Adalberto Veríssimo*, Danielle Celentano, Carlos Souza Jr. & Rodney Salomão
O Estado do Pará é o maior produtor de madeira nativa do Brasil. No entanto, grande parte dessa produção é predatória. Para assegurar a produção madeireira em bases manejadas[2], o setor florestal precisa de aproximadamente 225 mil quilômetros quadrados de florestas (18% do território do Estado). A área florestal potencial para o manejo florestal no Estado é cerca de 250 mil quilômetros quadrados. Entretanto, pouco mais da metade dessa área (130 mil quilômetros quadrados) está destinada para manejo florestal —seja como áreas privadas, comunitárias ou florestas públicas de produção[3]. Portanto, é necessário localizar e destinar legalmente no mínimo cerca de 120 mil quilômetros quadrados de área para manejo florestal. Em resposta a essa demanda, os governos federal e estadual têm proposto a criação de florestas públicas de produção no Pará. Neste O Estado da Amazônia, estimamos a demanda e a oferta de áreas para manejo florestal e sugerimos onde poderiam ser criadas novas florestas de produção. Para garantir o uso sustentável dessas florestas, recomendamos principalmente a criação de Florestas Estaduais (Flotas) nas áreas com menor pressão humana e Áreas de Proteção Ambiental (APAs) nas áreas mais antropizadas. Além disso, sugerimos a adoção de instrumentos legais para limitar a instalação de indústrias de acordo com a capacidade de suporte das áreas de manejo florestal.
O Pará possui aptidão para a atividade florestal, pois há florestas com grandes estoques de madeira e uma localização estratégica em relação aos mercados nacional e externo. Esses fatores têm contribuído para a rápida expansão da atividade madeireira no Estado. Em 2004, a produção de madeira em tora no Pará atingiu 11,2 milhões de metros cúbicos, o que representou 46% da produção da Amazônia Legal[4]. Mas essa produção está distribuída de forma desigual nas zonas madeireiras do Estado. A maior parte da produção madeireira (48%) ocorre na zona leste do Estado, onde estão situados os pólos madeireiros de Paragominas e Tailândia. Entretanto, é iminente uma queda drástica na produção madeireira nessa zona devido ao desmatamento. Na zona sul — uma zona importante nas décadas de 70 e 80 devido à extração de mogno —, a produção de madeira em tora representa apenas 6%. Na zona do estuário, cujo principal pólo madeireiro é a cidade de Breves, a produção de madeira em tora representa 26% da produção do Estado. Na zona oeste, a produção é ainda reduzida, porém crescente, atingindo 12% da madeira extraída no Pará. Por outro lado, a produção de madeira é incipiente na zona central (influência da rodovia Transamazônica), com apenas 6%, e extremamente reduzida na zona norte (calha norte), com apenas 2% (Figura 1 e Tabela 1).
A indústria madeireira instalada no Pará necessita de aproximadamente 225 mil quilômetros quadrados (18% do território do Pará) de área florestal líquida[5] para manter a produção em bases manejadas — considerando-se um aumento na demanda por madeira serrada de 1% ao ano nos próximos 30 anos a partir do volume extraído de 11,2 milhões de metros cúbicos em 2004 (Tabela 1). Nesse caso, assumimos que toda a madeira utilizada pela indústria seria proveniente de manejo florestal em um ciclo de corte de 30 anos, com uma intensidade de extração de 20 metros cúbicos por hectare e com o rendimento industrial de 32% a 42% de acordo com a zona madeireira[6].
