APRESENTAÇÃO

As Florestas Nacionais integram o Grupo de Unidades de Uso Sustentável no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e se destinam a compatibilizar a conservação da natureza com a utilização racional de parcela dos seus recursos naturais. O Brasil possuía, em 1999 (ano-base deste documento), 46 Florestas Nacionais (Flonas), localizadas, em sua maioria, na região Amazônica. Hoje, já existem 60  Flonas no país.

Essas áreas desempenham papel relevante na manutenção da cobertura florestal, mas também se constituem em garantia de produção permanente de produtos madeireiros e não-madeireiros. Com o objetivo de ampliar e consolidar a base de florestas manejadas em áreas públicas e aprimorar o sistema de gestão das unidades de uso sustentável, o Programa Nacional de Florestas (PNF) tem como uma de suas metas ampliar em 50 milhões de hectares as Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais na Amazônia Legal, até 2010.

O PNF, criado há dois anos, tem incentivado estudos que subsidiem a expansão e a consolidação de uma rede de Florestas Nacionais. Os estudos para subsidiar essa ação, como este que ora apresentamos, estão sendo publicados pelo Componente 1 do Projeto “Apoio ao Manejo Florestal Sustentável na Amazônia – ProManejo”, como instrumento do PNF na linha temática “Expansão e Consolidação do Manejo de Florestas Nativas em Áreas Públicas”. Este documento sintetiza estudos feitos na região Amazônica, abordando a demanda por criação de novas áreas de Flonas, a metodologia para selecionar essas áreas e uma proposta de modelo de concessão e gestão das Flonas.

RAIMUNDO DEUSDARÁ FILHO
Diretor do PNF

SUMÁRIO EXECUTIVO

O Governo Federal criou em 1998 (Decreto 2.473 de janeiro de 1998) o Programa Florestas Nacionais, com o objetivo de implementar o manejo sustentável das Flonas existentes e promover a criação de novas áreas. Para implementar esse Programa, o Governo identificou e encomendou uma série de estudos estratégicos. Este relatório resume os estudos que foram contratados pelo Ministério do Meio Ambiente com colaboração da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

A criação de novas florestas nacionais. A área atual de Flonas na Amazônia (15,1 milhões de hectares) seria suficiente para abastecer, de forma sustentada, apenas entre 15% e 20% da produção atual de madeira, em torno de 28 milhões de m³ em toras por ano. Barreto (1999) estimou que a área de Flonas deveria ser aumentada para 36 milhões de hectares, considerando um cenário de modesto crescimento da produção de madeira e assumindo que as Flonas supririam 50% desta produção. Entretanto, se houver um aumento significativo na demanda por madeiras da Amazônia (por exemplo, para 42 milhões de m³ de toras por ano) a área de Flonas deveria ser de cerca de 50 milhões de hectares, assumindo que essas florestas supririam 50% da matéria prima.

Devido à imensidão da Amazônia Legal (5 milhões de km²) é fundamental estabelecer critérios para o estabelecimento de Flonas. Souza, Veríssimo e Amaral (1999) desenvolveram metodologia para identificar áreas com potencial para criação de Flonas na Amazônia. O estudo de caso foi realizado no Estado do Pará, o maior produtor de madeira em toras do Brasil.

A seleção das áreas com potencial para a criação de Flonas foi feita em quatro etapas. Inicialmente, o mapa das áreas proibidas e/ou restritas à exploração madeireira no Estado (32% das terras do Pará) foi usado para localizar as terras protegidas e, conseqüentemente, sem potencial para o estabelecimento de Flonas. Em seguida, foi usado o mapa de tipos de vegetação para excluir as áreas desprovidas de cobertura florestal (21% do Estado). Depois, foi considerado o grau de antropismo das áreas florestadas do Estado, combinando os dados de ocupação humana nas áreas florestadas (casas, sítios, fazendas, vilas) com os pontos de queimada. Dessa maneira, foi detectado que 21% do território do Estado com cobertura vegetal estava sujeito a atividades antrópicas e, portanto, com pouco potencial para a criação de Flonas. Finalmente, as áreas remanescentes (26% do Estado) foram selecionadas como aquelas com maior potencial para a criação de Flonas.

As áreas com potencial para a criação de Flonas estão, em grande parte, sob o alcance econômico da atividade madeireira; não coincidem com as áreas protegidas; apresentam relevo favorável; possuem cobertura florestal e revelam baixa pressão antrópica. Essas áreas estão distribuídas no centro-norte (próximo da Flona Caxiuanã), oeste (entre os rios Xingu e Jamaxim) e norte do Estado do Pará. Os municípios com maior potencial para a criação de Flonas no Pará são Bagre, Portel, Monte Alegre, Oriximiná, Itaituba e Altamira.

Os preços mínimos para as madeiras das Flonas. Barreto (1999) estimou o valor mínimo que deveria ser pago pela madeira em pé na região de cinco Flonas [Jamari e Bom Futuro (RO), Caxiuanã e Tapajós (PA) e Tefé (AM)]. O valor mínimo incluiu os custos do manejo florestal, administração da Flona e um lucro de 15% sobre os custos totais.

O valor mínimo ficaria entre R$ 4,40 e R$ 6,80 por m³ de madeira em pé de acordo com a produtividade da floresta e da região. A produção de madeira manejada seria lucrativa em todas as regiões estudadas, exceto em Tefé (AM). Entretanto, o preço de mercado das madeiras pode sofrer redução em várias regiões da Amazônia. O preço de mercado diminuiria porque as novas obras de infra-estrutura na região tornariam novas áreas acessíveis à exploração da madeira e à ocupação agrícola. Além disso, falta um controle eficaz dos desmatamentos e da exploração ilegal de madeira.

É necessária uma estratégia para estimular o manejo florestal que assegure às empresas que manejam a floresta custos menores do que aqueles obtidos pelas madeireiras que realizam a exploração predatória. Isso poderia ser feito, por exemplo,  através de um imposto sobre a exploração de madeira predatória e também sobre as áreas de matas nativas sujeitas a desmatamento.

Modelo para a gestão das florestas públicas na Amazônia. A legislação atual (Decreto 1.298, 27 de outubro de 1994) especifica que as Flonasdevem ser administradas pelo IBAMA sob a supervisão do Ministério do Meio Ambiente. Cada Flona deve ter seu plano de manejo incluindo programas de ação, zoneamento ecológico-econômico, diretrizes e metas para um período mínimo de cinco anos. No entanto, várias questões centrais para a gestão das Flonas não estão definidas. São apresentadas propostas para um modelo de gestão dos recursos madeireiros das Flonas.

Direito de uso e posse do recurso e tempo de concessão. Esse item refere-se aos direitos e responsabilidades do Governo e entidades privadas sobre a posse e uso dos recursos florestais nas terras públicas. Esse sistema deve ser adequado aos objetivos e capacidade administrativa do Governo e dos potenciais clientes das florestas públicas.

