O Avanço do Desmatamento sobre as Áreas Protegidas em Rondônia

Beatriz Ribeiro*, Adalberto Veríssimo e Kátia Pereira

A criação de Áreas Protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) é uma das estratégias mais efetivas e recomendadas para conservar a floresta amazônica. Cerca de 33% da Amazônia Legal são Áreas Protegidas. Em sua maioria, essas áreas têm funcionado como uma barreira contra o avanço do desmatamento. Entretanto, em Rondônia, as Áreas Protegidas estão ameaçadas pelo desmatamento ilegal. Até 2004, o desmatamento havia atingido cerca de 6,3% do território das Áreas Protegidas, enquanto a média para a Amazônia é de apenas 1,7%. Além disso, dez reservas já haviam perdido mais de 20% da floresta original e a taxa de desmatamento tem aumentado nessas áreas nos últimos anos. Neste O Estado da Amazônia, quantificamos o desflorestamento nas Áreas Protegidas de Rondônia até 2004. Além disso, identificamos as Áreas Protegidas mais ameaçadas pelo desmatamento. Os resultados obtidos são úteis para orientar os esforços de fiscalização e aperfeiçoar as políticas para a manutenção da integridade das Áreas Protegidas em Rondônia.

Áreas Protegidas de Rondônia

A maioria (54%) das Áreas Protegidas de Rondônia[1] foi criada entre 1993 e 2002, durante a vigência do Programa Planafloro[2]. Uma das metas desse projeto era assegurar a conservação da biodiversidade por meio da criação e implementação de uma ampla rede de Áreas Protegidas no Estado. A criação de Unidades de Conservação estaduais foi uma pré-condição para a efetivação do programa.

Atualmente, as Áreas Protegidas totalizam 106.617 km2 [3], ou 45% de Rondônia. Há 84 Áreas Protegidas decretadas no Estado, das quais 20 são Terras Indígenas, 15 são Unidades de Conservação de Proteção Integral e 49 são Unidades de Conservação de Uso Sustentável. No caso das Unidades de Conservação, a grande maioria (52) é administrada pelo governo estadual, enquanto apenas 12 são gerenciadas pelo governo federal (Figura 1). Em um Estado onde aproximadamente um terço da cobertura vegetal original já se encontra desmatado, as Áreas Protegidas têm um papel essencial na conservação dos remanescentes florestais.

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Desmatamento nas Áreas Protegidas

Até 2004, 6,3% (aproximadamente 6.700 km2) do território das Áreas Protegidas de Rondônia já havia sido desmatado (Figura 1)[4],[5],[6]. Essa é uma área expressiva se considerarmos que o desmatamento em Áreas Protegidas é ilegal. Das 84 Áreas Protegidas, a maioria (51) apresenta pouco desmatamento (inferior a 5% da área); enquanto em 21 áreas, o desmatamento fica entre 5% e 20%. No restante (10), o desmatamento já supera 20% da área (Tabela 1).

Áreas Protegidas mais Desmatadas

As dez Áreas Protegidas mais críticas de Rondônia (Tabela 1) são Unidades de Conservação estaduais, das quais oito são de uso sustentável e duas de proteção integral. Nessas Unidades, o desmatamento variou de 23% a 68%. O Parque Estadual de Candeias, nas proximidades de Porto Velho, é a Unidade mais desmatada (68%, ou 58 km2 desmatados). Em seguida, aparece a Floresta Estadual de Rendimento Sustentado (Florsu) do Rio São Domingos (62%, ou 1.803 km2) e a Florsu do Rio Roosevelt (52%, ou 150 km2) (Tabela 2; Figura 2). A taxa anual de desmatamento de algumas dessas áreas também é extremamente alta. Na Florsu do Rio São Domingos, por exemplo, a taxa anual média de desmatamento nos últimos quatro anos foi de 5,7%. Se essa taxa for mantida, a área perderá toda a sua cobertura florestal em oito anos.

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Aumento nas Taxas de Desmatamento

As Unidades de Conservação estaduais de Rondônia tiveram as maiores taxas anuais de desmatamento entre 1997 a 2004, enquanto as Terras Indígenas apresentaram as menores taxas nesse período. Em uma posição intermediária encontram-se as Unidades de Conservação federais. As taxas anuais de desmatamento das Unidades de Conservação estaduais e federais têm aumentando desde 1997, enquanto a das Terras Indígenas se mantém praticamente constante[8] (Figura 3).

