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Como reduzir a contribuição da pecuária brasileira para as mudanças climáticas?

Resumo

A agropecuária brasileira continuará sendo alvo de medidas para melhorar seu desempenho ambiental nos próximos anos. Isto porque em 2013 o setor foi responsável por 62% do total das emissões brasileiras de gases poluentes que causam as mudanças climáticas (gases do efeito estufa – GEE), apesar de ter contribuído com uma média de apenas 5,4% do PIB do país entre 2010 e 2013.
Segundo os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, do inglês Intergovernmental Panel on Climate Change) o aumento descontrolado das emissões aumentará os riscos climáticos em todo o planeta. Por exemplo, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e da Universidade de Campinas estimaram que o aquecimento global afetaria a produção de alimentos no Brasil e que as perdas poderiam somar R$ 7,4 bilhões em 2020. Além disso, a redução de chuvas em algumas regiões reduziria o potencial de produção hidroelétrica do país enquanto o aumento de chuva em outras aumentaria os riscos de enchentes e deslizamentos que afetam a população urbana. Para evitar tais riscos catastróficos pesquisadores do IPCC recomendaram que os países trabalhem para reduzir as emissões de GEE em cerca de 40% a 70% até 2050 em comparação com 2010.
Este estudo visa facilitar o engajamento dos diversos interessados do setor rural na tarefa de reduzir as emissões associadas à pecuária. A participação dos representantes do setor é essencial, pois em dezembro de 2015 196 países, incluindo o Brasil, deverão estabelecer novo acordo de metas para a redução das emissões de GEE a partir de 2020. O governo brasileiro deverá anunciar suas metas até outubro deste ano. Para o Brasil conseguir assumir compromissos efetivos de redução das emissões da pecuária, é necessário considerar as lições aprendidas nos últimos anos. Para isso, o relatório apresenta um diagnóstico das causas e da distribuição geográfica das emissões associadas à pecuária e as medidas prioritárias para reduzi-las e para tornar o setor mais sustentável.
As emissões da agropecuária são decorrentes tanto das queimadas de florestas para limpar o solo (desmatamento) quanto das atividades diretas da agropecuária. A contribuição da pecuária é a mais relevante, pois o rebanho bovino é grande (213 milhões de cabeças de gado); o gado emite o gás metano durante a digestão, o qual tem um potencial mais elevado de causar o aquecimento do planeta; e a produtividade é baixa, fazendo com que o gado demore a chegar ao ponto de abate e que ocupe grandes áreas. Além disso, o solo dos pastos mal cuidados também emite GEE, bem como a queimada de áreas desmatadas para a pecuária.
Políticas públicas, como a fiscalização e a criação de áreas protegidas, e políticas de mercado (como a moratória contra soja de novas áreas desmatadas) a partir de 2004 contribuíram para a redução de cerca de 80% da taxa de desmatamento da Amazônia até 2013. Mas as emissões diretas da agropecuária continuaram a aumentar.
Pesquisadores brasileiros e internacionais estimam que o Brasil poderá reduzir as missões da agropecuárias enquanto aumenta a produção de alimentos. Isto é possível porque existem tecnologias para melhorar o uso das áreas já desmatadas, especialmente os 52 milhões de pastos degradados no país. Por exemplo, pesquisadores de universidades e centros de pesquisa, como Embrapa e Inpe, estimaram que o aumento da produtividade dos pastos para cerca de 50% do potencial (em comparação com o uso atual de cerca de 33% do potencial) seria suficiente para atender a demanda por produtos agropecuários sem a necessidade de novos desmatamentos pelo menos até 2040.
Para combater o desmatamento o poder público deve continuar as boas práticas (fiscalização e implementação de Unidades de Conservação) e ampliar medidas inovadoras, como investigar e punir vários crimes associados à ocupação e desmatamento de terras públicas, incluindo associação para o crime, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
As empresas e o poder público devem aumentar a eficácia dos acordos dos frigoríficos pelo desmatamento zero na pecuária. Para isso, governos e empresas devem corrigir as falhas que favorecem a comercialização de gado de origem ilegal e ampliar a fiscalização para as fazendas de cria que fornecem os bezerros (fornecedores indiretos dos frigoríficos) para as fazendas de engorda. Além de contribuir com a redução das emissões, acordos eficazes ajudarão as empresas que compram produtos da pecuária da Amazônia (frigoríficos, redes de restaurantes e varejo, curtumes e indústria do couro) a reduzir os riscos legais e de reputação de se envolverem com crimes ambientais na região.
Para reduzir o desmatamento e melhorar a produtividade o poder público deve combater a sonegação do Imposto Territorial Rural (ITR). Atualmente, por falhas na cobrança, quem desmata para fins de especulação consegue manter extensas áreas improdutivas pagando um imposto muito baixo. Só na Amazônia havia 10 milhões de hectares de pastos sujos em 2012, segundo o Inpe e a Embrapa. Os recursos arrecadados pela cobrança eficaz do ITR, que podem chegar a vários bilhões de reais na Amazônia, poderiam ser destinados prioritariamente para apoiar a conservação e o aumento da produtividade agropecuária, incluindo a capacitação e extensão rural, especialmente para os pequenos produtores. Os municípios conveniados com a Receita Federal, que ficam com 100% do valor arrecadado do ITR, poderiam aumentar suas receitas se ajudassem na fiscalização das declarações do imposto. Municípios de estados com grandes áreas de pastos improdutivos, como Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Pará, são aqueles com maior potencial de aumentar a arrecadação do ITR ao mesmo tempo em que estimula o aumento da produtividade da agropecuária.
O grande volume de crédito rural subsidiado oferecido pelo governo federal poderia ser o principal instrumento de apoio direto à redução das emissões. Para a safra 2015-2016 serão R$ 212 bilhões, dos quais R$ 187,7 bilhões do Plano Safra e R$ 24,1 bilhões do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Para acelerar a adoção da agricultura de baixo carbono (ABC), o governo poderia criar uma meta de transição para que todo crédito rural focasse em técnicas ABC. Isso poderia ser feito em uma década, sendo que a cada ano dez por cento de todo o crédito seria destinado ao Programa ABC. Esta transição seria apoiada por outras medidas, como a capacitação massiva, como tem sido feito em outros países em desenvolvimento; a regularização fundiária e ambiental; e a simplificação das regras para arrendamento de terras, que facilitaria que produtores mais eficientes arrendassem áreas com segurança.
Adotar tais medidas é desafiador, mas o Brasil domina tecnologia e experiências para assumir um compromisso forte de redução das emissões associadas à pecuária. A atitude do setor poderá ser a mais influente em relação ao compromisso que o Brasil adotará e poderá também afetar o acordo global sobre clima. Se o setor rural brasileiro, que mais contribui com as emissões atuais, sugerir a adoção de metas significativas de redução, será mais provável que o governo brasileiro acate. Este caminho seria o mais positivo para o próprio setor e para o país. Ao adotar metas expressivas, o Brasil poderá negociar para que outros países grandes emissores também adotem metas que sejam suficientes para evitar catástrofes climáticas. Um acordo global fraco significará aumento de emissões e de riscos climáticos para a agropecuária e para todos.