Barreto (em preparação) constatou uma diversidade de preferências dos empresários madeireiros quanto aos prazos de concessão de uso das Flonas. Cinqüenta e sete por cento dos entrevistados gostariam de ter direitos de uso de longo prazo, enquanto 34% preferiam concessão de direitos de curto prazo ou simplesmente comprar a madeira já explorada e 9% não indicaram preferências. Com relação ao grau de envolvimento na exploração e manejo, a maioria (54%) prefere que o Governo seja responsável por essas atividades, enquanto 37% das empresas demonstraram interesse em manejar diretamente a floresta. Outros 9% dos entrevistados não tinham preferência. Com base nessa pesquisa, Barreto e Veríssimo (1999) propõem esses dois sistemas de concessão.

Concessão de licença de manejo floresta. Neste sistema, o concessionário adquire o direito de uso da madeira explorável e é responsável pela exploração e condução dos tratamentos silviculturais dessa área. O tempo de concessão deveria ser, pelo menos, igual ao período entre colheitas (ciclo de corte) estimado em 30 a 40 anos.

Concessão de direito de exploração. Neste caso, o concessionário adquire o direito de explorar, no curto prazo (cinco anos), a madeira em uma dada área. O Governo é responsável pelo manejo da área, que poderia ser executado por empresas contratadas para esse fim.

Taxas de concessão. Em ambos os modelos de concessão, haveria duas taxas. Uma taxa de concessão que remuneraria a garantia de reserva doestoque de madeira e os custos do processo de concessão e elaboração do plano diretor da Flona. Essa taxa seria paga no ato do contrato de concessão. A outra taxa seria para remunerar  a madeira em pé a ser explorada e o pagamento ocorreria na época da exploração.

Tamanho da concessão. Para obter rendimentos anuais contínuos, a área total concedida deve ser baseada na capacidade de produção sustentável da Flona. Por exemplo, se o ciclo de corte é de 30 anos e o tamanho da área total disponível para concessão de uma dada Flona é de 150 mil hectares, a área a ser explorada anualmente não deve exceder 5 mil hectares (150 mil/30 anos).

A área a ser concedida deve ser compatível com a demanda de matéria-prima dos potenciais clientes e adequada ao sistema de concessão. Por exemplo, uma serraria com uma serra de fita necessitaria explorar cerca de 500 hectares de floresta por ano. Para suprir essa demanda, a empresa necessitaria de 15.000 hectares usando a licença de manejo em um período de 30 anos.

Para evitar que empresas grandes dominem a exploração em Flonas, parte da área explorável pode ser alocada, preferencialmente, para empresas menores, desde que atendam a outros requerimentos mínimos (por exemplo, experiência com manejo florestal).

Incentivos ao bom desempenho dos concessionários:

Sanções. Os contratos estabeleceriam penas caso os concessionários não cumprissem o plano de manejo ou outros itens contratuais.

Licenças temporárias. A necessidade de renovar as licenças (a cada 5 anos para concessão de longo prazo e anual para concessão de curto prazo) estimularia o bom desempenho dos concessionários.

Pagamento de depósitos reembolsáveis. Além do pagamento da taxa de concessão ou de exploração, o concessionário faria um depósito, que seria reembolsado após um certo período caso fosse comprovado o bom desempenho do concessionário. Por exemplo, o depósito poderia ser reembolsado no final do ano de exploração se fosse constatado que a exploração seguiu o planejamento.

INTRODUÇÃO

Atualmente, a indústria florestal é uma das principais atividades econômicas na Amazônia, contribuindo com 15% a 20% do Produto Interno Bruto dos Estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia. Entretanto, maior parte da exploração madeireira ocorre de forma predatória, afetando extensas áreas de floresta em toda região. Uma forma de garantir o uso sustentável e a conservação dos recursos florestais é controlar o uso das florestas privadas. No entanto, essa tarefa é muito difícil, dados os altos custos políticos e financeiros. Uma estratégia complementar para conservação florestal é a criação de florestas públicas de produção. Esse modelo é utilizado em vários países para produzir bens e serviços florestais sob controle do Estado. Para isso, o Estado pode manejar diretamente a floresta ou conceder, temporariamente, o uso da floresta para uma instituição privada ou mista.

A criação de florestas públicas no Brasil foi estabelecida no Código Florestal de 1965. Atualmente, existem 46 Florestas Nacionais (Flonas) totalizando cerca de 152.000 km². Praticamente toda a área de Flonas (99,5%) fica na Amazônia e a maioria dessas unidades de conservação foi criada a partir dos anos 1980. Até o momento, nenhuma das Flonas foi usada para produção de madeira. Dado o aumento das ameaças sobre os recursos florestais da região, o Governo Federal criou em 1998 (Decreto 2.473, de janeiro de 1998) o Programa Florestas Nacionais, com o objetivo de implementar o manejo sustentável dessas florestas e promover a criação de novas áreas.

Para implementar o Programa Florestas Nacionais, o Governo identificou a necessidade de realizar diversos estudos estratégicos. Este relatório sintetiza esses estudos e inclui: I – análise do valor mínimo a ser pago pela madeira oriunda de Flonas; II – análise sobre a demanda pela criação de novas áreas de Flonas; III – metodologia para selecionar estas áreas; e IV – uma proposta de modelos de concessão e gestão de Flonas na Amazônia.

Estes estudos foram gerados no contexto da cooperação entre o Ministério do Meio Ambiente e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), por meio do projeto “Agenda Positiva para o Setor Florestal do Brasil” (UTF/BRA/047).

A Criação de Novas Florestas Nacionais

Qual a Demanda por Florestas Públicas?

A definição da área de florestas nativas que deve ser alocada para Florestas Públicas depende da função dessas florestas para o setor florestal brasileiro. O objetivo desta seção é discutir aspectos da demanda pela criação de Flonas em diferentes cenários.

A definição da demanda por áreas de Flonas depende de respostas para várias perguntas. Primeira qual a demanda por madeira em tora? Dados do Imazon indicam que a produção da Amazônia em 1997 foi aproximadamente de 28 milhões de m³ em tora ou cerca de 9,7 milhões de m³ de madeira processada (Veríssimo e Lima, em preparação). O Imazon estima que a demanda por madeira em tora na Amazônia pode atingir 42 milhões de m3 em 2010, presumindo-se um aumento na procura por essas madeiras tanto no mercado interno quanto no externo.

