e sem titulação em todo o bioma amazônico; 2) o aumento das ações de fiscalização; 3) a corresponsabilização de quem compra produtos oriundos de áreas embargadas por desmatamento ilegal, que tem sido usada com sucesso contra a pecuária ilegal no Pará[54].
[43] Barreto, P.; Mesquita, M. 2009. Como prevenir e punir infrações ambientais em Áreas Protegidas na Amazônia? Belém: Imazon. 52 p. Disponível em: https://imazon.org.br//novo2008/publicacoes_ler.php?idpub=3638; e Barreto, P.; Araújo, E. & Brito, B. 2009. A Impunidade de Crimes Ambientais em Áreas Protegidas Federais na Amazônia. Belém: Imazon. 55 p. Disponível em: https://imazon.org.br//novo2008/arquivosdb/ImpunidadeAreasProtegidas.pdf
[44] Até julho de 2008, dependendo do valor da multa, o acusado poderia apresentar recursos de defesa em até quatro instâncias. Atualmente, o acusado pode apelar para até duas instâncias conforme Instrução Normativa Ibama nº 14/ 2009. Além disso, a qualquer momento a multa administrativa pode ser contestada judicialmente.
[45] Prazos estabelecidos conforme a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) e pela Instrução Normativa nº 08/2003 do Ibama.
[46] Segundo a portaria nº 956/2008 da Procuradoria Geral Federal (PGF) existiam apenas 22 de 48 procuradores necessários.
[47] Vulcanis, A. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por < marilia@imazon.org.br> em 17 abr. 2009.
[48] Ver mais detalhes em: Cabral, O. Calote bilionário. Revista Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/180209/p_062.shtml>. Acesso em: 25 fev.2009.
[49] Um crime prescreve quando o Estado não observa os prazos legais para iniciar e concluir o processo penal, bem como para aplicar a pena.
[50] Carta precatória é o meio pelo qual um juiz pede a outro de outra comarca que realize atos processuais em relação às partes dos processos – como citar e interrogar um réu, intimar e ouvir testemunhas – que estejam sob seu âmbito de atuação.
[51] Ver Decreto Federal nº 6514/2008 e Lei nº 11941/2009 e Instrução Normativa Ibama nº 14 de 15 de maio de 2009.
[52] CNJ (Conselho Nacional de Justiça). 2008. Projudi completa um ano de funcionamento no Rio Grande do Norte. Notícia de 17 de março de 2008. Disponível em <http://www.cnj.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3857&Itemid=167> Acesso em 19 mai. 2008.
[53] Resolução do Conselho da Justiça Federal n.º 102 de 14 de abril de 2010.
[54] Ver Barreto, P.; Silva, D. 2009. Os desafios para uma pecuária mais sustentável na Amazônia. O Estado da Amazônia n. 14. Belém: Imazon, 6p. Disponível em: https://imazon.org.br//novo2008/publicacoes_ler.php?idpub=3663
Houve grande evolução na criação de Unidades de Conservação na Amazônia nos últimos anos. No período de 2007 a 2010, porém, houve queda na quantidade de Unidades de Conservação criadas em relação ao período de 2003 a 2006. Além das grandes porções de área convertidas em UCs, esses territórios têm sido criados em áreas estratégicas para a conservação de espécies, ecossistemas e populações tradicionais; para o bloqueio de atividades ilegais, ordenamento territorial e desenvolvimento de atividades florestais sustentáveis. Em relação às Terras Indígenas, sua demarcação e homologação ocorrem a passos mais lentos. Embora grande parte dos territórios indígenas já tenha sido oficialmente reconhecida na Amazônia, ainda há grandes áreas a serem homologadas, além de conflitos com outras atividades econômicas e interesses diversos.
Os indicadores de gestão e de pressão apontam que o grande desafio é investir na implementação e fiscalização das Áreas Protegidas. No caso das Unidades de Conservação é preciso aumentar o número de planos de manejo concluídos e de conselhos gestores formados, bem como reforçar e qualificar o escasso quadro de funcionários lotados nas UCs da Amazônia Legal.
As Áreas Protegidas não estão imunes a ameaças. O desmatamento, as estradas, a mineração, a exploração madeireira e a tentativa de desafetação de algumas áreas são exemplos de impactos diretos sobre as Áreas Protegidas. Outros fatores, como a caça, a grilagem, a agropecuária, a fragmentação e os potenciais impactos indiretos gerados por projetos de infraestrutura não foram abordados, mas também constituem sérias ameaças sobre essas localidades, indicando que a pressão sobre as Áreas Protegidas é maior do que a considerada no presente trabalho.
Para garantir a integridade das Áreas Protegidas é importante coibir usos e ocupações irregulares e o desmatamento, por meio da fiscalização local e monitoramento remoto, garantindo às populações locais seus direitos exclusivos. Os órgãos ambientais (federais e estaduais) e o Ministério Público podem contribuir com a fiscalização e o monitoramento a partir do investimento em novos recursos tecnológicos para aumentar a eficiência e transparência de suas ações, aliado a um programa de auditoria, capacitação e treinamento dos seus quadros de funcionários.