1. Introdução

O clima do planeta está mudando por causa do aumento dos gases de efeito estufa (GEF) emitidos por atividades humanas, como a queima de combustíveis para o transporte e para geração de energia, o desmatamento (queima) de florestas, os cultivos agrícolas e a criação de animais. Segundo os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas[1] (IPCC, do inglês Intergovernmental Panel on Climate Change), entre 1880 e 2012, a temperatura média global aumentou 0,85°C e tem resultado em vários efeitos negativos (IPCC, 2014). Apesar de este valor parecer pouco, para cada aumento de 1° C, a produção de grãos cai em cerca de 5% (IPCC, 2014). Desastres associados ao clima, como secas, tempestades, enchentes, temperaturas extremas, quase que triplicaram no mundo no período 2010-2014 em relação à primeira metade da década de 1980 (The Economist, 2015).
Se as emissões de GEE continuarem aumentando, os riscos climáticos aumentarão. Por exemplo, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade de Campinas (Unicamp) estimaram que o aquecimento global afetaria a produção de alimentos no Brasil e que as perdas poderiam somar R$ 7,4 bilhões em 2020 (Assad et al., 2008). Pesquisadores de várias instituições brasileiras, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Universidade de São Paulo (USP), estimaram uma redução do volume de chuvas entre 15% e 20% na Amazônia, que levaria à baixa no nível dos rios da região (Marengo et al., 2007). Por sua vez, a redução do transporte de umidade atmosférica da Amazônia para as regiões Sul e Sudeste afetaria a agricultura e a geração de energia hidroelétricas. No Sudeste, aumentaria a intensidade e a frequência de eventos extremos como chuva, seca e temperatura. Tais eventos impactariam a agricultura, a saúde da população, a geração de energia e o abastecimento de água, como tem ocorrido recentemente.

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[1] O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas reúne milhares de cientistas de todo mundo e foi criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas. O IPCC é encarregado de revisar e avaliar as informações científicas sobre as mudanças do clima e seus impactos. Disponível em: https://www.ipcc.ch/organization/organization.shtml.

Fumaça de queimadas cobrindo aproximadamente 30 milhões de hectares no sudeste da Amazônia. Os pontos vermelhos indicam áreas com fogo ativo. As áreas em marrom são áreas desmatadas. Imagem capturada pelo sensor  Modis (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) embarcado no satélite Aqua da  NASA. Agosto de 2010. A imagem é cortesia de MODIS Rapid Response Team no Goddard Space Flight Center da Nasa. Descrição da imagem: Holli Riebeek.

 