Para estimar de forma mais precisa a demanda brasileira por florestas nativas, seria necessário também saber a função de florestas nativas e florestas plantadas na matriz da produção florestal. Embora o discurso pró-reflorestamento tenha aumentado entre os empresários madeireiros da região, ainda é cedo para acreditar que haverá substancial investimento privado nessa área. São várias as razões para isso. Os custos do reflorestamento são relativamente altos (US$250 a US$500 por hectare) e o prazo para maturação do investimento é longo (acima de 20 anos). Além disso, os riscos do reflorestamento são altos devido à escassez de experiências com o reflorestamento na região. Finalmente, a própria abundância de madeira de florestas nativas desencoraja os investimentos. Assim, o reflorestamento dependeria de financiamentos atrativos com recursos públicos. De qualquer forma, se a decisão de investir substancialmente em reflorestamento fosse tomada, seriam necessários 40 a 60 anos para uma transição de produção de florestas nativas para florestas plantadas.

A demanda por florestas públicas de produção também dependerá de qual será a participação dessas áreas em relação às terras privadas naprodução madeireira regional. A resposta a essa pergunta depende de políticas públicas e de outros fatores econômicos sobre os quais o Governo Federal tem tido pouco controle. Até o momento, o Governo não tem conseguido estimular o manejo das florestas privadas. Essas florestas têm sido desmatadas ou exploradas de forma predatória. O estímulo ao manejo em terras privadas dependeria de intensiva política de promoção como, por exemplo: extensão florestal, estímulos financeiros e segurança fundiária, e ao mesmo tempo o controle da exploração predatória.

Outro fator para definir a demanda por florestas públicas seria a importância dessas florestas na estratégia de conservação da Amazônia. A conservação absoluta de grandes áreas da Amazônia é uma tarefa difícil em função dos custos financeiros, sociais e políticos. Portanto, a criação de florestas de produção que geram renda e mantém parte das áreas intocadas seria uma estratégia complementar importante para conservar grandes áreas de floresta na região.

 

Um Exercício sobre a Demanda de Área para Florestas Públicas

Barreto e Veríssimo (1999) elaboram vários cenários sobre a demanda de madeira oriunda de florestas públicas. Os resultados desse exercício podem orientar a definição da demanda em função de uma visão sobre a função das Flonas e pressupostos sobre cenários relativos ao setor florestal. O exercício considera cenários de demanda de 30 e 42 milhões de metros cúbicos de madeira em toras (Tabela 1). Para ambos os casos, presumiu-se uma capacidade de produção madeireira média: colheita de 25 m³ de madeira em tora por hectare a cada 30 anos. Presumiu-se também que 50% da área da Flona seriam destinados à produção de madeira. O restante seriam áreas de proteção permanente ou destinadas a outros usos incompatíveis com a exploração madeireira.

A demanda por área total das Flonas é dada em função da proporção de madeira em tora que será suprida pelas Flonas na região (Tabela 1). Por exemplo, a área total de Flonas deveria ser de cerca de 36 milhões dehectares, supondo-se que a demanda por madeira seria de 30 milhões de m³/ano e que as Flonas supririam 50% dessa total (Tabela 1). Neste caso, seria necessário criar mais 21 milhões de hectares de Flonas, dado que a área atual é de 15 milhões de hectares (Tabela 1).

Se a demanda por madeira atingir os 42 milhões de m³/ano previstos pelo Imazon e considerando que as Flonas supririam 50% dessa demanda, a área total de Flonas deveria ser de cerca de 50 milhões de hectares (Tabela 1). Portanto, seria necessário adicionar 35 milhões de hectares de Flonas na Amazônia.

Esse exercício também permite avaliar quanto da demanda seria abastecida pelas Flonas atuais. A área para produção de madeira das Flonas atuais ficaria em torno de 7,6 milhões de hectares (supondo-se que somente 50% das Flonas seriam destinadas à produção de madeira). Essa área abasteceria apenas 20% do consumo atual de madeira (28 milhões de metros cúbicos de toras) e cerca de 15% da demanda projetada de 42 milhões de m³ de toras.

image 2 300x139 - Informações e Sugestões para a Criação e Gestão de Florestas Públicas na AmazôniaTabela 1: Necessidade de Flonas (em milhões de ha) de acordo com a demanda por madeira em tora na Amazônia.

Onde Criar Novas Flonas? Um Estudo de Caso para o Estado do Pará

Souza, Veríssimo e Amaral (1999) desenvolveram metodologia para facilitar a seleção de áreas para a criação de Flonas na Amazônia. Essa metodologia foi aplicada em um estudo de caso conduzido no Estado do Pará. O Pará foi escolhido por ser o maior produtor de madeira em toras do Brasil e conter os vários padrões de exploração madeireira existentes na Amazônia. O objetivo geral do estudo foi desenvolver um método para a identificação de áreas para a criação de Flonas que possa ser replicado nos outros Estados existentes na Amazônia Legal.

A seleção das áreas com potencial para a criação de Flonas foi feita com base em quatro análises. Inicialmente, utilizou-se o mapa das áreas proibidas e/ou restritas à exploração madeireira no Estado (32% das terras do Pará) para localizar as terras protegidas e, conseqüentemente, sem potencial para o estabelecimento de Flonas. Em seguida, utilizou-se o mapa de tipos de vegetação para excluir as áreas desprovidas de cobertura florestal (21% do Estado). O terceiro passo foi considerar o grau de antropismo das áreas florestadas do Estado, combinando os dados de ocupação humana (casas, sítios, fazendas, vilas) com as áreas que sofreram queimadas. Isso é importante para evitar custos de desapropriação ou conflitos com as populações. Por isso, adotou-se o critério de selecionar as áreas com pouco ou nenhum indício de atividade antrópica. Dessa maneira, detectou-se que 21% do território do Estado com cobertura vegetal estavam sujeitos a atividades antrópicas e, portanto, não eram indicados para a criação de Flonas. Finalmente, a área resultante dessas subtrações (26% do Estado) foi potencialmente indicada para a criação de Florestas Nacionais. Essas áreas estão, em grande parte, sob o alcance econômico da exploração madeireira; não coincidem com as áreas protegidas; apresentam relevo favorável; possuem cobertura florestal; e revelam baixa pressão antrópica.

As áreas indicadas para a criação de Flonas diferenciam-se em termos de situação fundiária, infra-estrutura e pressões antrópicas; o que resulta em oportunidades diferentes para a criação de Flonas. Para facilitar adescrição, essas regiões foram numeradas de 1 a 5 (Figura 1).

Localizada no centro-norte do Estado, a zona 1 oferece boas condições de acesso fluvial, embora o acesso rodoviário seja precário. A maioria das terras é coberta por florestas densas de terra firme de elevado potencial madeireiro. Além disso, a região possui poucos indícios de ocupação antrópica e está estrategicamente situada entre a Flona Caxiuanã e os pólos madeireiros de Portel, Tucuruí, Breves e Belém (Figura 1).

No oeste do Estado, sob a influência da rodovia Cuiabá-Santarém, encontram-se as zonas 2 e 3. Nessa região, as atividades econômicas concentram-se na exploração seletiva do mogno e na garimpagem de ouro. As condições precárias da rodovia (em sua maior parte não pavimentada) têm contribuído para manter a cobertura florestal relativamente intacta. Na zona 2, o relevo é submontanhoso com faixas de planícies aluviais, enquanto na zona 3, o relevo é mais acidentado (Figura 1).

