APRESENTEÇÃO
O mapa de Desmatamento e Degradação Florestal do Bioma Amazônia foi produzido pelo Imazon para contribuir com o monitoramento da região. A metodologia aplicada gera simultaneamente o mapeamento do desmatamento e da degradação florestal [causada pela atividade madeireira e queimadas florestais] utilizando imagens do satélite Landsat. Os métodos existentes detectam e mapeam individualmente esses processos o que pode levar a sobreposição de resultados e aumento de incertezas nas estimativas de taxas anuais de desmatamento. Isso acontece porque a degradação florestal, nos casos mais intensos, pode ser confundida com desmatamento nas imagens Landsat. O desmatamento é um processo de conversão da floresta para outros usos da terra, como pastagens, áreas de cultivos agrícolas, mineração, ou mesmo, para fins de urbanização. Para isso, é necessário a remoção completa da cobertura florestal original, enquanto que a degradação florestal remove parcial e temporariamente essa cobertura. Por exemplo, na exploração madeireira ocorre a remoção de algumas árvores (3 a 5) por hectare e a abertura de estradas e pátios de estocagem de madeira; os incêndios florestais abrem clareiras com a queima de árvores, mantendo outras menos impactadas. Esses processos levam à redução dos estoques de carbono florestal orginais e da biodiversidade.
A metodologia apresentada neste estudo permite mapear o desmatamento e a degradação florestal simultaneamente diminuindo possíveis zonas de “confusão” no mapeamento desses dois tipos de processos. Outra contribuição importante é a capacidade de mapear desmatamentos de até um hectare.
Utilizamos imagens Landsat adquiridas no período de 2000 a 2010, cobrindo anualmente a maior parte do Bioma Amazônia, para produzir os primeiros resultados desse novo sistema de monitoramento do Imazon. Os dados [das imagens de satélites] são normalizados, no espaço e no tempo, e analizados de forma quantitativa, o que permite estabelecer regras de classificação automáticas genéricas e consistentes. Aplicamos também regras computacionais para detectar possíveis inconsistências de classificação ao longo do tempo e corrigir esses problemas. Por último, os mapas gerados com a classificação automática são inspecionados e editados por analistas para corrigir eventuais erros. Esses resultados do mapeamento são utilizados, posteriormente, para estimar a taxa anual de desmatamento e de degradação através de métodos matemáticos, para a data de referência de 1 de agosto [utilizada oficialmente pelo governo brasileiro para esse propósito].
As seções abaixo apresentam os detalhes da metodologia, os resultados do mapeamento, as potenciais aplicações e os próximos passos desse projeto de monitoramento do Imazon.
METODOLOGIA
Imagens do satélite Landsat TM/ETM+ foram adquiridas de várias fontes. Esses dados e seus metadados foram estruturados em um servidor de imagens para facilitar o acesso e o seu processamento digital. O processamento das imagens de satélites para geração dos mapas ocorre em cinco etapas (Figura 1).
Etapa 1 – Pré-Processamento. O primeiro passo da metodologia consistiu no registro das imagens Landsat (Figura 2) para uma base de referência – Geocover (GLCF, 2000). Foram coletados pontos de controle (20-30) entre as imagens Landsat e a base de referência e aplicado um algoritmo de interpolação baseado em triangulação e reamostragem pelo método de vizinhança mais próxima. Isso garantiu um registro entre as imagens com erro de posicionamento menor que 1 pixel. Aplicamos técnicas de calibração radiométrica, remoção de ruídos de fumaças (Carlotto, 1999) e remoção do sinal espectral da atmosfera (Souza Jr. e Siqueira, 2013). Dessa forma os dados das imagens de satélites são convertidos de número digital (DN – digital number) para reflectância de superfície.
Etapa 2 – Construção de Biblioteca Espectral. Consiste na identificação de componentes espectrais puros (endmembers) para estimativa de suas abundâncias em cada pixel. Os endmembers de interesse para o monitoramento florestal são: vegetação verde, vegetação fotossinteticamente não ativa (NPV – Non-photosynthetic vegetation), solo, nuvem e sombra. O processo para identificação e criação da biblioteca espectral passa pela identificação de curvas espectrais com potencial para serem endmembers. Em seguida, é feita a inspeção visual dessas curvas para seleção final do conjunto desses componentes puros.