A escassez de recursos humanos e a insuficiência de recursos financeiros serão os grandes desafios dos próximos anos para a consolidação das Áreas Protegidas na Amazônia. Programas como o PPG7 e o Arpa são fundamentais para a consolidação das Áreas Protegidas. As fontes de financiamento de Áreas Protegidas devem ser ampliadas e os mecanismos de transferência de recursos devem ser transparentes, garantindo a alocação coerente do que é arrecadado, não apenas aos órgãos gestores, mas também de forma a fortalecer iniciativas sustentáveis e cadeias produtivas que envolvam saberes tradicionais das comunidades envolvidas. Outras fontes de financiamento, como o Fundo de Compensação Ambiental, e as iniciativas de cooperação internacional, são instrumentos decisivos para assegurar o futuro das Unidades de Conservação e das Terras Indígenas como instrumentos de conservação da floresta Amazônica. Para otimizar os investimentos e os esforços envolvidos, é necessário ainda assumir o desafio de criar Áreas Protegidas de forma participativa e consolidar planos de gestão territorial das UCs e TIs, com foco em uma agenda socioambiental compartilhada.
Para o histórico de criação de Unidades de Conservação e de Terras Indígenas e avaliação de sua situação atual, foram consideradas as UCs criadas até dezembro de 2010 e as TIs em todas as fases do processo de reconhecimento. Foram consideradas as UCs federais e estaduais, com exceção das RPPNs. As Unidades Municipais e os Territórios Quilombolas foram excluídos das análises pela dificuldade em obter dados cartográficos sobre essas áreas.
O monitoramento da criação, implementação, gestão e situação das Unidades de Conservação da Amazônia Legal é feito principalmente pela leitura diária dos Diários Oficiais da União e dos Estados que compõem a Amazônia Brasileira (com exceção do Amapá, que não possui D.O. online), fontes oficiais de publicação dos atos normativos oficiais. Este levantamento inclui ainda as pesquisas e os projetos desenvolvidos em Unidades de Conservação, características físicas e históricas dessas áreas, exploração de recursos, conflitos e notícias publicadas. As informações são arquivadas no Sistema de Áreas Protegidas, desenvolvido pelo ISA. O perímetro das terras descritos nos documentos oficias de criação ou reconhecimento foi lançado sobre a base cartográfica oficial na escala de 1:250.000.
Para uma análise da área efetivamente protegida na Amazônia sob Unidades de Conservação e Terras Indígenas, subtraímos as áreas sobrepostas usando como hierarquia: a precedência das Terras Indígenas como territórios originários, seguida pela precedência das Unidades de Conservação de Proteção Integral sobre as Áreas de Uso Sustentável e, por último, a precedência do governo federal sobre o estadual. Dessa maneira, todas as áreas em sobreposição com Terras Indígenas foram consideradas como Terras Indígenas, e assim por diante. Para obter a porcentagem do território protegido, foram desconsideradas as áreas oceânicas.
Para a análise da gestão foi feito um esforço para validar as informações coletadas e detalhar o estado atual de formação e atuação dos conselhos gestores, elaboração dos planos de gestão e número de funcionários empregados nas Unidades de Conservação da Amazônia Legal, através de uma consulta realizada junto a todos os órgãos gestores (Oemas e ICMBio) em julho de 2010. A informação do Sistema de Áreas Protegidas foi submetida à correção, atualização e detalhamento dos dados não publicados pela imprensa oficial e foram atualizadas até dezembro de 2010. As Oemas dos Estados do Amazonas, Amapá, Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Roraima e Tocantins responderam aos ofícios enviados.
Para as análises de desmatamento nas Unidades de Conservação, utilizamos os desmatamentos mapeados pelo Prodes/Inpe, para os anos de 1997 a 2009, para o bioma Amazônia. Os dados de desmatamento foram cruzados com o mapa de Áreas Protegidas da Amazônia. Foram feitas duas análises: uma do desmatamento acumulado no que são hoje Áreas Protegidas, e em outra foram descontados os desmatamentos que ocorreram antes da criação das Áreas Protegidas.
Neste caso, para as TIs, consideramos como marco a data da homologação. A análise utilizou a configuração das Unidades de Conservação e Terras Indígenas em dezembro de 2010 e, por isso, não foram consideradas as diversas reduções ocorridas nas UCs estaduais, nem as UCs revogadas no Estado de Rondônia, que detinham os maiores índices de desmatamento. As proporções de desmatamento utilizaram a área de floresta das Áreas Protegidas que é objeto de mapeamento do Prodes/INPE. As APAs foram excluídas das análises, em virtude de apresentarem dinâmica de desmatamento e ocupação particulares. O ranking considerou apenas as Áreas Protegidas com área de floresta superior a 100 km2.
Para as análises da densidade de estradas nas Áreas Protegidas e seu entorno (raio de 10 quilômetros a partir dos limites da Unidade), foram utilizados os dados de estradas oficiais e de estradas não oficiais, mapeadas pelo Imazon, para o ano de 2007. Para a análise foi considerado o Bioma Amazônia, com exceção do Tocantins e Maranhão, e partes dos Estados de Rondônia e Mato Grosso.
This post was published on 26 de novembro de 2012
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