André Monteiro* & Carlos Souza Jr.
A exploração de madeira com manejo florestal é seletiva, ou seja, removem-se de três a cinco árvores por hectare (<5%) e deixam-se pequenas clareiras. Em geral, considera-se difícil detectar essas clareiras por imagens de satélite. Entretanto, estudos do Imazon demonstram que é possível detectar a exploração de madeira e avaliar a qualidade do manejo florestal por meio dessas imagens. Neste O Estado da Amazônia, apresentamos os resultados da avaliação da qualidade de planos de manejo florestal na região centro-oeste da Amazônia Legal, utilizando indicadores de “boas práticas” de manejo florestal medidos a partir de imagens Landsat. De um total de 87 planos autorizados em 2003 pelo Ibama nessa região, a maioria (54%) apresentou indícios de irregularidades com base nessas imagens. Entre as irregularidades, incluem-se: ausência de sinais de exploração madeireira, exploração conduzida antes da autorização, exploração seguida de desmatamento e área explorada maior que a área declarada no plano. Sugerimos que o método seja usado no processo de licenciamento e monitoramento de áreas privadas com e sem certificação florestal e de áreas sob concessão florestal na Amazônia.
Centro-Oeste da Amazônia
Analisamos 87 planos de manejo florestal[1], aprovados em 2003 pelo Ibama, localizados na região centro-oeste da Amazônia Legal, que abrange o oeste do Estado do Pará e o sudeste do Amazonas (Figura 1). Essa região tem sido alvo da abertura de milhares de quilômetros de estradas ilegais[2] e de novas frentes de desmatamento. Além disso, o esgotamento de madeira em pólos madeireiros antigos[3],[4] tem forçado a migração da indústria madeireira para a região. Em resposta a essa pressão, o governo federal e o governo do Estado do Amazonas criaram um amplo mosaico de Unidades de Conservação para evitar que a fronteira do desmatamento avance no centro-oeste da Amazônia[5].
Planos de Manejo Florestal nas Imagens de Satélite
O monitoramento de planos de manejo florestal na Amazônia requer tempo e custo elevado para verificação no campo. Contudo, estudos do Imazon sobre monitoramento da exploração madeireira com imagens de satélite demonstram que é possível avaliar a qualidadedos planos de manejo por meio dessas imagens[6],[7]. Além disso, é possível avaliar se os planos foram ou não executados, se a exploração ocorreu antes da autorização e se a área do plano de manejo foi desmatada após a exploração[8].
Dos 87 planos de manejo avaliados, 43 (49%) apresentaram cicatrizes[9] de exploração madeireira visíveis nas imagens. Destes, 10% foram explorados antes da autorização e 3% foram desmatados depois da exploração. O restante (51%) não apresentou cicatrizes visíveis nas imagens (Figura 2).
Entre os planos visíveis na imagem, quase todos (93%), segundo dados do Ibama[1], estavam aptos ou aptos com restrições[10],[11] para exploração madeireira (Tabela 1). Os planos não aptos ou suspensos somaram 7% dos planos executados. A execução de plano não autorizado para exploração caracteriza uma infração e serve de alerta para inspeção no campo.
Por outro lado, dos 44 planos de manejo não-visíveis nas imagens, a grande maioria (80%) estava apta ou apta com restrições para explorar. Os planos restantes, não detectados nas imagens (20%), não estavam aptos, estavam cancelados ou estavam suspensos[11](Tabela 1). A ausência das cicatrizes de exploração do plano de manejo na imagem pode ser considerada um alerta, exigindo verificação da situação no campo. Esse tipo de problema pode estar associado a três fatores: (i) erros de localização geográfica do plano de manejo; (ii) não execução do plano de manejo no campo na área autorizada[12]; e (iii) exploração madeireira em outras áreas não autorizadas[13].
Ao considerar todos os problemas nos planos de manejo (planos aptos sem sinal de exploração, exploração antes da autorização e desmatamento após a exploração), concluímos que 54% dos planos de manejo deste estudo apresentaram algum tipo de irregularidade (Figura 2).
Comparamos os 43 planos de manejo detectados nas imagens de satélite com 4 planos de manejo examinados no campo nas regiões de Paragominas, no Pará, e Sinop, em Mato Grosso – onde foram conduzidos os testes e a validação (Tabela 2)[7]. Os planos de manejo foram avaliados por indicadores que podem ser medidos nas imagens de satélite e analisados quanto à qualidade do manejo florestal.