Etapa 3 – Modelagem Espectral de Mistura (MME). As imagens em reflectância processadas na Etapa 1, são combinadas com os endmembers obtidos na Etapa 2 para estimar a abundância desses componentes puros em cada pixel da imagem. Para isso, aplicamos a técnica de modelagem espectral de mistura (MEE), utilizando a biblioteca espectral desses componentes puros. As imagens de fração resultantes do MME foram utilizadas para o cálculo do índice NDFI (Normalized Differencing Fraction Image) (Souza Jr. et al., 2005a), sendo combinadas em um classificador por árvore de decisão genérica, na etapa seguinte.
Etapa 4 – Classificação Automática. Construímos uma árvore de decisão empiricamente para classificar as áreas desmatadas, as florestas degradadas, corpos d’água, sombra e nuvem (Figura 3). Utilizamos como entrada para a classificação as imagens de fração, obtidas com o MME, e o índice espectral NDFI.
Figura 1. Metodologia aplicada no processamento de imagens Landsat e implementada no software ImgTools.
Etapa 5 – Pós-Classificação. Filtros espacial e temporal foram construídos para remover classificações espúrias e transições temporais entre classes de mapeamento não permitidas, respectivamente. O filtro espacial permite que determinadas classes sejam definidas juntamente com a sua menor área mapeável. Dessa forma, pixels isolados classificados em uma dada imagem podem ser eliminados e sustituídos pela classe dominante em sua vizinhança. O filtro temporal é um conjunto de regras de transições não permitidas que são aplicadas a cada imagem classificada em um dado ano. Dessa forma, é possível remover nuvens e corrigir as transições não permitidas.
Figura 2. Imagens Landsat TM/ETM+ utilizadas no mapeamento de desmatamento e da degradação florestal.
Um total de 1.465 imagens foram adquiridas predominantemente (90%) do servidor de imagens do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O percentual aceitável de cobertura de nuvens foi de até 30%, mas a grande maioria das imagens tinham no máximo 20%. A área mapeada anual variou de 106 a 157 imagens Landsat de um total de 192, com ampla cobertura nas áreas sobre pressão de desmatamento e degradação florestal. Para a maioria do Estado do Amapá, não foi possível obter imagens anuais de forma sistemática e, por essa razão, não são apresentadas estatísticas de desmatamento e de degradação florestal.
Para automatizar a metodologia descrita acima, desenvolvemos um software, denominado ImgTools, utilizando a linguagem de programação IDL (Figura 1) (Souza Jr. e Siqueira, 2013). Esse software processa um conjunto de cenas automaticamente produzindo mapas e estatísticas (ver exemplo na Figura 4).
Figura 3. Árvore de decisão empírica utilizada para classificar desmatamento e degradação florestal.
Figura 4. Exemplo do monitoramento da dinâmica de desmatamento obtido com a série temporal de imagens Landsat a partir da metodologia desenvolvida pelo Imazon.
Figura 4. Exemplo do monitoramento da dinâmica de desmatamento obtido com a série temporal de imagens Landsat a partir da metodologia desenvolvida pelo Imazon (a). Para o ano base (2000), mapeamos todas as áreas já desmatadas e com cobertura não florestal para gerar um mapa de referência das áreas de florestas (incluindo as já degradadas). Florestas secundárias antigas foram eliminadas aplicando-se a máscara de áreas desmatadas identificadas pelo Prodes até 2000. Os incrementos de desmatamento identificados a cada ano são utilizados para atualizar a linha de base de floresta remanescente. E as áreas de florestas degradadas não mantidas como tal até que eventualmente sejam desmatadas. Dessa forma, é possível quantificar a área afetada pelo desmatamento e pela degradação florestal entre cada par de imagens consecutivas.
Os mapas anuais são usados para gerar mapas de idade de desmatamento (b) e de degradação florestal, e mapas de frequência de degradação florestal. Dessa forma, é possível mapear e quantificar a dinâmica complexa de iterações de degradação de conversão da cobertura florestal (c) (Souza Jr., 2013).
RESULTADOS
Os resultados do mapeamento do desmatamento e da degradação florestal desse estudo são apresentados na Tabela 1 e na Figura 5. As estatísticas foram anualizadas para estimar as taxas anuais de desmatamento e da degradação florestal com base no método descrito no Quadro 1.