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Figura 1: Zonas com potencial para criação de Flonas no Estado do Pará.

Embora a pressão madeireira seja comparativamente menor, há duas razões para priorizar a criação de Flonas nessas zonas. Primeiro, há grandes extensões de terras devolutas que poderiam ser destinadas ao estabelecimento de Flonas. Segundo, os planos de asfaltamento da Santarém-Cuiabá podem catalisar um aumento expressivo no desmatamento. O estabelecimento de Flonas nessa região poderia disciplinar a ocupação, estabilizar a fronteira e assegurar o uso racional dos recursos florestais.

As áreas mais remotas e, portanto, menos favoráveis à criação de Flonas, são as zonas 4 e 5. Essas zonas, posicionadas no norte do Estado, são formadas por florestas densas, porém com precárias condições de acesso em função do relevo (áreas acidentadas), ausência de estradas e rios não navegáveis. O relevo da zona 4 é formado por platôs dissecados e aplainados e planícies aluviais na porção sul, enquanto na zona 5 predominam altos platôs e relevo muito ondulado (Figura 1). Essas áreas podem ser designadas como Flonas (áreas com maior potencial de uso e não altamente prioritárias para preservação) ou como reservas da natureza, para o caso das áreas com alta prioridade para conservação.

Considerações Gerais

A criação de Flonas nas áreas indicadas deve ser precedida de um levantamento rápido das informações. Imagens de satélite podem ser usadas para uma rápida avaliação, por apresentarem a capacidade de cobrir regiões extensas, e extrair informações sobre a cobertura vegetal de forma rápida, precisa e a um baixo custo. Por exemplo, imagens Landsat TM podem ser usadas para identificar se a extração madeireira tem ou não ocorrido nas áreas pré-selecionadas para criação de Flonas. Outro tipo de informação seria a ocorrência de incêndios florestais, o que provavelmente diminuiria drasticamente o valor dos recursos madeireiros dessas áreas. As imagens podem também ser usadas para avaliar, com maior detalhe, o grau de ocupação antrópica e a existência de redes de estradas não oficiais. Logo, é preciso considerar que os resultados desse trabalho representam uma primeira aproximação para a seleção de áreas para criação de Flonas em escala regional (1:2.000.000). O próximo passo é obter informações detalhadas dessas áreas em uma escala maior (1:50.000), a partir de imagens de satélite associadas a visitas de campo.

PREÇOS MÍNIMOS PARA AS MADEIRAS DAS FLONAS

A sustentabilidade econômica da exploração nas Flonas dependerá da capacidade da indústria em pagar o valor mínimo necessário para manejá-las. Barreto (1999) comparou o valor mínimo que deveria ser pago pela madeira em pé da floresta manejada com os preços médios de mercado na região de cinco Flonas [Jamari e Bom Futuro (RO), Caxiuanã e Tapajós (PA) e Tefé (AM)]. O valor mínimo incluiu os custos do manejo, proteção da floresta (por exemplo, vigilância), administração da Flona e um lucro de 15% sobre os custos.

Nas Flonas Tapajós, Bom Futuro/Jamari e Caxiuanã, o valor mínimo deveria ser de R$ 5,50, R$ 4,90 e R$ 4,40 por m³ de madeira em pé, respectivamente, para situações de baixa, média e alta produtividade florestal[1]. Na Flona Tefé, o valor mínimo deveria ser maior do que nas outras regiões, ficando em R$ 6,80, R$ 6,10 e R$ 5,40 por m3, respectivamente para florestas de baixa, média e alta produtividade. O custo do manejo por metro cúbico na região da Flona Tefé seria maior, porque o volume médio explorado nessa região seria de 20m³/ha, ao invés de 25m³/ha das outras regiões.

Com exceção de Tefé (AM), a produção de madeira manejada seria lucrativa em todas as regiões estudadas (Figuras 2 a 4). Em Tefé, o valor de mercado da madeira explorada predatoriamente foi menos da metade do valor mínimo que deveria ser pago pela madeira oriunda de floresta manejada (Figura 5).

Em todas as regiões onde as Flonas seriam lucrativas, com exceção de Caxiuanã, a produção sustentável de madeira em florestas públicas seria mais barata do que a produção manejada em floresta privada (Figuras 2 e 3). Os custos de produção em floresta privada seriam mais altos devido aos custos do capital investido na terra, que não foram considerados para as terras públicas. Na região de Caxiuanã, os custos de produção seriam similares entre floresta pública e privada (Figura 4), pois o valor da terra na região é muito baixo, reduzindo os custos de capital.

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Figura 2: Valor mínimo da madeira manejada versus valor médio da madeira extraída de forma predatória na região da Flona Tapajós (PA).

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Figura 3: Valor mínimo da madeira manejada versus valor médio da madeira extraída de forma predatória na região das Flonas Jamari e Bom Futuro (RO)

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Figura 4: Valor mínimo da madeira manejada versus valor médio da madeira extraída de forma predatória na região da Flona Caxiuanã (PA).

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Figura 5: Valor mínimo da madeira manejada versus valor médio da madeira extraída de forma predatória na região da Flona Tefé (AM).

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1 Alta, média e baixa produtividades foram definidas como a exploração de 25 m³ de madeira em ciclos de corte de 20,30 e 40 anos respectivamente (Barreto, 1999).

Estratégia para Estimular a Produção Sustentável de Madeira na Amazônia

O estudo de Barreto (1999) indicou que a produção sustentável de madeira seria lucrativa na região de quatro das cinco Flonas estudadas. Entretanto, essa situação poderia mudar com certa rapidez. Novas obras de infra-estrutura na região devem tornar novas áreas acessíveis à exploração da madeira e à ocupação agrícola. Além disso, a falta de controle eficaz dos desmatamentos e exploração de madeira podem levar à redução dos preços da madeira. Assim, a madeira disponível no mercado pode torna-se mais barata do que a madeira produzida em florestas manejadas, desestimulando o manejo florestal.

Portanto, seria necessária uma estratégia para estimular o manejo florestal. Estratégia complementar à fiscalização, seria forçar a inclusão dos custos do manejo aos custos de produção de toda a madeira explorada na região. Isso evitaria que as empresas que manejam a floresta tivessem custos mais altos do que aquelas que não manejam. Isso poderia ser feito, criando-se um imposto sobre a exploração predatória de madeira e áreas de desmatamento.