Os planos de manejo analisados apresentam indicadores[14](densidade de pátios e estradas, distância entre estradas secundárias e entre pátios) similares aos obtidos para a exploração predatória em Sinop (Tabela 2). Portanto, podemos inferir que a construção dos pátios e estradas dos planos de manejo analisados pode ter sido mal planejada. Vistorias de campo poderiam ser feitas para a verificação desses indícios.
A forma da área explorada e a distribuição espacial de pátios e estradas foram classificadas como sistemáticas e não-sistemáticas[15] (Figura 3). A maioria (79%) dos planos de manejo apresentou forma da área explorada sistemática, enquanto pátios (60%) e estradas (58%) apresentaram distribuição não-sistemática (Figura 4). De acordo com a especificação técnica[16] de instalação de infra-estrutura, estabelecida e aprovada no plano de manejo, a distribuição não-sistemática de pátios e estradas pode indicar baixa qualidade do planejamento da infra-estrutura para estocagem e transporte de madeira. A infração dessa regra prevê uma ação corretiva que deve ser cumprida até a próxima safra[16].
Avaliamos também a relação da área autorizada para exploração no plano de manejo com a área explorada detectada pela imagem de satélite. Observamos que apenas 6% dos planos de manejo mostraram que a área explorada foi aproximadamente igual à área autorizada; 32% apresentaram área explorada maior que a área autorizada; e 11% mostraram área explorada menor que a área autorizada. O restante (51% dos planos) não apresentou sinais de exploração visíveis nas imagens. Quando somamos os planos de manejo que apresentam área explorada maior que área autorizada com os planos que apresentam área explorada não visível naimagem (planos aptos), verificamos que 72% deles apresentavam indicação de problemas em relação à área explorada.
As informações sobre a situação e qualidade dos planos podem ser combinadas para uma avaliação geral. As nossas análises revelaram que a maioria dos planos (82%) apresentou algum tipo de alerta que merece verificação no campo.
Os resultados deste estudo mostraram que é possível monitorar planos de manejo florestal na Amazônia por meio de imagens de satélite. Dessa forma, sugerimos duas aplicações do método para políticas públicas:
Licenciamento. Garantir que as áreas licenciadas sejam florestas primárias, com potencial de produção e situação fundiária regular. Portanto, por meio da sobreposição do polígono do plano de manejo em ima-gens NDFI[8] e Áreas Protegidas seria possível prevenir a aprovação de planos em áreas irregulares ou impróprias (áreas desmatadas, Terras Indígenas, Unidades de Conservação de Proteção Integral, Áreas de Preservação Permanente, entre outras). A inclusão de critérios relacionados a: (i) densidade de pátios e estradas; (ii) distância entre estradas e entre pátios; e (iii) data (dia/mês/ano) das operações de derruba e arraste – nos regulamentos para aprovação dos planos de manejo – poderia contribuir para aumentar a transparência do setor florestal na Amazônia.
Monitoramento. Identificar irregularidades na execução dos planos de manejo. Dessa forma, seria possível verificar: se o plano foi executado, se a exploração ocorreu antes da autorização, se a área do plano foi desmatada após a exploração, se a área explorada foi autorizada para exploração e se o plano apresenta indícios de pouco planejamento de pátios e estradas. Portanto, seria possível selecionar planos de manejo para a vistoria técnica anual no campo pelo órgão ambiental competente, priorizando-se suas áreas mais críticas. Além disso, o método poderia ser usado para monitorar Florestas Públicas[17] sob regime de concessão florestal e áreas certificadas na Amazônia. Neste último caso, seria usado para determinar as áreas a serem vistoriadas no campo, dentro do processo de certificação florestal, bem como para monitorá-las anualmente, dentro do processo de auditoria.
* Autor correspondente: andreluiz@imazon.org.br
1 Mapa de Planos de Manejo Florestal fornecido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e produzido com dados do Sisprof/Ibama. As informações contidas nos planos de manejo incluem: informações sobre data da emissão da autorização, área total, área autorizada, volume autorizado, localização geográfica, entre outras.
2 Souza Jr., C.; Brandão Jr., A.; Anderson, A. & Veríssimo, A. 2005. Avanço das Estradas Endógenas na Amazônia. O Estado da Amazônia n01. Belém: Imazon. 2 p.