No período de 2000 a 2010 o sistema de monitoramento do desmatamento e de degradação florestal do Imazon estimou 169.074 quilômetros quadrados de áreas desmatadas no Bioma Amazônia (Tabela 1A). A área de floresta afetada pela degradação florestal foi de 50.815 quilômetros quadrados, ou seja, uma área de floresta alterada por exploração madeireira e/ou queimadas equivalente a 30% da área convertida pelo desmatamento (Tabela 1B). O maior pico de desmatamento ocorreu em 2004 (24.446 quilômetros quadrados), e a menor área desmatada detectada em 2010 (5.496 quilômetros quadrados) (Tabela 1A). Em relação à degradação florestal, o ano de 2008 registrou o maior pico com 8.396 quilômetros quadrados de florestas degradadas, ou seja, 68% da área desmatada neste ano que chegou a 12.403 quilômetros quadrados. A menor taxa anual de degradação florestal também ocorreu em 2010 com 3.731 quilômetros quadrados (68% do desmatamento neste ano; Tabela 1).
Tabela 1. Estimativas de taxas anuais de desmatamento (A) e degradação florestal (B) obtidas com imagens Landsat no período de 2000 a 2010.
A série histórica de desmatamento apresentou uma tendência de altas taxas anuais de derrubada de florestas no período de 2001 a 2005 (média de 21.893 quilômetros quadrados por ano) enquanto que a degradação florestal se manteve estável neste período com taxa anual média de 4.627 quilômetros quadrados por ano. A partir de 2006, observamos uma tendência de queda acentuada do desmatamento, mas com flutuações e um ligeiro aumento na taxa anual de degradação florestal, comparado ao período de 2001 a 2005 (Tabela 1; Figura 5). A taxa média de desmatamento entre 2006 e 2010 foi de 11.922 quilômetros quadrados por ano, e da degradação florestal de 5.536 quilômetros quadrados por ano.
Os Estados que mais contribuiram com o total de desmatamento, no período analisado, foram o Pará (35%) e Mato Grosso (31%), seguidos por Rondônia (16%) e Amazonas (10%) (Figura 5B). O Estado de Mato Grosso liderou em termos de degradação florestal, contribuindo com 48% do total nesse período. O Pará segue como o segundo no ranking de degradação florestal com 32%, e com menores contribuições aparecem Rondônia (7%) e o Acre (5%) (Figura 5C).
O sistema Prodes detectou uma área desmatada de 165.310 quilômetros quadrados no mesmo período deste estudo, ou seja, uma área 2% menor do que a área desmatada (169.074 quilômetros quadrados) detectada pelo sistema do Imazon. A diferença do desmatamento total detectado pelos dois sistemas de monitoramento é muito pequena, mas entre cada ano é maior, com média absoluta de 2.270 quilômetros quadrados (Figura 5). Essas diferenças podem ser explicadas pelas seguintes hipóteses: escala de mapeamento que é mais detalhada no sistema do Imazon; inclusão ou não da degradação florestal no monitoramento; e pelas diferentes datas de imagens, entre os métodos de anualização (i.e., taxa anual) das medições feitas pelas imagens de satélites. Conduto, o desmatamento estimado com o Prodes e com o sistema do Imazon apresentaram uma tendência similar de aumento de desmatamento entre 2001 e 2005, seguido de queda acentuada entre 2006 e 2010.
Figura 5. Taxa de desmatamento e degradação florestal anual (A) e contribuições percentuais dos Estados do Bioma Amazônia para esses processos (B e C, respectivamente).
Quadro 1 – Cálculo da Taxa Anual
A taxa anual é uma estimativa da área de floresta afetada pelo desmatamento ou pela degradação florestal, num dado ano, geralmente expressa em termos absolutos (quilômetros quadrados por ano). O Brasil utiliza a data de 1 de agosto como referência para a estimativa da taxa anual de desmatamento. Isso significa que a taxa anual de desmatamento é estimada para o período de 1 de agosto a 31 de julho, denominado período de referência, adotado também neste estudo. As imagens de satélite Landsat, geralmente utilizadas para monitorar a Amazônia, são adquiridas em datas que não coincidem com o período de referência utilizado para a estimativa da taxa anual. Portanto, é necessário projetar as medições feitas com dados de satélite para esse período de referência com métodos matemáticos.
