Por Brenda Brito
Pesquisadora Associada do Imazon
Subsídios que serão concedidos com a “MP da grilagem” beneficiariam até 9,5 milhões de famílias no programa Bolsa Família
A nova regra para regularização fundiária na Amazônia, sancionada pelo Presidente Temer em 11 de julho, provocará uma perda ao patrimônio público de 19 bilhões a 21 bilhões de reais. Esse valor corresponde à diferença entre o valor médio de mercado dos imóveis em processo de regularização e o valor a ser cobrado pelo governo, de acordo com as novas regras após a sanção da Medida Provisória 759/2016, convertida na Lei nº 13.465/2017. Com essa quantia, o governo poderia beneficiar até 9,5 milhões de família ao longo de um ano por meio do Programa Bolsa Famíli1, ou ainda cobrir 14 anos do orçamento destinado ao Ministério do Meio Ambiente em 2017 sem contingenciamento2. O montante também equivale a sete vezes as doações internacionais já feitas ao Fundo Amazônia, que apoia projetos de conservação na região3.
Esse cálculo considera 25.199 imóveis em processo de regularização fundiária no Programa Terra Legal, que implementa o programa de regularização fundiária em terras federais na Amazônia4. A área total ocupada por esses imóveis é de 6,9 milhões de hectares, equivalente a quase 5 vezes a cidade de São Paulo. Os dados dos imóveis foram obtidos junto ao programa em outubro de 2016 e correspondem a áreas já georreferenciadas, cujas áreas se enquadram nas regras de pagamento: imóveis acima de 1 módulo fiscal (73 hectares em média na Amazônia Legal) e de até 2500 hectares. Imóveis de até 1 módulo fiscal são doados gratuitamente aos ocupantes e, por isso, não foram incluídos no cálculo.
O valor da perda na arrecadação representa a diferença entre o valor médio de mercado dos imóveis (de acordo com pesquisa de mercado de terra na Amazônia de setembro/outubro de 20165) e o valor que poderá ser cobrado pelo governo com base na nova lei. As novas regras estabelecem que o governo poderá cobrar de 10% a 50% do valor mínimo por hectare definido na Pauta de Valores de Terra Nua, elaborada pelo Incra. De acordo com a análise, o preço total de mercado estimado para os imóveis é de 21,2 bilhões de reais. Porém, pelas novas regras, o governo cobrará entre R$ 486 milhões e R$ 2,4 bilhões, que representa de 2 a 11% do preço de mercado (Figura 1). Esse valor pode ser parcelado em até vinte anos e o primeiro pagamento é feito após 3 anos da emissão do título. Além disso, se os ocupantes optarem pelo pagamento à vista, aplica-se um desconto de 20%.
Figura 1: Valores de mercado e valores a serem cobrados pelo Governo Federal na regularização de 25.199 imóveis na Amazônia Legal
O valor que o governo deixará de cobrar representa, na prática, um subsídio, que varia em média de R$ 823 mil a R$ 746 mil reais por imóvel. Os imóveis do Estado do Pará, que somam 20.207 em processo de regularização até 2016, receberiam o maior volume de subsídio (R$ 13,8 bilhões). No entanto, a média de subsídio por imóvel é maior no Mato Grosso (R$ 3,6 milhões por imóvel) (Tabela 1). Com base nessa distorção entre valor de mercado e valor cobrado pelo governo, o Ministério Público Federal emitiu recomendação para que o Incra refaça e adeque os valores da Pauta de Valores de Terra Nua, bem como suspenda titulação de terras federais enquanto isso não ocorrer6.
Tabela 1: Valores de subsídios estimados por estado para regularização de imóveis em terras federais na Amazônia Legal
Outra mudança da nova lei é aumentar o tamanho de imóveis regularizáveis de 1500 para 2500 hectares. Dentre os dados disponibilizados pelo programa Terra Legal, sessenta e cinco imóveis correspondem a essa faixa de tamanho. O subsídio para esses imóveis seria de R$ 339 milhões a R$ 368 milhões de reais. A média do subsídio por imóvel nessa categoria é maior, variando de R$ 5,2 milhões a R$ 5,6 milhões por imóvel.