Para reduzir os riscos climáticos, cientistas do IPCC recomendam a redução das emissões de GEE em cerca de 40% a 70%% até 2050 em relação ao ano de 2010 (IPCC, 2014). Por isso, governos, setor privado e a sociedade civil estão adotando compromissos legais ou voluntários para reduzir as emissões (medidas de mitigação). Por exemplo, os compromissos dos países têm sido discutidos em Conferências Climáticas desde 1994. Essas inciativas estão provocando e ainda deverão provocar mudanças significativas nas atividades que mais emitem os GEE.
No Brasil, o setor agropecuário tem sido e continuará a ser um dos principais alvos de iniciativas de mitigação por ser o principal emissor de GEE (Figuras 1 e 2). Em 2013, o setor gerou em torno de 62% do total das emissões brasileiras neste ano (Figura 2), apesar de contribuir com apenas 5,4% do PIB entre 2010 e 2013 (OECD/FAO, 2014)[2]. Suas emissões são as diretas (26,8%) e as decorrentes de mudanças do uso da terra (MUT), principalmente desmatamento, que somaram 34,8% (Figura 2).
As medidas contra o desmatamento na Amazônia são antigas e vêm sendo reforçadas desde 2004 (Brasil, 2004). Além disso, em 2009, o Brasil estabeleceu em sua Política Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC) a meta voluntária de reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões projetadas de todos os setores até 2020. As metas referentes à agropecuária são reduzir até 2020 80% do desmatamento médio da Amazônia ocorrido entre 1996 e 2005 (19.625 quilômetros quadrados) e em 40% a taxa média de desmatamento no Cerrado entre 1999 e 2008 (de 15.702 km2 para 9.421 km2), bem como adotar práticas agropecuárias de baixa emissão de carbono (ABC) suficientes para reduzir entre 174-217 milhões de toneladas de carbono equivalente (tC02e)[3].
O Brasil tem avançado em relação às metas já assumidas, especialmente a redução do desmatamento, como mostraremos na seção 3. Mas ainda deve reduzir as emissões diretas da agricultura, que aumentaram apesar da PNMC (Ver Piatto, 2015).
Novos compromissos privados e públicos que estão sendo discutidos para reduzir as emissões vão criar oportunidades e desafios para o setor. Por exemplo, em 2010, multinacionais reunidas no Fórum de Bens de Consumo (Consumers Goods Forum), que incluem grupos como
Walmart, Procter & Gamble e Nestlé, se comprometeram a atingir o desmatamento líquido zero[4] associado aos seus produtos até 2020 (The Consumer Goods Forum, s.d.). Além disso, em dezembro de 2015, representantes de 196 países vão se reunir em Paris na 21a Sessão da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP 21), da Organização das Nações Unidas (ONU), para estabelecerem um novo acordo de metas para a redução das emissões a partir de 2020[5]. O Brasil deverá apresentar sua proposta até 1º de outubro, a data limite determinada pela COP.
Este trabalho visa facilitar o engajamento dos diversos interessados do setor rural na missão de reduzir as emissões. Para isso, o relatório apresenta um diagnóstico das causas e da distribuição geográfica das emissões associadas à pecuária e as medidas prioritárias para reduzi-las e para tornar o setor mais sustentável. As recomendações foram baseadas nas lições brasileiras e internacionais sobre o combate ao desmatamento e a promoção da pecuária sustentável. Para avançar em um contexto de limitações orçamentárias consideramos que será necessário redirecionar recursos do orçamento já existentes e melhorar a gestão do patrimônio das terras públicas.

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[2] A cadeia total do agronegócio contribuiu com 17% do PIB entre 2010 e 2014 (OECD/FAO, 2014). Porém, esta contribuição deveria ser contrastada com as emissões indiretamente envolvidas na agropecuária, como transporte, energia, os quais não são incluídos nas emissões diretas da agropecuária.
[3] As diretrizes e metas da PNMC foram determinadas na lei nº. 12.187/2009 (Brasil, 2009) e no decreto nº. 7.390/2010 (Brasil, 2010).
[4] O desmatamento líquido zero significa que toda área desmatada deveria ser compensada pelo reflorestamento de área similar. Entretanto, para atingir emissões líquidas zero do setor florestal no curto prazo seria necessário reflorestar uma área maior do que a área que foi desmatada. Isto porque a floresta plantada não acumulará em um só ano todo o estoque de biomassa que existia em uma floresta nativa. Por exemplo, Brown & Zarin (2013) estimaram que para atingir emissões líquidas zero do setor florestal seria necessário plantar 30 hectares de floresta para cada hectare de floresta nativa desmatada.
[5] Ver detalhes sobre a COP 21 em: http://www.cop21.gouv.fr/es.

 

Figura 1. Fontes de emissões dos gases do efeito estufa no Brasil entre 2000 e 2013. Fonte dos dados: Seeg (2015).

Figura 2. Proporção das fontes de emissões dos gases do efeito estufa no Brasil entre 2000 e 2013. Fonte dos dados absolutos: Seeg (2015).

2. Características das emissões da pecuária e seus efeitos no desenvolvimento

No Brasil, a criação de gado emite grande quantidade de GEE por vários motivos. Primeiro, porque os bovinos são animais ruminantes e o seu processo de digestão envolve a formação de gás metano, que tem um potencial de contribuir para o efeito estufa 25 vezes maior do que o gás carbônico, o GEE mais comum (Observatório ABC, 2015c). Isso faz com que, em média, a produção de proteína pela pecuária bovina seja muito ineficiente em termos de emissões de GEE em comparação com outras fontes – por exemplo, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as emissões de GEE para produzir um quilo de proteína de gado bovino são cerca de seis vezes maiores do que para produção de frango e porco e 80% maiores do que para produção de pequenos ruminantes (Gerber et al., 2013).
O segundo fator para o alto volume de emissões da pecuária bovina no Brasil é o tamanho do seu rebanho, que é o segundo maior do planeta, somando cerca de 212 milhões de animais em 2013 (Figura 3) segundo o IBGE (2015). Isso significa que existe cerca de uma cabeça de gado para cada brasileiro, considerando a população de 202 milhões em 2014 segundo o IBGE (2014). A fermentação entérica realizada por todos esses animais gerou 76% das emissões do setor agrícola do Brasil em 2013 (Piatto et al., 2015).

 

Pasto sujo no leste do Pará
Segundo o Inpe e Embrapa, havia cerca de 10 milhões de hectares de pastos sujos e com regeneração de floresta na Amazônia em 2012. Estas áreas contribuíram duplamente para aumentar as emissões. Primeiro, pela queimada da floresta e, segundo, pela emissão de carbono do solo dos pastos degradados. Entretanto, se o pasto é abandonado por vários anos e a floresta regenerar naturalmente, o solo e a vegetação acumulam carbono.