3 Pólos do leste do Pará, noroeste de Mato Grosso, norte de Rondônia e da região do baixo Acre.
4 Lentini, M.; Pereira, D.; Celentano, D. & Pereira, R. Fatos florestais da Amazônia 2005. Belém: Imazon. 140 p. Disponível em: <https://imazon.org.br//downloads/im_livros_015.zip>. Acesso em: 28 de abril de 2006.
5 Foram criados 3,1 milhões de hectares de Unidades de Conservação na região do Apuí, no Amazonas (Decretos N.º 24.806/2005, 24.807/2005, 24.808/2005 e 24.812/2005), e 6,1 milhões ao longo da BR-163 no Pará (Decretos sn de 13/2/06 FNs: Crepori, Jamanxim, Trairão e Amana), com cerca de 4,7 milhões de hectares destinados a florestas de produção.
6 Souza Jr., C.; Monteiro, A. L. & Barreto, P. 2003. Exploração madeireira na Amazônia: é possível monitorar por satélite? Ciência Hoje 197: 62-65.
7 Monteiro, A.L. 2005. (Avaliação de Indicadores de Manejo Florestal na Amazônia Legal Utilizando Sensoriamento Remoto. Universidade Federal do Paraná – Curitiba, Dissertação de Mestrado em Manejo Florestal. 105 p.).
8 Primeiramente, plotamos esses planos de manejo nas imagens NDFI {índice desenvolvido por Souza Jr. (2005) para realçar áreas sob exploração seletiva de madeira e degradadas pela exploração e fogo} geradas a partir de imagens Landsat (42 imagens foram utilizadas). Em seguida, por não dispormos dos polígonos delimitando a área dos planos de manejo, digitalizamos o perímetro da área potencialmente explorada por plano, considerando as coordenadas de localização, a área declarada no plano de manejo e os sinais da exploração (cicatrizes de pátios de estocagem, estradas e perturbação no dossel). Por último, inspecionamos simultaneamente as três imagens (2002, 2003 e 2004), identificando a imagem em que as cicatrizes da exploração madeireira, referente ao plano de manejo, estavam presentes.
9 Definidas por estradas de exploração, pátios e áreas de floresta com pequenas clareiras abertas.
10 Plano de manejo florestal com pendências jurídicas e/ou técnicas.
11 Parecer após a última vistoria no campo pelo Ibama.
12 Hummel, A.C. 2001 (Normas de Acesso ao Recurso Florestal na Amazônia Brasileira: O Caso do Manejo Florestal Madeireiro. Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) – Manaus, Dissertação de Mestrado em Biologia Tropical e Recursos Naturais. 104 p).
13 Segundo Antônio Carlos Hummel (Diretor de Florestas do Ibama), 60% da produção florestal em 2003 tinha origem ilegal. Hummel, A.C. DOF: a tecnologia contra o crime. Disponível em: <http://www.oeco.org.br>. Acesso em: 30 de novembro de 2006.
14 As informações sobre a densidade de pátios e estradas e sobre a distância entre estradas e entre pátios de estocagem de madeira na floresta não são exigidas nos planos de manejo. Contudo, esses dados são importantes para mostrar o nível de planejamento da exploração florestal.
15 Área explorada sistemática apresenta perímetro com segmentos retilíneos com forma aproximadamente retangular, enquanto área não-sistemática apresenta perímetros com contornos sinuosos e forma não-retangular. A distribuição espacial sistemática de pátios e estradas ocorre quando estradas são retilíneas e paralelas e contêm pátios regularmente distribuídos ao longo das estradas, enquanto a distribuição espacial não-sistemática é definida por estradas sinuosas com pátios interligados por seus segmentos.
16 Embrapa/Ibama. 2006. Manual de vistoria de campo para planos de manejo florestal madeireiro na Amazônia. Brasília: Paquiderme Propaganda. 106 p. As especificações técnicas de instalação da infra-estrutura prevêem que as estradas secundárias sejam construídas com traçado retilíneo e dispostas paralelamente, exceto se o plano de manejo aprovado preveja outros traçados devido à topografia do terreno, e que os pátios de estocagem estejam distribuídos de forma sistemática.
17 Florestas, naturais ou plantadas, localizadas nos diversos biomas brasileiros, em bens sob o domínio da União, dos Estados, dos municípios, do Distrito Federal ou das entidades da administração indireta (Lei N.º 11.284, de 2 de março de 2006).
A pesquisa deste O Estado da Amazônia foi financiada pela Fundação Gordon & Betty Moore. Agradecemos a colaboração de Adalberto Veríssimo e Paulo Barreto.
This post was published on 1 de fevereiro de 2013
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