Essa análise não considera imóveis georreferenciados após outubro de 2016 e também não inclui invasões de terra pública feitas entre 2005 e 2011, que passaram a ser regularizáveis pela nova lei. A regra anterior incluía apenas áreas ocupadas até 2004. Além disso, a nova lei amplia as regras de regularização para todo o território nacional. Finalmente, com a possibilidade de regularização de área entre 1500 e 2500 hectares, mais imóveis nessa faixa de tamanho serão cadastrados pelo programa. Assim, o impacto negativo das novas regras no património público será muito maior.
A combinação de grandes subsídios e mudança no marco temporal para regularização, permitindo titulação de invasões ocorridas até 2011, representa um estímulo à novas invasões de terra pública, pois cria a expectativa de que novas flexibilizações legais ocorrerão no futuro. Esse risco é especialmente preocupante, considerando o tamanho das áreas de florestas não destinadas na Amazônia.
De acordo com dados do Serviço Florestal Brasileiro, até dezembro de 2015 havia 68,8 milhões de hectares de florestas aguardando destinação7. Essa área equivale à soma dos estados de Espírito Santo e Sergipe. Enquanto o destino dessas áreas não é definido, elas ficam sujeitas a invasões e desmatamento ilegal, sob expectativa de futura regularização. Por isso, é imperativo que a sociedade brasileira pressione o governo federal para a destinação adequada desse patrimônio público, alocando essa área prioritariamente para o reconhecimento de terras indígenas, de territórios de populações quilombolas e comunidades tradicionais, bem como unidades de conservação.
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1 Considerando o valor médio anual de R$ 2.184,00 (R$ 182,00 ao mês) por família. Mais informações em: Fernandes, Adriana. Bolsa Família terá reajuste acima da inflação. Disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bolsa-familia-tera-reajuste-acima-da-inflacao,70001778092
2 O orçamento aprovado ao Ministério do Meio Ambiente para 2017 foi de R$ 782 milhões, mas sofreu corte de 43% após contingenciamento. Para o cálculo, consideramos um reajuste de orçamento total anual de 7%. Mais informações sobre em: Bragança, Daniele. Governo corta 43% do orçamento do Ministério do Meio Ambiente. Disponível em http://www.oeco.org.br/reportagens/governo-corta-43-do-orcamento-do-ministerio-do-meio-ambiente/. Acesso em 17 de julho de 2017.
3 O Fundo Amazônia já recebeu R$ 2,8 bilhões, sendo 97,5% desse valor proveniente do Governo da Noruega. Mais informações em: Fundo Amazônia. Doações. Disponível em http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Doacoes/. Acesso em 18 de julho de 2017.
4 A análise considerou imóveis georreferenciados pelo Terra Legal e também por particulares que enviam os dados de georreferenciamento ao programa, a partir de dados obtidos com o Terra Legal em outubro de 2016. A análise não considerou os seguintes imóveis: área de até um módulo fiscal; áreas cujos detentores eram pessoas jurídicas, municípios; os que estavam identificados como pertencentes ao Incra ou institutos de terras estaduais. Os cálculos de área utilizaram a projeção cônica conforme de Lambert com datum Sirgas 2000.
5 IEG e FNP. Análise de mercado de Terras. Relatório Bimestral setembro 2016. Edição 72. IEG e FNP, 2016.
6 A recomendação do MPF está disponível em http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/novas-regras-de-regularizacao-fundiaria-nao-se-aplicam-ao-programa-terra-legal-esclarece-mpf-em-recomendacao-ao-incra. Acesso em 18 de julho de 2017.
7 Dados disponíveis em http://www.florestal.gov.br/documentos/informacoes-florestais/cadastro-nacional-de-florestas-publicas/2665-tabela-de-distribuicao-por-estado-cnfp-2016. Acesso em 19 de julho de 2017.
This post was published on 20 de julho de 2017
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