 

O terceiro fator é que para alimentar este gado, o Brasil usa uma área de cerca de 220 milhões de hectares de pasto (Observatório ABC, 2015c). Os solos com pasto e culturas agrícolas emitiram 36% dos GEEs em 2013 (metade destes associados à pecuária – Piatto et al., 2015). As emissões provenientes do solo são maiores em pastos degradados, que somavam cerca de 52 milhões de hectares em 2013 (Observatório ABC, 2015c). A maioria destes pastos situava-se nos Estados de Minas Gerais e Bahia e nas regiões Centro-Oeste e Amazônia Legal (Figura 4).
Por fim, o quarto fator, é que a produtividade média da pecuária é relativamente baixa, com lotação de cerca de uma cabeça por hectare. Isso significa que o gado demora a crescer até o ponto de abate e, por isso, passa muito tempo emitindo gás metano e outros.
Para ampliar a produção, parte dos fazendeiros tem aumentado a produtividade, mas outros desmatam novas áreas apesar de que sobram pastos subutilizados. Assim, metade das emissões da pecuária está associada ao desmatamento. Parte do desmatamento tem ocorrido na Amazônia Legal, onde em torno de 65% das áreas desmatadas são pastos (Inpe/Embrapa, 2014) e onde o rebanho aumentou 70% entre 2000 e 2013, de 47 milhões para cerca de 80 milhões (Figura 3). No restante do país, o rebanho cresceu apenas 7% neste período. Assim, a contribuição do rebanho amazônico aumentou de 28% do total em 2000 para 38% do total entre 2000 e 2013.
Dessa forma, os dois campeões de emissões do país são os estados amazônicos do Pará e Mato Grosso, que geram altas emissões por causa do desmatamento e da agropecuária (Figura 5). Além disso, a baixa produtividade da pecuária, aliada ao desmatamento, faz com que os estados brasileiros com maiores proporções de emissões de GEE oriundas da agropecuária sejam os mais ineficientes em termos de emissões totais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) dos estados. Em geral, os estados da Amazônia foram os mais ineficientes (Figura 6). Por exemplo, Rondônia, Tocantins, Pará, Acre, Mato Grosso, Roraima e Maranhão tiveram mais de 85% das emissões oriundas da agropecuária e geraram cerca de R$ 400 e R$ 700 de PIB estadual por cada GtCO2eq emitida; enquanto que o Paraná, com 49% de emissões da agropecuária, gerou R$ 4.683 de PIB estadual por GtCO2eq emitida. O Pará e Mato Grosso geraram cerca de 2% do PIB nacional, mas emitiram o equivalente a 12% e 10% dos GEEs do país, respectivamente. Em resumo, a pecuária ineficiente e o desmatamento geram emissões altas em troca de pouco desenvolvimento econômico. Eliminar o desmatamento e aumentar a eficiência da pecuária será essencial para que os estados maiores emissores gerem um desenvolvimento com baixas emissões.

Figura 3. Rebanho bovino (milhões de cabeças) na Amazônia Legal, no restante do Brasil e no total do Brasil entre 2000 e 2013.  Fonte dos dados: IBGE (2015).

Figura 4. Distribuição dos pastos (hectares) degradados nos estados brasileiros em 2014. Fonte dos dados: IBGE (2014), apud Observatório ABC, 2015c.

Figura 5. Fontes de emissões de gases do efeito estufa nos estados brasileiros (GtCO2eq) em 2013. Fonte dos dados: Seeg (2015).

Figura 6. Estados com maior proporção de emissões de gases do efeito estufa oriundos da agropecuária e de mudanças do uso da terra são os que geram menor Produto Interno Bruto por unidade de emissão (R$/GtCO2eq). Fonte dos dados: Emissões (Seeg, 2015); PIB dos estados (IBGE, 2014).

3. Desafios e recomendações para reduzir as emissões da pecuária

Nesta seção, discutimos os desafios e oportunidades para tornar a pecuária mais sustentável e com menores emissões de GEE.
O combate ao desmatamento é o que tem apresentado os resultados mais relevantes na redução das emissões no Brasil. As políticas governamentais, pressões do mercado e ações da sociedade civil (incluindo a moratória da soja em 2006) ajudaram a reduzir em torno de 80% o desmatamento na Amazônia até 2013 em comparação com 2004 (Arima et al., 2014; Ricketts et al., 2010; Gibbs et al., 2015a; Gibbs et al., 2015b; Inpe, 2015), que, por sua vez, levou a uma redução de 79% nas emissões de GEE relacionadas às mudanças de uso da terra entre 2004 (pico recente) e 2013 (Figura 7). O governo federal (Brasil, 2014) estimou uma redução de 54% da taxa do desmatamento no Cerrado comparando a média do período 2003-2008 (1,4 milhão de hectares) com a taxa de 2010 (646.900 hectares). Entretanto, dados mais recentes para a Amazônia indicam que a área desmatada ainda continua expressiva, somando cerca de 500 mil hectares nos últimos três anos (Inpe, 2015). Para o Cerrado, inexistem dados após 2010 (Brasil, 2014), o que nos impede de fazer a mesma comparação.
A adoção de melhores práticas na pecuária vem ocorrendo, inclusive por causa da pressão contra o desmatamento (Ver exemplo em Barreto & Silva, 2013). Entretanto, a produtividade média ainda é muito baixa apesar do potencial de crescimento. Por exemplo, pesquisadores de universidades e centros de pesquisa, como Embrapa e Inpe, estimaram que o aumento da produtividade dos pastos para cerca de 50% do potencial (em comparação com o uso atual de cerca de 33% do potencial) seria suficiente para atender a demanda por produtos agropecuários sem a necessidade de novos desmatamentos pelo menos até 2040 (Strassburg et al., 2014). Além disso, segundo o Observatório ABC (2015), a adoção de medidas para tornar mais produtivos os 52 milhões de hectares de pastos degradados no Brasil (75% com recuperação de pastos e 25% com o uso da integração lavoura-pecuária e de lavoura-pecuária-floresta) possibilitaria evitar a emissão de 670 milhões de tCO2eq e de armazenar 1,1 bilhão de tCO2eq em dez anos (100 milhões tCO2eq por ano). Só a captura do carbono anual seria equivalente a cerca de 90% das emissões por transporte de passageiros em 2013 (cerca de 111 milhões de tCO2eq, segundo o Seeg (2015)). Ver no Quadro 1 exemplo de resultados das reduções das emissões de GEE em função da melhoria da produtividade da pecuária.