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Vulnerabilidade Institucional das Unidades de Conservação

Embora decretadas, diversas das Unidades de Conservação estaduais não foram sequer demarcadas[9], como é o caso da Florsu do Rio São Domingos, área com maior taxa de desmatamento nos últimos anos. Além disso, onze Unidades de Conservação estaduais decretadas[10] não estão sendo mais consideradas como Áreas Protegidas pelo governo estadual[11], apesar de não ter sido encontrada nenhuma lei específica modificando a situação fundiária dessas áreas[12],[13]. Além disso, títulos foram expedidos pelo Incra em áreas onde já haviam sido decretadas Unidades de Conservação como, por exemplo, nos Parques Estaduais do Corumbiara e da Serra dos Parecis, bem como na Florsu do Rio São Domingos[14].

A elaboração de planos de manejo, uma exigência legal para as Unidades de Conservação, é um indicativo do grau de implementação das Áreas Protegidas. De acordo com a legislação federal, os planos de manejo devem estar concluídos até cinco anos após a criação da Unidade[15]. Das 52 Unidades deConservação estaduais, apenas 7 possuem planos de manejo. Além disso, não há nenhum plano de manejo concluído ou em elaboração entre as dez Unidades mais desmatadas[16]. Por outro lado, das 12 Unidades federais, 7 possuem planos de manejo concluídos ou em processo de elaboração.

Uma análise do Programa Planafloro realizada pelo Banco Mundial considerou que, apesar dos avanços significativos na criação das Áreas Protegidas, a proteção efetiva dessas Reservas pelo Estado foi altamente insatisfatória[17]. Essa situação se agravou após o término do Planafloro, em 2002, já que por parte do Governo de Rondônia não foram asseguradas novas fontes de recurso financeiro para a manutenção das Áreas Protegidas criadas.

Sugestões para Políticas Públicas

Os resultados deste estudo indicam que as Áreas Protegidas são essenciais para a conservação das Florestas Tropicais[18], [19], no entanto, apenas a sua criação não tem sido suficiente para conter o desmatamento ilegal. Medidas adicionais que garantam a proteção dessas áreas são extremamente importantes, principalmente em regiões onde há forte pressão de desmatamento, como é o caso do Estado de Rondônia. As lições aprendidas em Rondônia sobre as ameaças as Áreas Protegidas, especialmente as Unidades de Conservação, revelam algumas medidas que podem ser adotadas para aumentar a eficácia dessas áreas na Amazônia.

Elaboração de Planos de Manejo. Nas Unidades de Conservação, é essencial elaborar e implementar os planos de manejo. A adoção desse plano assegura uma presença mínima do governo na unidade tanto na infra-estrutura básica como na alocação de funcionários. Além disso, o plano de manejo requer a criação do conselho consultivo e, portanto, assegura que os atores-chave com atuação e interesse na Unidade participem de sua gestão.

Fiscalização Estratégica. Informações sobre desmatamento geradas pelo sistema Deter, desenvolvido pelo Inpe a partir do satélite Modis, podem ser utilizadas para monitorar freqüentemente a cobertura florestal das Áreas Protegidas. Essa informação pode orientar as ações de fiscalização de campo nas Áreas Protegidas mais críticas. Esse monitoramento permitirá informar regularmente o Ministério Público, o Ibama, os órgãos estaduais de meio ambiente e a Funai sobre a situação de risco das Áreas Protegidas para que ações de combate e controle de desmatamento possam ser adotadas.

Agradecemos à fundação Gordon & Betty Moore pelo apoio a realização deste estudo. Agradecemos também George Ferreira (Ibama, Rondônia), Brent Millikan (Ministério do Meio Ambiente), Fabio Olmos e Eraldo Matricardi, pela presteza na cessão de informação, e ao Instituto Socioambiental por fornecer os dados cartográficos das Áreas Protegidas da Amazônia.

Referências e Notas

* Autor correspondente: [email protected]

1 O Estado de Rondônia foi escolhido por ter sofrido um intenso processo de ocupação associado a altos índices de desmatamento e por apresentar, atualmente, grande parte de suas florestas contínuas dentro de Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Além disso, Rondônia foi o Estado da Amazônia Legal com maior proporção de seu território desmatado em 2004.

2 Este programa foi uma iniciativa do Banco Mundial para compensar os problemas ambientais ocasionados pelo Polonoroeste, projeto também patrocinado pelo Banco na década de 80 e que apoiou a expansão da agropecuária e da infra-estrutura em Rondônia.