O Pará abriga extensas áreas florestais, porém a maior parte dessas áreas não está destinada à exploração florestal ou são áreas onde é proibido realizar essa atividade, por exemplo, Terras Indígenas e Unidades de Conservação de Proteção Integral (Parques, Reservas Biológicas e Estações Ecológicas). A área florestal bruta potencial para a atividade florestal no Pará soma aproximadamente 432 mil quilômetros quadrados (35% do Estado) (Tabela 2). Porém, aproximadamente 182 mil quilômetros quadrados desse total são florestas sem aptidão para o manejo florestal — por razões como baixa ocorrência natural de madeira de valor comer-cial, florestas exploradas de forma predatória, matas situadas em áreas de topografia extremamente acidentada e florestas localizadas em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Portanto, as florestas com potencial para manejo florestal no Pará somam aproximadamente 250 mil quilômetros quadrados (20% do Estado), valor muito próximo da área necessária para garantir a produção sustentada em um cenário conservador com crescimento de 1% na demanda por madeira serrada (225 mil quilômetros quadrados).
Ao considerarmos a demanda de área para manejo florestal e a oferta de área com potencial para manejo florestal, o saldo é de apenas 25 mil quilômetros quadrados (Figura 2). Porém, há grande variação entre as zonas madeireiras do Estado. Estimamos um déficit ex-pressivo nas zona leste, o que é evidenciado pela forte redução da atividade madeireira nessas zonas. Em uma situação intermediária estão as zonas central e estuarina (saldo pequeno) e a zona sul (déficit pequeno). Por outro lado, há um saldo bem maior no oeste e norte do Estado, o que ocasionará uma procura cada vez maior por madeira nessas zonas. De fato, tem ocorrido migração das madeireiras principalmente para a zona oeste do Estado. O déficit de madeira projetado para a zona leste pode ser atenuado pelo fornecimento de madeira oriunda de reflorestamento. A madeira de plantações poderia substituir a madeira nativa usada para a fabricação de lâminas e compensados, bem como a madeira utilizada na construção civil. Da mesma forma, a melhoria no rendimento do processamento mecânico da madeira nas indústrias da região poderia diminuir a demanda por áreas florestais e melhorar o saldo de florestas no Pará. Por outro lado, o aumento na demanda por madeira no mercado nacional e internacional poderá diminuir ainda mais o saldo de florestas no Estado e anular eventuais ganhos obtidos com a melhoria no rendimento e com o reflorestamento.
As áreas florestais com potencial para manejo florestal no Pará (250 mil quilômetros quadrados) podem ser divididas em quatro categorias (Figura 3 e Tabela 3)[7]. Primeiro, há 83 mil quilômetros quadrados (33%) de florestas situadas nas Unidades de Conservação deUso Sustentável existentes como Flonas, APAs e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS). Segundo, existem 7 mil quilômetros quadrados (3%) de florestas remanescentes nos assentamentos de reforma agrária. Terceiro, há 41 mil quilômetros quadrados (16%) de florestas dispersas no Estado como áreas privadas, comunitárias e devolutas. Por último, um estudo realizado pelo Imazon em 2006, a pedido do Governo do Pará, identificou que há aproximadamente 120 mil quilômetros quadrados (48%) de florestas potenciais líquidas para manejo florestal no Estado sem uso definido.
O estudo do Imazon, realizado com base no Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Pará (Lei Estadual nº 6.745/05), recomenda que essas áreas sejam destinadas exclusivamente para uso florestal, tanto em Unidades de Conservação de Uso Sustentável (Flotas ou Flonas e APAs) quanto fora de Unidades de Conservação. Com base nesse estudo, o Governo do Pará iniciou o processo de criação (elaboração dos estudos técnicos e realização de consultas públicas) de cinco Flotas, totalizando aproximadamente 84 mil quilômetros quadrados[8], e duas APAs, somando 25 mil quilômetros quadrados[9].