Adotamos o método proposto pela Food Administration Organization (FAO) para estimar a taxa anual de desmatamento na Amazônia (Tabela 1A). Primeiro, aplicamos o método sugerido por Puyravaund (2003) para calcular a taxa percentual anual de cobertura florestal perdida. A fórmula assume que a área de floresta perdida pelo desmatamento decresce ao longo do tempo de acordo com uma taxa exponencial, dada por:
onde e são as áreas de floresta mapeadas nos tempos t1 e t2, expressos em ano, a partir de um ano inicial. O resultado, , representa a taxa percentual de perda de floresta normalizada para o período entre (expresso em ano). De posse do valor de é possível calcular a taxa anual de desmatamento (em km2/ano) para um dado período de referência, com a seguinte equação:
Por exemplo, para e a taxa anual de desmatamento na equação (2) é obtida por:
Onde a taxa é calculada pela Equação 1, usando imagens obtidas durante 2000 e 2001. No exemplo acima, é a área de floresta inicial projetada ou observada em 01/08/2000. Para os demais anos, é a taxa anual de desmatamento, normalizada para o período de referência entre os anos e (2001,…,2010), e At-1 é dado por A*t-2-Dt-1, para (2002,…,2010) (Figura 6).
Figura 6. Exemplo do processo de anualização da taxa de desmatamento com o método descrito nesta seção.
Para calcular as taxas anuais para os Estados, aplicamos uma máscara, por cena, para aplicar esse método apenas nas porções de um dado Estado coberto pela cena. Para os casos em que há lacunas de imagens Landsat de um ou mais anos, usamos a mesma estimativa de para todos os períodos de referência entre as duas imagens adquiridas. Finalmente, quando o desmatamento é detectado em áreas não observadas, devido estarem cobertas por nuvens, em anos anteriores, essas áreas são distribuídas igualmente ao longo do período de ocorrência de nuvens. Por exemplo, se uma área desmatada A [em km2] ocorre em 2003 e essa área estava sob nuvens em 2002 e 2001, assumimos que A/3 aconteceu igualmente nesses anos.
A mesma metodologia, descrita acima, foi aplicada para estimar a taxa anual de degradação florestal (Tabela 1B), descontando o desmatamento anualizado de cada período de referência para obter a área de floresta remanescente no respectivo ano.
CONCLUSÕES
Os resultados do sistema de monitoramento do Imazon baseado em imagens Landsat, apresentados nesse estudo, mostram uma tendência de desmatamento e da área total desmatada similares com as obtidas pelo sistema de monitoramento da Amazônia, Prodes, do governo federal, no período de 2000 a 2010. Houve uma tendência de aumento de desmatamento entre 2000 e 2005, com valores médios em torno de 22.000 quilômetros quadrados por ano, seguida de forte queda no desmatamento entre 2006 e 2010, com média de quase 12.000 quilômetros quadrados por ano.
A degradação florestal afetou uma área equivalente a 30% da área total desmatada no período analisado, com uma média de 5.536 quilômetros quadrados por ano. A degradação florestal leva ao empobrecimento da floresta em termos de biodiversidade e estoques de carbono, sendo, portanto, importante o seu monitoramento anual.
O método de anualização das medições feitas com imagens de satélites, para o cálculo de taxas anuais de desmatamento e de degradação florestal, é um procedimento importante que deve ser aplicado nas escalas municipais para avaliação de performance do controle de desmatamento.
As políticas de controle de desmatamento na escala municipal devem incluir também a área afetada anualmente pela degradação florestal como indicador para inclusão na lista crítica de embargo do Ministério do Meio Ambiente.
Os próximos passos desse programa de monitoramento do Imazon incluem: a quantificação das transições possíveis entre as classes de floresta, degradação florestal e desmatamento; a modelagem das emissões de carbono associadas ao desmatamento e a degradação florestal, incluindo as classes de transição e a idade e recorrência da degradação florestal; a caracterização desses processos nas áreas protegidas; e uma análise do impacto da degradação florestal nas taxas oficiais de desmatamento.
Com a possibilidade de novos dados do satélite Landast 8 (LDCM – Landsat Data Continuity Mission), lançado recentemente, o Imazon pretende continuar esse monitoramento nos próximos anos.
É recomendável também reconstruir séries históricas de desmatamento e degradação florestal para períodos anteriores a 2000, visando um melhor entendimento da relação entre esses processos e uma estimativa mais precisa das emissões de carbono históricas.
Por último, recomendamos o uso de imagens de radar no monitoramento de áreas com frequente cobertura de nuvens, como no caso do Estado do Amapá e de outras áreas não mapeadas nesse projeto.