Características e Valor do Imposto

O imposto seria cobrado sobre a madeira a ser industrializada oriunda de exploração predatória e de desmatamento de florestas nativas. Assim, o imposto seria um tipo de royalty pelo uso destrutivo ou depreciação de um recurso que, segundo o Código Florestal, é um bem de interesse comum (Art. 1° da Lei n° 4.771 de 15/9/65). O valor do imposto poderia ser baseado no custo de recuperar as florestas exploradas ou desmatadas, que seriam, respectivamente, R$ 7/m³ e R$ 13/m³. As estimativas de Arima e Veríssimo (1999) indicam que as indústrias madeireiras seriam lucrativas (por exemplo, obtenção de 15% de lucro), mesmo pagando-se impostos elevados (R$ 13/m³).

Destinação do Imposto

A destinação do imposto é sujeita a debates políticos. No entanto, pode-se, preliminarmente, destacar investimentos prioritários no setor florestal, como:

• proteção e administração de florestas públicas existentes e apoio para a criação de novas áreas;

• controle das atividades de uso do solo (por exemplo, desmatamento, exploração de madeira);

• extensão florestal; e

• pesquisas aplicadas ao manejo e conservação de recursos florestais.

Os fundos deveriam ser destinados prioritariamente para a Amazônia e seriam administrados por uma Agência Florestal ou instituição equivalente do Governo na área florestal.

Quem Pagaria o Imposto?

Para facilitar sua cobrança do imposto, a indústria madeireira que consome toras de origem não manejada pagaria o imposto. As autorizações de desmatamento e de exploração seletiva, emitidas pelo IBAMA, seriam usadas para calcular o valor devido por esses usuários das toras.

Efeitos Potenciais do Imposto
Um imposto sobre a madeira predatória teria vários efeitos positivos e alguns efeitos negativos que poderiam ser minizados. O aumento do custo da madeira deveria estimular maior eficiência no seu uso e tambémestimular o manejo florestal. O aumento do custo da madeira também tenderia a diminuir o preço que a indústria estaria disposta a pagar pela madeira extraída de forma predatória. Isso levaria, primeiro, à redução da receita potencial de proprietários rurais que vendem madeira antesdo desmatamento; e, segundo, à redução do desmatamento onde a exploração de madeira fomenta tal prática.

A diminuição da renda de proprietários rurais em algumas regiões de fronteira poderia levar a um refluxo da população destas regiões para áreas de ocupação mais antigas. A princípio, isso seria um problema se não forem criados empregos para esses agricultores. No entanto, o estímulo ao manejo e ao melhor aproveitamento da madeira poderia gerar empregos inexistentes atualmente no setor florestal. Programas de treinamento de mão-de-obra para o setor florestal seriam essenciais nesta fase de transição.

É pouco provável que os madeireiros pudessem repassar o valor do imposto para o consumidor, pois há competição entre as empresas na região. Assim, para manter os lucros as empresas deveriam diminuir o consumo de toras para diminuir os custos com matéria-prima. As empresas seriam estimuladas a aumentar a eficiência do aproveitamento da madeira dos atuais 30% a 35% da tora para, pelo menos, 50%. A redução de resíduos permitiria uma redução substancial da poluição nas áreas industriais, onde restos de madeira são queimados, transformados em carvão ou despejados nas margens das ruas e rodovias. A redução de desperdício na floresta também seria importante. Estimativas de Vidal et al. (1997) mostram que a redução de desperdício na floresta e nas indústrias poderia diminuir a demanda de madeira em toras em cerca de 50%.

 

Receita Potencial do Imposto

Barreto (1999) estimou, de forma preliminar, que a receita líquida anual desse imposto poderia ficar entre R$ 11 e R$ 21 milhões. Para isso, Barreto presumiu que haveria uma redução significativa da exploração predatória (de cerca de 80% para 25% do volume total explorado). A receita potencial é expressiva quando comparada ao orçamento anual médio das Superintendências do IBAMA na Amazônia, entre 1994 e 1997, de R$ 13,1 milhões.

MODELO DE GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS PARA A AMAZÔNIA

Atualmente existe definição de que as Flonas devem ser administradas pelo IBAMA, sob a supervisão do Ministério do Meio Ambiente (Decreto 1.298 de 27 de outubro de 1994). Cada Flona deve ter seu plano de manejo, incluindo: programas de ação, zoneamento ecológico-econômico e diretrizes e metas para um período mínimo de 5 anos. O uso dos recursos naturais deverá ser licenciado pelo IBAMA.

No entanto, várias questões centrais para a gestão das Flonas não estão definidas. Embora o Programa Florestas Nacionais do Governo vislumbre a concessão do direito de uso de recursos florestais para instituições privadas, falta um mecanismo legal que defina os direitos e obrigações do setor privado no uso e manejo destes recursos. Técnicos do IBAMA e do MMA já identificaram essa falha e prepararam umanteprojeto de lei sobre o assunto. A seguir, apresentam-se propostas para um modelo de gestão dos recursos madeireiros das Flonas. Embora a ênfase seja dada para recursos madeireiros, vários dos princípios apresentados são válidos para outros recursos. Os temas abordados serão os seguintes:

• direito de uso e posse do recurso e tempo de concessão de uso;

• tamanho da concessão;

• incentivos ao manejo da concessão; e

• processo de alocação das concessões.

 

Direito de Uso e Posse do Recurso e Tempo de Concessão

O sistema de posse e uso de florestas públicas refere-se aos direitos e responsabilidades do Governo e entidades privadas sobre a posse e uso dos recursos florestais. Vários modelos de posse e uso de florestas públicas têm sido usados no mundo (Anexo A). Esses modelos incluem uma graduação de transferência de direitos, indo desde a privatização total da floresta e solo (exemplo no Chile), até a venda da madeira explorada para empresas privadas (exemplos na Europa e Tanzânia).

O modelo a ser usado pelo Brasil deve ser adequado aos objetivos e capacidade administrativa do Governo e dos potenciais clientes das florestas públicas. No Brasil, as Flonas devem atender aos seguintes objetivos (Decreto 1298 de 27 outubro de 1994):

• promover o manejo dos recursos naturais, com ênfase na produção de madeira e outros produtos vegetais;

• garantir a proteção dos recursos hídricos, das belezas cênicas e dos sítios históricos e arqueológicos;

• fomentar o desenvolvimento da pesquisa científica básica e aplicada, da educação ambiental e das atividades de recreação, lazer e turismo.

Dado que as Flonas devem ter múltiplas funções, incluindo serviços ambientais, será necessário um estrito controle governamental sobre o seu uso. Gray (1997) recomendou que a concessão de uso de florestas públicas em áreas nativas tropicais deveriam fazer uma baixa transferência de direitos para o concessionário, pois esses tenderiam a superexplorar a floresta. Isso ocorreria em decorrência do baixo retorno do investimento (entre 1 a 4%/ano) nas floresta tropicais, devido ao baixo incremento madeireiro (1 a 3%/ano) e reduzido aumento real do preço da madeira(1 a 2%/ano).

