Apresentação
A história de ocupação da Amazônia começa quando levas de imigrantes asiáticos chegaram ao vale do Amazonas há mais de 14 mil anos. No momento em que essas populações passaram a desenvolver a agricultura e viver numa mesma área de terra, sociedades indígenas diversas e mais complexas emergiram nessa região. Esses povos mais desenvolvidos viveram na Amazônia cerca de 2 mil anos antes da chegada dos europeus manejando a floresta de forma adaptada. Dela, eles extraíam os recursos necessários para a sua sobrevivência e desenvolvimento.
Assim, no século 16, quando os europeus atingiram o rio Amazonas, encontraram uma floresta habitada por povos indígenas diversos culturalmente que sustentavam populações numerosas. Infelizmente, durante a conquista e a colonização portuguesa desse território – baseadas nas atividades de coleta de produtos naturais e agricultura –, as populações indígenas foram reduzidas drasticamente, sobretudo por causa das doenças trazidas pelos europeus.
No século 19, a Amazônia estava composta principalmente por indivíduos miscigenados (índios, brancos e negros), os quais deixaram de concentrar seus esforços na coleta de produtos naturais e na agricultura para viver em função do grande do ciclo econômico da borracha. Esse ciclo enriqueceu os barões de Belém e Manaus e promoveu o desenvolvimento arquitetônico e cultural dessas duas principais cidades amazônicas.
Após a crise do ciclo da borracha, a Amazônia entrou num período de estagnação e, assim, na primeira metade do século 20, ficou distante e esquecida do restante do Brasil. Somente a partir de 1960, com os planos de integração nacional, descoberta de minérios e grandes projetos de desenvolvimento, a região voltou a crescer e receber novos migrantes de todo o Brasil, principalmente do Sul do país. Esse período, contudo, marca uma mudança drástica na paisagem da Amazônia: a devastação da floresta – provocada principalmente pela abertura de estradas para o estabelecimento de pastos e exploração de madeira predatória.
Atualmente, no século 21, o desafio dos povos que habitam a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, é integrar desenvolvimento econômico com proteção de seus recursos naturais. Para isso, muitas inciativas estão sendo desenvolvidas, entre as quais a criação de áreas protegidas (Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Terras Quilombolas) e o combate ao desmatamento.
Primeiros habitantes da Amazônia
Vamos começar nosso passeio histórico por volta de 14 mil anos quando levas de imigrantes asiáticos chegam ao vale do rio Amazonas. Você deve estar perguntando a si mesmo: asiáticos? Sim, a hipótese mais aceita atualmente entre os historiadores é a de que o homem chegou às Américas há mais de 20 mil anos pelo estreito de Bering. Essa conexão terrestre estava exposta durante as últimas glaciações (100.000 – 10.000), quando o nível do mar era mais baixo. Isso permitiu a travessia a pé de populações por uma ponte natural ligando o continente asiático à América do Norte. Observe na figura abaixo as prováveis rotas do ser humano para as Américas.
Hipótese é uma formulação provisória sobre a realidade. Diante dos fatos ou demonstrações lógicas ela pode tornar-se uma verdade ou não.
Baseado em www.infoescola.com/historia/chegada-do-homem-a-america
Há ainda outras duas hipóteses sobre a chegada de chineses às Américas. A primeira é a de que os asiáticos também desbravaram a região no início da era Cristã. Conta-se que, em 499, um monge budista chamado Hui Shen chegou a uma terra distante 8 mil milhas náuticas (14.816 quilômetros) ao leste da China. Essa terra ficou conhecida como Fusang, palavra chinesa para designar “planta comum no leste, onde nasce o sol”. Há uma evidência para a real existência de Fusang descrita pelos chineses – o mapa de Harris[1], que mostra a sua localização aproximadamente onde está a América do Norte.
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[1] Dr. Hendon Harris Jr. é autor do livro Os pais asiáticos da América, publicado em 1973. Sua tese está baseada num mapa antigo encontrado numa loja de antiguidades na Coréia. Este mapa chamado “Tudo Abaixo do Céu” (conhecido como mapa de Harris) mostra massas de terra de tamanho e forma aproximados da África, Europa e Austrália, além de uma terra chamada Fusang, supostamente as Américas.
Esta ilustração é uma adaptação de Biratan Porto para a interpretação do mapa de Harris feita por David Deal
A segunda hipótese é a de que bem mais tarde, entre 1405 e 1418, o almirante chinês Zheng He tenha cruzado os oceanos e atingido as Américas. Essa aventura está documentada em um livro publicado na China, por volta de 1418, com o seguinte título: As Maravilhosas Visões da Frota Estelar. É também desta data a elaboração de um mapa do mundo pelos chineses, o qual parece apontar essa aventura. Observe no mapa chinês a seguir como o contorno da América do Sul é parecido com o dos mapas atuais. Há ainda relatos de que, em seguida, entre 1421 e 1423, outros almirantes chineses também conduziram expedições ao redor do mundo e atingiram vários pontos das Américas.