 

Gado em pasto bem cuidado no leste do Pará
A recuperação do pasto e o uso do pastejo rotacionado permitem aumentar a produção de capim e o seu melhor aproveitamento pelo gado. Nestas áreas, a produtividade pode aumentar entre três a quatro vezes em relação aos pastos degradados. O solo pode voltar a acumular carbono por alguns anos.

Para apoiar a agricultura de baixo carbono, em 2010 o governo federal criou, no âmbito da PNMC, o programa ABC, que inclui crédito específico para as melhores práticas. Entretanto, somente 1,4% do total do crédito rural disponível foi alocado neste programa, ou seja, R$ 3 bilhões (Piatto, 2014). Mesmo sendo pequeno, o programa ABC só conseguiu desembolsar 58% do valor disponibilizado entre 2010 e 2014[6] por vários motivos, incluindo a disponibilidade de outros recursos com taxas de juros menores (como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf e os Fundos Constitucionais do Norte e Centro Oeste); o desconhecimento das técnicas de ABC; a burocracia adicional do programa; e, especialmente no caso da Amazônia, a falta de regularidade ambiental e fundiária dos imóveis (Ver análise em Observatório ABC, 2015a).
Portanto, para que o Brasil consiga assumir compromissos críveis e efetivos de redução das emissões da pecuária, será necessário considerar as lições aprendidas nos últimos anos e novas abordagens. A seguir, resumimos tais lições, incluindo as medidas de pressão contra o desmatamento e as de apoio direto, assim como as facilitadoras da adoção das melhores práticas no setor pecuário.

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[6] Cálculo baseado nos dados compilados por Observatório ABC (2015a).

Figura 7. Emissões de carbono (bilhões de toneladas de CO2eq) por mudanças do uso da terra por bioma. Fonte: Seeg, em: http://seeg.eco.br/emissoes-por-setor-mudanca-de-uso-da-terra/.

 


Quadro 1.
A redução das emissões da pecuária por meio do aumento da produtividade

Estudos (Monteiro, 2009; Cardoso, 2012; Mazzetto, 2014) que incluem medições de campo e simulações mostram forte correlação entre o aumento da produtividade da pecuária (kg carcaça produzido por hectare por ano) e a redução de emissões por unidade produzida (kg CO2eq/kg carcaça – Figura 8). Por exemplo, o aumento da lotação de uma para duas unidades animais por hectare reduziu as emissões de 48 para 36 kg CO2eq/kg carcaça – ou o equivalente a 25%.
Os detalhes das técnicas adotadas variam, mas em geral buscam aumentar a produção de alimentos para o gado, o melhor aproveitamento do alimento disponível (por exemplo, a rotação do pastoreio), o aumento da lotação de pastos (o número de animais criados em cada hectare) e o aumento do ganho de peso dos animais. As análises consideraram vários níveis de intensificação da produção, incluindo a fertilização do solo, melhoramento genético, pastoreio racionado e até o uso de confinamento na fase de engorda (por exemplo, com alimentação baseada em silagem de milho e farelo de soja).
Além das medidas consideradas nestes exemplos, há estudos para inibir as emissões do metano por meio do uso de produtos químicos fornecidos aos animais. Por exemplo, um estudo recente demonstrou que o uso de um inibidor do metano reduziu em 30% as emissões em 48 vacas leiteiras durante doze semanas (Hristov et al., 2015). A empresa que patrocinou o estudo pretende ter um produto comercial em 2018 (Mooney, 2015). Entretanto, a viabilidade deste tipo de alternativa dependerá de testes sobre o efeito de longo prazo nos animais e nos produtos, além de custos e benefícios financeiros.

Figura 8. Emissões de gases do efeito estufa de acordo com o nível de produtividade da pecuária em três estudos no Brasil.


 3.1. Pressões contra o desmatamento e para melhoria da produtividade

As medidas de pressão restringem o acesso a novas áreas para desmatamento, ao crédito e ao mercado para produtores irregulares. Elas incluem:

• Aplicação das leis ambientais
As penas incluem multas, embargo de áreas e confisco de bens. A aplicação de algumas penas tem sido bem-sucedida, como revelam vários estudos (Arima et al., 2014; Hargrave & Kis-Katos, 2013). Porém, ainda há muito a melhorar, pois menos de 2% das multas ambientais são cobradas e há evidências de que os fazendeiros aprenderam a burlar os embargos (por exemplo, alugando as áreas embargadas para outras pessoas, de acordo com Gibbs et al. (2015a). O confisco e leilão de gado apreendido em áreas desmatadas ilegalmente foi muito eficiente (Ipea et al., 2011), mas foi aplicado apenas esporadicamente. Por ser altamente eficiente, o confisco poderia ser usado com mais frequência nas zonas onde o desmatamento tem persistido.