O modelo de concessão deve também considerar as preferênciasde potenciais clientes para exploração madeireira nas Flonas da Amazônia, como as empresas madeireiras operando na região. Um estudo recente (Barreto, em preparação[2]) revelou que 80% dos empresários madeireiros questionados, aprovaram a idéia da exploração em florestas públicas da região. Somente 3% dos empresários desaprovaram a idéia, enquanto 17% não tinham opinião formada sobre o assunto.

Nesse levantamento Barreto (em preparação) constatou a diversidade de preferências dos empresários madeireiros quanto a prazos de concessão de uso das Flonas. Cinqüenta e sete por cento dos entrevistados gostariamde ter direitos de uso de longo prazo, enquanto 34% preferiam concessão de direitos de curto prazo ou simplesmente comprar a madeira já explorada e 9% não indicaram preferências. Com relação ao grau de envolvimento na exploração e manejo, a maioria (54%) prefere que o Governo seja responsável por essas atividades, enquanto 37% das empresas demonstraram interesse em manejar diretamente a floresta. Outros 9% dos entrevistados não tinhampreferência (Tabela 2).

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Tabela 2: Preferências de empresários madeireiros da Amazônia sobre modelos de concessão de florestas públicas.

As preferências refletem algumas características das empresas. Barreto (em preparação) detectou que as empresas que processam maiores volumes de madeira tendem a preferir modelos de menor envolvimento com a administração e manejo da floresta. Altas demandas de madeira levariam à necessidade de reservar grandes áreas para a produção sustentável. Sistemas de concessão que requerem maior envolvimento das empresas parecem envolver riscos ou requerem capacidade gerencial que estão acima do que esses empresários estariam dispostos a aceitar. Por exemplo, no sistema em que a empresa é responsável pela silvicultura, a empresa teria que investir em treinamento nessa atividade.

Barreto também detectou que os empresários, com a garantia de estoques de madeira de mais longo prazo[3], tendem a preferir sistemas de maior envolvimento na administração de florestas públicas. Isso talvez seja explicado, pelo fato de que esses empresários observam as vantagens dessa garantia para o planejamento dos seus negócios.

Em suma, o estudo de Barreto revela que, para aumentar a clientela potencial das Flonas, seria recomendável usar mais de um sistema de concessão. A seguir, apresentam-se dois sistemas de concessão que poderiam ser usados para as Flonas em áreas de florestas nativas.

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2 Barreto perguntou, por meio de questionários enviados pelo correio, sobre a preferência dos empresários em relação aos quatro sistemas de concessão descritos. Foram obtidas respostas de um total de 35 empresários.

3 Essa garantia era evidenciada por contratos de arrendamento ou posse de florestas.

 

Concessão de Licença de Manejo Florestal

Neste sistema, o concessionário adquiriria o direito de uso da madeira explorável de uma dada área e seria responsável pela exploração e condução dos tratamentos silviculturais da área (Tabela 3). Dado que o concessionário ficaria responsável pelo manejo, o tempo de concessão deveria ser pelo menos igual ao período entre colheitas (ciclo de corte), em torno de 30 a 40 anos. No entanto, a concessão deveria ser sujeita a renovações a cada cinco anos. Dessa forma, ficaria garantida a possibilidade de encerrar o contrato se o concessionário não cumprisse o plano de manejo. Complementarmente às ações de fiscalização do Governo, as renovações dependeriam de análises conduzidas por auditores independentes. Os critérios e forma de avaliação deveriam ser claramente estabelecidos em contrato.

 

Concessão de Direito de Exploração

Nesse sistema, o concessionário adquiriria o direito de explorar, no curto prazo, o volume explorável de madeira em uma dada área. Recomenda-se que o prazo de concessão seja de cinco anos. Nesse período, a concessão teria que ser renovada anualmente. As vistorias anuais realizadas pelo IBAMA nos planos de manejo atuais poderiam ser usadas como base para validar ou não a renovação da concessão. O prazo de concessão de uma dada área poderia ser prorrogado, caso o concessionário não conseguisse explorar a madeira no prazo inicial devido problemas alheios ao seu controle, como questões de mercado e  clima. O Governo seria responsável pelo manejo da área, que poderia ser executado por empresas contratadas para esse fim.

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Tabela 3: Sistemas de concessão de uso da floresta que poderiam ser usados nas Flonas de florestas nativas do Brasil.

Taxas de Concessão

A baixa geração de receitas em concessões florestais é um problema comum em vários países. Esse fenômeno decorre da fraca arrecadação das taxas e do valor baixo dessas concessões (Gray, 1997). A alocação das concessões deveria ser feita por meio de leilões para estimular maiores preços da concessão (Ver item “Etapas para a alocação das concessões”). Além disso, é importante definir valores mínimos para as taxas de concessão, incluindo custos administrativos, silviculturais e remuneração mínima pelo valor da madeira. A seguir, apresentam-se sistemas de taxação para os dois modelos de concessão propostos.

 

Taxas no Sistema de Concessão de Licença de Manejo

Taxa para concessão da licença de manejo florestal

Essa taxa remuneraria a garantia de reserva do estoque de madeira, os custos do processo de concessão e a elaboração de um plano diretor da Flona. Essa taxa seria paga no ato do contrato de concessão. Com base em dados do IBAMA (1997), estimou-se o custo administrativo (processo de concessão e da elaboração do plano diretor) em cerca de R$ 0,5/ha[4].

Enquanto o Governo reserva uma floresta para um concessionário, esse concessionário economiza o custo do capital necessário para comprar a área. Portanto, o valor da taxa de concessão poderia ser proporcional a esse custo de capital. Barreto (em preparação) estimou os valores potenciais da taxa de licença de manejo, usando um intervalo de valores de mercado da madeira em pé na Amazônia. O uso dos valores de mercado da madeira em pé na época da concessão seria útil porque levaria em conta a situação (por exemplo, distância para o mercado e forma de acesso) e a qualidade da floresta (por exemplo, espécies comerciais e topografia). Barreto (em preparação) usou taxas de juros de 12%/ano e um período de concessão de 30 anos para estimar o valor de reserva da madeira apresentados na Tabela 4.

Por exemplo, em uma região onde o valor da madeira em pé equivalesse a R$ 60/ha, a taxa mínima de concessão deveria custar R$ 12,3 por cada hectare reservado, incluindo R$ 11,8/ha pelo valor de reserva da madeira e R$ 0,5/ha de taxa administrativa. Nesse caso, a taxa de concessão equivaleria a R$ 0,49 por metro cúbico de madeira em pé reservada, pressupondo-se que haveria em média 25m3 de madeira explorável por hectare. Neste cenário, uma indústria que precisasse reservar 12.000 hectares de floresta para exploração sustentável (explorando 400 ha por ano ao longo de 30 anos), teria que pagar R$ 147.600 (12.000 ha x R$ 12,3 /ha) de taxa de concessão.

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Tabela 4: Valor da taxa de concessão de acordo com o valor da madeira explorável.