3 Foram retiradas as áreas de sobreposição entre Unidades de Conservação e Terras Indígenas e consideradas apenas as Terras Indígenas homologadas e delimitadas (Fonte: ISA, 2004). Ale disso, O Parque Nacional dos Pacaás-Novos e a Floresta Extrativista do Rio Pacaás-Novos foram excluídos da análise devido à sobreposição total com outras Áreas Protegidas.

4 Utilizamos nas análises deste estudo, dados de desmatamento fornecidos pelo Prodes (Inpe, 2005) para os anos de 1997, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004. Para identificar a vegetação florestal, utilizamos dados do IBGE (1989).

5 Embora o desmatamento seja o indicador de maior impacto e mais direto de pressão na floresta amazônica, ele não representa a dimensão total dos impactos das atividades humanas nas Áreas Protegidas. Outras atividades, como a exploração madeireira, a agricultura de subsistência e a caça, podem ampliar significativamente os impactos humanos nessas áreas.

6 Não foram descontados os desmatamentos antes da criação das áreas protegidas. No entanto, devido ao processo de colonização ocorrido durante a década de 80, é possível que algumas dessas reservas tivessem áreas desmatadas antes de sua criação.

7 Proporção em relação à área total protegida.

8 A estabilidade na taxa de desmatamento nas Terras Indígenas, no entanto, não significa que essas áreas não estejam sofrendo uma forte pressão nos últimos anos. Pelo contrário, muitas das Terras Indígenas têm sido alvo de exploração ilegal de madeira, desmatamentos e invasões (Ricardo, C.A. 2000. Povos Indígenas do Brasil, 1996-2000. Instituto Socioambiental, São Paulo – SP).

9 Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável em Rondônia: Situação Atual e Abordagem para um Planejamento Participativo de Estratégias para o Estado. Governo do Estado de Rondônia, Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral, Projeto de Cooperação Técnica ao Planafloro. Junho de 1998. Projeto BRA/94/007. 112 p.

10 Floresta Extrativista (Florex) Laranjeiras, Florex Pacaás-Novos, Florex Rio Preto Jacundá, Florsu Rio Abunã, Florsu Rio Madeira (c), Florsu Rio Mequéns, Florsu Rio Roosevelt, Florsu Rio São Domingos, Florsu Rio Vermelho (a) e (d), Parque Estadual do Candeias e Parque Estadual da Serra dos Parecis

11 Informações obtidas na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) e no relatório “As Unidades de Conservação de Rondônia”. Seplad/ Planafloro/ Pnud. 2002. 2. ed. Projeto BRA/00/004. 97 p.

12 Segundo a lei 9.985/2000, “a desafetação ou redução dos limites de uma Unidade de Conservação só pode ser feita mediante lei específica” (art. 22 § 7o), mesmo que esta ainda não tenha sido efetivamente implementada (Machado, P.A.L. 2003. Direito Ambiental. São Paulo: Malheiros Editores).

13 Lei Complementar No 152/96, no entanto, apesar de não ser uma lei específica, legitima a ocupação e a regularização fundiária nos Parques Estaduais da Serra dos Parecis e Candeias e a Florsu Rio São Domingos. Foram consultados o sistema de busca na legislação estadual disponível do site do governo estadual e a Sedam.

14 Legal Analysis and Review of State Conservation Units in the Brazilian States of Acre, Amazonas and Rondônia, with Comparisons to the Federal System. A Report to the Gordon and Betty Moore Foundation. June 2004. Washington, D.C. 20036

15 Artigo 22 da Lei 9.985 de 18 de julho de 2000 Snuc – Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

16 Informações fornecidas pelo Ibama–Rondônia.

17 World Bank. 2003. Implementation Completion Report on a loan in the amount of US$ 167.0 million to the Federative Republic of Brazil for a Rondônia Natural Resources Management Project. Washington, D.C.

18 Bruner, A.G.; Gullison, R.E.; Rice, R.E. & da Fonseca, G.A.B. 2001. Effectiveness of parks in protecting tropical biodiversity. Science 291: 125-128.

19 Ferreira, V.L.; Venticinque, E. & Almeida, S. 2005. O desmatamento na Amazônia e a importância das áreas protegidas. Revista de Estudos Avançados – Dossiê Amazônia Brasileira I 19 (53): 157-166.


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