• Aplicação de conjunto de leis contra a grilagem de terras públicas
A pecuária extensiva é usada para ocupar ilegalmente terras públicas, mas a aplicação da Lei de Crimes Ambientais isoladamente tem sido insuficiente para coibir este tipo de crime. Por isso, é promissor que o poder público tenha recentemente usado um conjunto de leis contra vários crimes associados à ocupação e desmatamento de terras públicas, incluindo a associação para o crime, a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro (MPF, 2014). As penas cumulativas contra estes crimes resultam em perdas financeiras significativas e em prisões acima de 50 anos. A cooperação entre Ibama, Polícia Federal, Receita Federal e MPF que foi bem-sucedida neste primeiro caso deveria ser replicada.

 

Pontos de queimada e fumaça na região entre Acre, Rondônia e Bolívia. A área desmatada no centro da imagem (trecho em tons marrons) é a região metropolitana de Rio Branco, capital do Acre. Agosto de 2005. A Imagem é cortesia de MODIS Rapid Response Team no Goddard Space Flight Center da Nasa.

• Restrição do crédito rural
Vários estudos demonstraram que o crédito rural estimula o desmatamento (Barreto et al., 2008; Hargraves & Kis-Katos, 2012; Assunção et al., 2013). Por isso, em 2008, o Conselho Monetário Nacional editou a Resolução nº. 3.545 (Brasil, 2008) que demandava que os bancos só concedessem crédito rural para produtores rurais na Amazônia que pelo menos tivessem começado a regularização ambiental (por exemplo, tivessem registro no Cadastro Ambiental Rural). Segundo Assunção et al. (2013), esta restrição ajudou a reduzir em 15% (equivalente a 270.000 ha) o desmatamento entre 2008 e 2011. Os pesquisadores encontraram que a redução do desmatamento foi mais significativa nos municípios onde a pecuária era a principal atividade econômica e que não influenciou o desmatamento naqueles onde a agricultura predominava[7]. Entretanto, estudos de caso no sul do Pará mostram que o crédito rural ainda continuava a estimular o desmatamento em assentamentos de reforma agrária em 2011 (Pereira, 2012). Esta análise é consistente com o fato de que a contribuição dos assentamentos para o desmatamento total aumentou de cerca de 20% em 2001 para 35% do total em 2013.
Além disso, um dos efeitos da restrição do crédito foi a reação contra o Código Florestal, que foi modificado em 2012. Além de perdoar parte do desmatamento ilegal (29 milhões de hectares no país segundo Soares-Filho et al. (2014)), o novo Código Florestal adiou para maio de 2017 a restrição ao crédito para quem não registra o imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR)[8]. O enfraquecimento da lei foi apontada por fiscais do Ibama como uma das causas do aumento do desmatamento em 2013. Esta experiência revela a necessidade de ajustes do crédito rural para pequenos produtores rurais e de manutenção das restrições de crédito para os descumpridores das leis ambientais.

• Criação e implementação de áreas protegidas
O reconhecimento de Terras Indígenas e a criação de Unidades de Conservação restringe o espaço para ocupação de terras públicas e desestimula o desmatamento (Ricketts et al., 2010). Porém, o desmatamento continua em algumas áreas protegidas onde já existiam ocupantes irregulares ou onde novas ocupações têm ocorrido (Araújo et al., 2015). O fato de governos federal e estaduais terem reduzido Unidades de Conservação estimula a pressão destes ocupantes ilegais. Portanto, é essencial que os governos assegurem a integridade das áreas protegidas removendo ocupantes ilegais e eventualmente indenizando aqueles que têm direitos, mas descontando as multas por crimes ambientais. Araújo & Barreto, (2015) demonstram que há fonte de recursos necessários para a regularização fundiária e para a implementação das Unidades de Conservação. Os Tribunais de Conta de Estados (TCE) e da União (TCU) e o Ministério Público Federal têm cobrado dos governos a implementação das unidades (Araújo et al., 2015). Se eles continuarem a pressão, aumentam as chances de sucesso desta política.

• Arrecadar o Imposto Territorial Rural (ITR)
O ITR tem por objetivo estimular o uso mais produtivo das áreas ao aumentar a alíquota para áreas subutilizadas. Entretanto, sua cobrança tem sido ineficaz em todo o Brasil (Ver análise em Silva & Barreto, 2014). Assim, quem desmata para fins de especulação consegue manter extensas áreas improdutivas pagando um imposto muito baixo. Só na Amazônia havia 10 milhões de hectares de pastos sujos em 2012, segundo o Inpe/Embrapa (2014). Silva & Barreto (2014) estimaram que o potencial de arrecadação do ITR por hectare no Pará seria 133 vezes maior do que tem sido arrecadado (R$ 12/hectare em vez de R$ 0,09/hectare). Eles sugerem que os órgãos fiscalizadores devem submeter as declarações do ITR a uma malha fina com base em mapas das propriedades, imagens de satélite e nos preços de terra atualizados. Além disso, o governo federal deve atualizar os índices mínimos de rendimento para considerar o uso do solo produtivo na Amazônia. Os índices atuais foram baseados no Censo Agropecuário de 1975 e são extremamente baixos; por exemplo, chegam a apenas 25% do rendimento potencial atual com uso moderado de intensificação da pecuária, segundo Silva & Barreto (2014). Silva & Barreto (2014) identificaram os 46 municípios que poderiam ser priorizados para a fiscalização, pois concentravam 50% das áreas de pastos sujos.
Os recursos arrecadados pela cobrança eficaz do ITR, que podem chegar a vários bilhões de reais na Amazônia, poderiam ser destinados prioritariamente para apoiar a conservação e o aumento da produtividade agropecuária, incluindo a capacitação e extensão rural, especialmente para os pequenos produtores. Considerando que pelo menos 50% do ITR é destinado aos municípios (mas pode chegar a 100% em municípios que fazem a fiscalização), os governos locais poderiam priorizar os recursos de acordo com as necessidades locais nestas áreas. Esta vinculação dos gastos com investimentos no próprio setor seria importante para ganhar apoio político para a fiscalização.