4 Dividiram-se os custos apresentados pelo IBAMA (IBAMA, 1997), usados para cinco Flonas da Amazônia pela área destas Flonas que poderia ser concedida. Assumiu-se que 50% das áreas seriam manejadas para produção de madeira.

Taxa de Exploração

Essa taxa remuneraria a madeira a ser explorada e o seu pagamento ocorreria na época da exploração. A taxa seria dada pelo maior de um dos dois produtos a seguir:

m3 explorável por ha X valor mínimo da madeira em pé (R$/ m3)

ou

m3 explorável por ha X valor de mercado da madeira em pé (R$/ m3).

O uso do valor mínimo evitaria que a madeira fosse vendida por um preço que inviabilizasse a administração da Flona, enquanto que o uso do valor de mercado, quando este fosse maior do que o preço mínimo, permitiria que o Governo capturasse eventuais aumentos de preços da madeira no mercado. Considerando-se o valor estimado por Barreto (1999), a taxa mínima de exploração ficaria em cerca de R$ 61 por hectare a ser explorado, em uma área onde o volume explorável fosse de cerca de 25/m3/ha. Nesse caso, o concessionário arcaria também com os custos silviculturais, que deveriam ficar em torno de R$ 62/ha.

Taxas no Sistema de Concessão de Licença de Exploração

Neste caso, o concessionário adquiriria o direito sobre uma dada área a curto prazo (por exemplo, cinco anos), cujo manejo seria de responsabilidade do concedente.

Taxa de Concessão da Licença de Exploração

Essa taxa remuneraria o valor da garantia da reserva do estoque de madeira, como no caso da licença de manejo. A estimativa do valor mínimo dessa taxa seria igual à estimativa do valor da concessão da licença de manejo, mas usando um prazo de concessão menor (por exemplo, cinco anos, ao invés de 30 ou 40). Barreto (em preparação) encontrou que a taxa de concessão de exploração de cinco anos poderia ser cerca de 2,5% maior do que a taxa de concessão de licença de manejo de 30 anos. Assim, os dados usados na Tabela 4 podem facilmente ser usadospara calcular o valor da taxa de concessão da licença de exploração. Por exemplo, a taxa para uma área cujo valor de mercado atual é R$ 60/ha, seria de R$ 12,6/ha (12,3 na Tabela 4 x 1,025). Logo, para reservar 2.000 hectares, o suficiente para abastecer por cinco anos uma serraria com uma serra de fita (explorando 400 ha/ano), seria necessário pagar R$ 25.200 (2.000 ha x R$ 12,6/ha).

Taxa de Exploração

Essa taxa pagaria o valor da madeira a ser explorada. A taxa seria calculada com base no maior dos dois produtos a seguir:

m3 explorável por ha X valor mínimo da madeira em pé (R$/ m3), incluindo os custos silviculturais.

ou

m3 explorável por ha X valor de mercado da madeira em pé (R$/ m3)

O valor mínimo deveria incluir os custos silviculturais, pois o Governo seria responsável pelo manejo da floresta. Considerando-se o valor estimado por Barreto (1999), a taxa mínima, incluindo os custos silviculturais, ficaria em cerca de R$ 123 por hectare considerando um volume explorável de 25/m3/ha.

Considerações Finais sobre as Taxas de Exploração

O custo total da madeira seria muito similar entre os sistemas de concessão de licença de manejo e concessão de exploração. A grande diferença entre os sistemas é que, no caso da licença de manejo, o próprio concessionário faz o manejo e, portanto, assume diretamente os custos, enquanto na licença de exploração os custos do manejo executado pelo Governo estariam embutidos na taxa de exploração (Tabela 5). Por exemplo, o custo de aquisição da madeira na época da exploração ficaria em torno de R$ 4,90 por m3 de madeira em pé (Tabela 5).

No entanto, os custos do manejo poderão diferir conforme a eficiência do concessionário ou do Governo. Assim, os custos totais da madeira poderão diferir entre sistemas de concessão.

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Tabela 5: Custos totais da madeira na época da exploração.

Tamanho da Concessão

Dois aspectos sobre o tamanho das áreas de concessão serão destacados nesta seção. Primeiro, a área concedida deve ser baseada na capacidade de produção sustentável da Flona. Por exemplo, se o ciclo de corte é de 30 anos e o tamanho da área total disponível para concessão de uma dada Flona é de 150 mil hectares, a área a ser explorada anualmente não deve exceder 5 mil ha (150 mil/30 anos). Assim, seria possível obter rendimentos anuais contínuos da Flona.

Segundo, a área a ser concedida deve ser compatível com a demanda de matéria-prima dos potenciais clientes e adequada ao sistema de concessão. Para estimar áreas adequadas para determinada demanda e modelo, basta multiplicar a demanda anual de uma indústria pelo número de anos de concessão (Tabela 6). Por exemplo, uma serraria com uma serra de fita necessitaria explorar cerca de 400 hectares por ano, presumindo-se o consumo de 10.000 metros cúbicos de toras e a produção de 25 m3 por hectare. Para suprir essa demanda de uma floresta manejada, essa empresa necessitaria de 12.000 hectares, usando a licença de manejo em um período de 30 anos. Essa mesma empresa necessitaria de 2.000 ha para garantir por cinco anos seu abastecimento usando uma licença de exploração. Uma fábrica de compensados que precise de 70.000 m3 de toras, necessitaria de 81.000 hectares de floresta para o abastecimento total no modelo de licença de manejo (Tabela 6).

Para evitar que empresas grandes dominem a exploração em Flonas, parte da área explorável pode ser preferencialmente alocada para empresas menores, desde que estas atendam a outros requerimentos mínimos. Por outro lado, para evitar a dificuldade de administrar vários contratos pequenos, o Governo poderia estimular as empresas pequenas a formarem cooperativas ou associações para competirem nos leilões de concessão.

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Tabela 6: Tamanho das concessões de acordo com demanda da indústria e modelo de concessão.

Ônus e Incentivos ao bom Desempenho dos Concessionários

São necessários mecanismos para incentivar o bom desempenho dos concessionários (Gray, 1997). Os mecanismos a seguir são, em grande parte, baseados em Gray (1997).

Sanções – Os contratos estabeleceriam multas e penas caso os concessionários não cumprissem o plano de manejo ou outros itens contratuais. As penas poderiam incluir a perda do contrato e da taxa de concessão, além do ônus de recuperar eventuais danos ambientais e financeiros.

Licenças temporárias – A necessidade de renovar as licenças (a cada cinco anos para concessão de longo prazo, e anual para concessão de curto prazo) estimulariam o bom desempenho dos concessionários.

Pagamento de depósitos reembolsáveis – Além do pagamento da taxa de concessão ou de exploração, o concessionário faria um depósito, que seria reembolsado após um certo período caso fosse comprovado obom desempenho do concessionário. Por exemplo, o depósito poderia ser reembolsado no final do ano de exploração se fosse constatado que a exploração seguiu o planejamento. A exigência de depósitos requer que o Governo defina, com precisão, os critérios de avaliação e que estabeleça mecanismos confiáveis de análise. Por isso, seria melhor estabelecer este mecanismo apenas quando os funcionários do Governo adquirissem experiência na administração das Flonas.