O Pará enfrenta uma situação limite entre a de manda (225 mil quilômetros quadrados) e a oferta (250 mil quilômetros quadrados) de áreas para manejo florestal. Além disso, cerca de 120 mil quilômetros qua-drados da área para manejo florestal (oferta líquida) precisam ser destinados legalmente para uso florestal — seja como Unidade de Conservação de Uso Sustentável (Flotas, APAs, RDS etc.) ou mesmo como áreas de concessão florestal fora de Unidade de Conservação. Para isso, é essencial finalizar o processo de criação das Flotas (Paru, Trombetas, Faro, Amazônia e Iriri), cuja área total soma aproximadamente 84 mil quilômetros quadrados. Além disso, é importante estabelecer APAs nas áreas florestais mais antropizadas, bem como destinar as áreas para concessão florestal fora de Unidade de Conservação. De maneira complementar recomendamos:
Maior Rigor na Instalação das Madeireiras. Estabelecer mecanismos legais que definam uma quota máxima para o consumo de madeira em tora das madeireiras e limitem o número de indústrias madeireiras no Pará de acordo com a capacidade de suporte das áreas para manejo florestal. Por exemplo, para obter a licença de instalação, a empresa madeireira teria de comprovar a fonte de madeira em tora prevista. É importante assegurar também mecanismos de negociação de modo a permitir que uma empresa madeireira mais eficiente possa adquirir licença de uma indústria menos eficiente. Estudos mais detalhados devem ser realizados para definir o instrumento legal mais apropriado para o estabelecimento desses mecanismos.
Replicar essa Análise nos Outros Estados. O zoneamento de áreas para manejo florestal pode resultar em informações cruciais para o planejamento do setor florestal da Amazônia Legal. Por exemplo, definir os Estados onde já há colapso entre demanda e oferta de áreas de manejo florestal. Além disso, esse estudo é útil para orientar o debate sobre a proporção de florestas que podem ser destinadas ao manejo florestal, bem como onde seria mais adequado realizar esse manejo.
* Autor correspondente – betoverissimo@uol.com.br
1 Este artigo resume parte do relatório Áreas para a Produção Florestal Manejada: Detalhamento do Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Pará. Belém: Imazon. 2006. 82 p. disponível em www.imazon.org.br. Esse estudo contou com o apoio financeiro da Secretaria de Produção do Governo do Estado do Pará e da Fundação Gordon and Betty Moore. Agradecemos a colaboração de Denys Pereira e Cíntia Balieiro.
2 Manejo florestal consiste no inventário florestal 100% das árvores comerciais; planejamento das estradas, pátios e ramais de arraste; corte prévio de cipós; corte direcionado das árvores e arraste planejado. Além disso, o plano de manejo deve conter técnicas para estimular a regeneração e o crescimento das árvores comerciais e um ciclo de corte definido (25 a 30 anos). Fonte: Amaral, P.; Veríssimo, A.; Barreto, P. & Vidal, E. 1998. Floresta para sempre: um manual para a produção de madeira na Amazônia. Belém, Imazon, WWF e Usaid. 137 p.
3 Refere-se à Unidade de Conservação de Uso Sustentável onde é possível extrair madeira em bases manejadas para fins comerciais, tais como Florestas Nacionais (Flonas), Florestas Estaduais (Flotas), Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e Áreas de Proteção Ambiental (APAs).
4 Lentini, M.; Pereira, D.; Celentano, D. & Pereira, R. 2006. Fatos florestais da Amazônia 2005. Belém: Imazon. 138 p. (www.imazon.org.br)
5 Refere-se à área florestal a ser destinada para exploração madeireira manejada. Excluem-se as áreas sem valor comercial, as inacessíveis e as Áreas de Preservação Permanente (APPs).
6 Os rendimentos de processamento (isto é, desdobro da madeira em tora para produção de madeira serrada) médios nas zonas madeireiras são: 39% (central), 38% (estuário), 44% (leste), 41% (oeste), 42% (sul) e 32% (norte).
7 Além disso, há 21 mil quilômetros quadrados de florestas em Reservas Extrativistas (Resexs), as quais apresentam restrições para a exploração florestal. Nas Resexs, a exploração madeireira poderá ocorrer somente em bases comunitárias (baixa intensidade) e sob condições específicas definidas no plano de manejo de cada unidade.
8 Flotas em milhares de quilômetros quadrados: Iriri (4,4), Amazônia (5,3), Paru (36), Trombetas (32) e Faro (6,3).
9 APAs em milhares de quilômetros quadrados: Triunfo do Xingu (17) e Santa Maria do Uruara (8)
This post was published on 1 de fevereiro de 2013
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