• Tornar mais efetivos acordos pelo desmatamento zero na pecuária
O TAC da pecuária e o acordo estimulado pelo Greenpeace resultaram em mudanças significativas na cadeia da pecuária. Por exemplo, o percentual de fazendas que abasteciam o maior frigorífico do Pará e que haviam desmatado entre 2009 e 2013 caiu de 36% antes do acordo para 4% depois do acordo (Gibbs et al., 2015b). Mas, segundo Gibbs et al. (2015a), o efeito dos acordos no desmatamento ainda é limitado. Primeiro, falhas favorecem a comercialização de gado de origem ilegal. Segundo, o TAC atualmente controla apenas as fazendas de engorda, de maneira que as fazendas que produzem os bezerros que são enviados para as fazendas de engorda podem desmatar sem controle do acordo. Para que os acordos sejam efetivos, Barreto & Gibbs (2015) recomendam implementar e divulgar as auditorias independentes do cumprimento do acordo; aumentar o registro e a confiabilidade do CAR; garantir e ampliar o acesso a dados necessários para o monitoramento do TAC, como a Guia de Transporte Animal; monitorar todo o rebanho, inclusive das fazendas fornecedoras indiretas; e punir fazendeiros e frigoríficos que burlaram sistemas de controle.

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[7] A falta de influência do crédito nos municípios agrícolas provavelmente foi resultado do financiamento das traders que independem do crédito rural ou porque os agricultores são mais capitalizados.
[8] Data estimada considerando a data de publicação do novo Código Florestal em 2012: Art. 78-A. Após 5 (cinco) anos da data da publicação desta Lei, as instituições financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no CAR.  (Incluído pela lei
nº. 12.727/2012).

3.2. Medidas de apoio

A OECD e a FAO (2015) recomendam que o Brasil amplie o apoio geral para a agropecuária, o que inclui infraestrutura, extensão rural, apoio institucional e pesquisa e desenvolvimento. Segundo a Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), estas medidas seriam mais benéficas para todos os produtores no longo prazo do que as políticas que beneficiam produtores individuais diretamente, como a garantia de preço mínimo e o subsídio para o crédito rural. Enquanto as medidas mais amplas não são implementadas, o crédito rural e a extensão serão cruciais para melhorar a produtividade.

• Crédito rural subsidiado
O grande volume de crédito rural subsidiado oferecido pelo governo poderia ser o principal instrumento para estimular a redução de emissões. Para a safra 2015-2016 serão R$ 212 bilhões, dos quais R$ 187,7 bilhões do Plano Safra e R$ 24,1 bilhões do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Para acelerar a adoção da ABC, o governo poderia criar uma meta de transição para que todo crédito rural focasse em técnicas ABC. Isso poderia ser feito em uma década, sendo que a cada ano dez por cento de todo o crédito seria destinado ao programa ABC. Esta transição seria apoiada por outras medidas como a capacitação massiva e a regularização fundiária e ambiental, descritas em outros itens.

 

Extensa área do Estado de Rondônia coberta por fumaça de queimadas (plumas em tons marrons claros). As nuvens são as estruturas brancas. Agosto de 2007. A Imagem é cortesia de MODIS Rapid Response Team no Goddard Space Flight Center da Nasa.

• Ampliar e melhorar a capacitação e assistência técnica
Produtores e especialistas reconhecem a escassez e deficiência de pessoal capacitado e assistência adequada para a adoção de agricultura de baixo carbono na Amazônia (Observatório ABC, 2015a). Barreto & Silva (2013) estimaram que seriam necessários 39 mil funcionários de fazendas capacitados para atender a demanda projetada de carne nas fazendas na Amazônia até 2022, o que demandaria o treinamento de 4 mil pessoas por ano. Entretanto, produtores individualmente tendem a não investir no treinamento temendo que os funcionários treinados mudem para outras fazendas[9]. Por isso, investimentos públicos e das entidades de classe são essenciais para garantir uma formação ampla. É relevante notar que as ações para reduzir as emissões da pecuária – que demandam treinamento – provocariam ganhos de qualidade de vida para os trabalhadores rurais, como foi demonstrado por Silva & Barreto (2014). Portanto, o treinamento traria cobenefícios sociais relevantes.
Os municípios de estados onde existe ICMS ecológico poderiam dedicar parte da receita vinculada ao desempenho ambiental para a capacitação, incluindo o treinamento para a restauração florestal[10]. Além disso, os produtores rurais deveriam reivindicar o financiamento da assistência técnica com recursos arrecadados pelo ITR e pela venda de posses de terras públicas (Ver seções 3.1 e 3.3).
Além de obter novas fontes de recursos, é necessário adotar novos arranjos para aumentar a eficácia da assistência técnica para a pecuária. O pagamento de parte dos honorários dos projetistas e extensionistas deveria ser vinculado ao desempenho da produção, como já vem sendo praticado com sucesso em setores da agricultura. Os órgãos de extensão deveriam testar o uso de vídeo, participação dos produtores, pagamento baseado no desempenho para os tutores e o monitoramento do desempenho das fazendas, como vem sendo feito com sucesso na África e Ásia pela Digital Green[11]. O uso destas ferramentas aumentou em sete vezes a adoção de certas práticas agrícolas e em dez vezes a efetividade de custo em comparação com a extensão baseada apenas em treinamento e visitas clássicas (Gandhi et al., 2009). Para assegurar a qualidade da assistência técnica é recomendável também o uso contínuo de auditorias independentes de desempenho e análise de fatores limitantes que permitem desenhar e implementar adaptações (Ver exemplo em Gaur, 2014).
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[9] Esta preocupação tende a ser exagerada, pois os funcionários de fazendas que recebem mais treinamento para adotar as melhores práticas são mais satisfeitos e apresentam menor rotatividade (Silva & Barreto, 2014).
[10] No Pará, o ICMS Verde, criado em 2013, destinou 2% do ICMS ou R$ 35 milhões para os municípios com base em critérios ambientais, como redução de desmatamento e existência de Unidades de Conservação. Segundo o Secretário do Programa Municípios Verdes (Amazônia, 2013), este valor deverá aumentar para R$ 140 milhões em 2016, quando 8% do ICMS será distribuído de acordo com critérios ambientais.
[11] Ver detalhes da Digital Green em: http://www.digitalgreen.org/about/.