Etapas para a Alocação das Concessões

Essa seção apresenta etapas que devem ser seguidas pelo Governo para garantir o sucesso da alocação das concessões. As sugestões foram baseadas, em grande parte, no documento de Gray (1997).

Etapa 1. Garantia de que a área a ser concedida não se sobrepõe a áreas designadas para outros usos da terra ou que não haja conflito fundiário.

A regularização fundiária é extremamente importante na Amazônia. Os conflitos em andamento entre o IBAMA e moradores tradicionais ao redor da Flona Tapajós em Santarém (PA) exemplificam que estes conflitos podem destruir a possibilidade de sucesso do manejo das Flonas. Situações de litígio são caras e desestimulam o interesse de potenciais candidatos às concessões.

Etapa 2. Início do processo de concessão.

O Governo deve liderar o processo, identificando as áreas com potencial para concessão. Isso permite que o Governo escolha as áreas de acordo com os objetivos de desenvolvimento regional e nacional e, a partir daí, convide potenciais interessados a participar da licitação. O Governo deve inventariar o potencial produtivo das florestas nacionais e fazer estudos de mercado para orientar as suas decisões no processo de concessão.

Etapa 3. Anúncio das áreas a serem concedidas e convite a potenciais clientes.

As condições de participação, requerimentos de manejo e pré-qualificação seriam anunciadas. Os interessados deveriam ter de dois a três meses para submeter as suas propostas de pré-qualificação.

Etapa 4. Pré-qualificação de interessados.

A pré-qualificação deve considerar:

• a situação financeira das empresas;

• informações preliminares sobre os interesses da empresa na concessão;

• histórico legal das empresas com ênfase em possíveis violações da legislação ambiental e florestal;

• experiência em manejo florestal; e

• experiência em exploração e processamento da madeira em outras áreas.

Etapa 5. Aprovação dos interessados pré-qualificados.

A Agência Florestal deveria analisar o material e divulgar os classificados em menos de dois meses. Neste período, os interessados poderiam obter mais informações sobre as áreas a serem concedidas.

Etapa 6. Avaliação da área e do estoque madeireiro e preparação de propostas.

Deveria ser dado um prazo de três a cinco meses para que os interessados possam fazer inventários rápidos do estoque de madeira e preparar propostas. Os interessados deveriam ser obrigados a fornecer os resultados dos inventários.

Etapa 7. Apresentação de propostas.

As propostas devem ser apresentadas fechadas e sua abertura deve ser feita em público para garantir transparência do processo. A proposta deve conter, além do valor a ser pago, um plano de utilização e exploração florestal (por exemplo, tipos de máquinas a serem usadas), o grau de processamento que será dado à madeira, número de empregos a serem gerados, plano de desenvolvimento comunitário e medidas para mitigar e evitar riscos ambientais.

Etapa 8. Seleção da oferta ganhadora.

A pré-seleção facilita a seleção final das ofertas. Dado que a pré-seleção deve resultar em finalistas minimamente qualificados, Gray (1997) sugere que a decisão final seja baseada principalmente em critérios econômicos. Os critérios não-econômicos deveriam ser usados apenas quando as melhores ofertas monetárias fossem muito próximas (por exemplo, 5% a 10% de diferença).

A Administração de Flonas no Contexto da Reforma Administrativa do Governo Federal

O Governo Federal está iniciando uma reforma administrativa para melhorar a capacidade gerencial do IBAMA. A seguir, resumem-se as modificações em curso e possíveis implicações para a gestão das Flonas.

O IBAMA está sendo transformado em Agência Executiva. Uma Agência Executiva desempenha funções públicas por meio de contratos de gestão com o Governo. O contrato de gestão prevê objetivos e metas mensuráveis e maior autonomia gerencial da Agência Executiva. Por exemplo, os recursos arrecadados pela prestação de serviços do IBAMA podem permanecer na própria instituição. O contrato de gestão entre MMA e IBAMA iniciou-se em dezembro de 1998 e tem duração inicial de três anos, período que seria usado para avaliar a experiência.

Outra transformação significante no âmbito do IBAMA será a transferência da gerência de alguns serviços públicos para Organizações Sociais (OS). As OSs receberiam recursos públicos, mas teriam flexibilidade administrativa de entidades privadas e poderiam manter recursos gerados pelos serviços prestados.

Foi formado um grupo de trabalho no IBAMA, cuja missão é indicar que serviços e atividades dentro das Unidades de Conservação Federais poderiam ser administrados por OSs[5]. O grupo propôs a criação de OSs que gerenciem conjuntos de Unidades de Conservação ao invés de OSs isoladas. A justificativa para isso é que existem serviços e finalidades das OSs que seriam melhor atingidos em um modelo sistêmico, como aconservação da biodiversidade e o controle de estoques de madeira. O grupo de trabalho sugeriu, em um documento base para elaboração de termos de referência (IBAMA, 1998), as atividades de geração e venda de produtos e subprodutos da fauna e flora, típica de Flonas, como passíveis de serem executadas por OSs. No entanto, o grupo indicou que essa posição deveria ser analisada mais detalhadamente considerando a legalidade e a conveniência dessa decisão.

O grupo de trabalho indicou dez conjuntos de Unidades de Conservação que podem ser transformados em dez OSs em todo o Brasil. Esses conjuntos de UCs foram criados, considerando três critérios principais: distância e facilidade de acesso entre as UCs, similaridade regional entre as UCs (por exemplo, ecossitemas, bacias hidrográficas) e equilíbrio no conjunto de UCs a ser operado pela OS (por exemplo, unidades com potenciais máximos e mínimos de arrecadação e correspondentes às diferentes categorias de manejo). No entanto, nenhuma das OSs incluiu Flonas. Esse fato poderia levar a uma demora para que Flonas fossem administradas via OS, pois o documento também sugere que deveria haver um projeto piloto com três OSs, antes que o modelo fosse aplicado amplamente. Assim, se o MMA entende que a administração de algumas Flonas via OS deveria ser logo testada, seria necessário criar uma OS piloto incluindo Flonas na Amazônia.

Em suma, o programa final de gestão das Flonas deverá levar em conta a reforma administrativa em andamento. A criação de instituições mais flexíveis e com maior autonomia são positivas para o sucesso da gestão das Flonas.

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5 O grupo de trabalho instituído pela Portaria 1361/98-P de 03/11/98 elaborou o documento “Subsídios para a implantação de Organizações Sociais no âmbito do IBAMA”.

ANEXO 

Modelos de Posse e Uso de Florestas Públicas Usados em Vários Países (Baseado em Gray, 1997).

 

 

 

 

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