 

Extensa área da Amazônia coberta por fumaça de queimadas. Os pontos vermelhos indicam áreas com fogo ativo. As nuvens são as estruturas brancas. Setembro de 2007. A imagem é cortesia de MODIS Rapid Response Team no Goddard Space Flight Center da Nasa.


Quadro 2.
Exemplos de parcerias para teste e disseminação de boas práticas de pecuária na Amazônia

A pressão para reduzir o desmatamento e para a regularização ambiental estimulou algumas parcerias entre produtores rurais, organizações não governamentais de pesquisa e ambientais, doadores e empresas para testar e disseminar boas práticas de pecuária na Amazônia e para a regularização ambiental, como exemplificado a seguir.

• Projeto Pecuária Verde (Paragominas – PA)
Iniciado em 2011, o projeto liderado pelo Sindicato de Produtores Rurais de Paragominas, no leste do Pará (SRPRP, 2014), testou melhores práticas em seis fazendas. Em três anos, a produtividade aumentou de sete para 30,4 arrobas por hectare por ano e a rentabilidade aumentou 270%. As fazendas assistidas pelo projeto têm servido para disseminar as boas práticas por meio de dias de campo, estágios e visitas técnicas por centenas de fazendeiros, estudantes, consultores e operadores de crédito rural. Além disso, as boas práticas têm sido divulgadas amplamente pela imprensa. Ver exemplo em: http://bit.ly/1U6pXcg.
Programa Novo Campo (Alta Floresta – MT
Iniciado em 2012, o programa liderado pelo Instituto Centro de Vida, no norte de Mato Grosso, testou as melhores práticas em seis fazendas. A produtividade aumentou três vezes (de 4,5 para 20,7 arrobas por hectare/ano) e a lucratividade nas áreas intensificadas aumentou cerca de 800% (Marcuzzo e Lima, 2015). Este projeto também tem divulgado amplamente os resultados por meio de dias de campo e visitas técnicas. Ver vídeo em: http://bit.ly/1IK2g7R.

• Carne Sustentável: Do Campo à Mesa (Sao Félix do Xingú – PA)
Desde 2012, a organização The Nature Conservancy (TNC) realiza o projeto piloto com a avaliação de 20 fazendas com a meta de aumentar a lotação de cerca de uma para 3,5 cabeças de gado por hectare. Depois das 20 fazendas piloto, o projeto pretende expandir as melhores práticas para 500 fazendas. Ver mais em: http://bit.ly/1DOQQYW.


3.3. Medidas facilitadoras

A adoção de melhores práticas depende de um ambiente de negócios favorável aos investimentos. A falta de clareza sobre o direito de propriedade e as dificuldades para o arrendamento de terras são fatores que dificultam investimentos. Por exemplo, o Banco do Brasil no Pará deixa de investir cerca de R$ 2,5 bilhões por ano por causa de limitações fundiárias e ambientais, segundo o gerente de agronegócio da instituição neste estado. Por isso, é essencial adotar medidas que facilitem os investimentos em melhores práticas, como:

• Acelerar a regularização fundiária
As iniciativas atuais para regularizar as terras ocupadas demorariam décadas (Brito & Cardoso, 2015). Para facilitar os investimentos e evitar novas ocupações, o governo deveria acelerar a regularização desses imóveis sem subsídios. Os posseiros teriam que pagar o preço de mercado pela terra, pois se o governo vende terras abaixo do valor de mercado, atrai mais posseiros para ocupar áreas ilegalmente na expectativa de regularização futura. O governo deveria priorizar a regularização nos municípios que reduziram o desmatamento e têm maior cobertura de imóveis no CAR. Antes da titulação de terras privadas, os órgãos públicos deveriam regularizar os direitos de populações tradicionais, além de destinar áreas prioritárias para outros usos de interesse público, como as Unidades de Conservação. Parte da arrecadação com a venda das terras poderia financiar medidas facilitadoras, como capacitação, extensão rural, regularização ambiental e infraestrutura.

• Facilitar o arrendamento de terras
A produtividade da pecuária e da agricultura de larga escala são maiores nos municípios brasileiros com maiores níveis de arrendamento de terras; respectivamente 19% e 24% (Assunção & Chiavari, 2014). Entretanto, apenas 3,3% das áreas cultivadas participavam do arrendamento ou parceria no último Censo Agropecuário (Assunção & Chiavari, 2014). Os arrendamentos são menos frequentes no Brasil por causa da rigidez de regras e por ineficácia para resolver disputas de conflitos legais. Por isso, o poder público deveria revisar as regras para facilitar o arrendamento de terras (Assunção & Chiavari, 2014).

This post was published on 28 de agosto de 2015

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imazon

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