Muitos historiadores acreditam que os navegadores europeus do século 15 possuíam cartas náuticas copiadas desse mapa do mundo chinês e, por essa razão, puderam chegar às Américas em 1492. Registros da época sugerem que o mapa do mundo chinês tenha sido obtido pelo aventureiro veneziano Niccolò Da Conti, que o repassou ao famoso geógrafo Fra Mauro, autor do mapa do mundo de 1459.
Mapa do mundo elaborado pelos chineses em 1418
http://eucurtohistoria.wordpress.com/biblioteca/mapas/
Antes da chegada dos europeus e de uma provável incursão chinesa às Américas durante o século 15, a Amazônia estava ocupada por esses povos de origem asiática que há mais ou menos 14 mil anos ficaram isolados do resto do mundo. Esse período, conhecido como pré-colombiano (ou seja, antes da chegada de Cristovão Colombo às Américas em 1492), dividese em três fases: paleoindígena, arcaica e pré-histórica tardia.
Na FASE PALEOINDÍGENA, a população era pouco numerosa, dispersa, nômade e estava baseada na coleta de frutas e moluscos, na pesca e na caça. Acredita-se que a ocupação paleoindígena da Amazônia tenha ocorrido por volta de 11,2 mil anos.
Na FASE ARCAICA, por volta de 8 mil a 3 mil anos, as populações indígenas estabelecidas ao longo do rio Amazonas começaram a fabricar cerâmica. Essa prática se intensificou no final desse período. As técnicas utilizadas para decorar as peças de cerâmica eram as de pintura e incisão. Algumas dessas peças apresentavam figuras geométricas nas cores vermelha e branca.
Certas áreas do baixo Amazonas como Tapeirinha, próximo a Santarém, no Pará, apresentam sambaquis com exemplares de cerâmica desse período. Ou seja, essa é uma indicação de que os povos indígenas da Amazônia começaram a produzir cerâmica um milênio antes dos povos andinos (populações que habitavam a cordilheira dos Andes, principalmente os incas). Nos barrancos do rio Tapajós também foram encontrados artefatos produzidos por esses povos por volta de 10 mil até 6 mil anos.
Sambaqui em tupi (tamba’kï) significa “monte de conchas”. São depósitos de materiais orgânicos calcáreos empilhados pelo homem ao longo do tempo que sofrem a ação do vento, sol e chuva, tornando-se fósseis.
Há cerca de 5 mil anos, pequenas povoações de horticultores começaram a ganhar importância na Amazônia, e isso marca a transição das sociedades de caçadores e coletores para sociedades agrícolas. A economia desses povos provavelmente estava baseada na plantação de raízes como a mandioca, que já vinha sendo cultivada desde pelo menos 7 mil anos na região.
Essas sociedades estavam bastante desenvolvidas há 4 mil anos, quando se encontravam hierarquizadas, densamente povoadas e se estendiam ao longo das margens do rio Amazonas. Elas deixaram vestígios materiais de suas práticas — os locais de Terra Preta Indígena, principalmente nos arredores da cidade de Santarém.
Terra Preta Indígena Encontra-se sobre diversos solos, localizados onde viveram grupos indígenas pré-históricos. É o resultado do acúmulo de materiais orgânicos gerados ao longo do tempo por essas comunidades. Essa terra possui alto teor de cálcio, carbono, magnésio, manganês, fósforo e zinco. Por essa razão, é extremamente fértil para agricultura.
No início da FASE PRÉ-HISTÓRIA TARDIA (3 mil anos a mil anos), desenvolvem-se as culturas dos construtores de aterros artificiais em áreas inundáveis (tesos) na Amazônia. Em seguida, aparecem sociedades ainda mais complexas e hierarquizadas que fabricavam um tipo de cerâmica muito refinado. Por exemplo, os marajoaras, na ilha de Marajó, e os tapajônicos, na região de Santarém, ambas no Pará.
A partir desses vestígios dos povos antigos (pinturas rupestres, sambaquis, terra preta e aterros artificiais) estudados pela arqueologia, alguns pesquisadores podem afirmar que havia na bacia amazônica uma vasta e diversa rede de sociedades indígenas. De acordo com o arqueólogo Eduardo Neves, é provável que existissem na Amazônia cerca de 5 milhões de indígenas antes da ocupação europeia.
Arqueologia é a ciência que estuda as culturas e os modos de vida do passado a partir da análise de vestígios materiais.
Cerâmica tapajônica, conhecida como “cariátides”
Cerâmica marajoara
Essas populações desenvolveram uma rica diversidade cultural que incluía desde grupos nômades de caçadores-coletores até grandes aldeias de povos que praticavam agricultura, pesca de larga escala e caça intensiva. Também criavam animais e realizavam comércio e viagens de longa distância.
Os indígenas da Amazônia pré-colombiana tinham no cultivo da mandioca a base de sua alimentação. Entre os povos que formavam grandes aldeias estavam os tuxauas, guerreiros do rio Tapajós.
A mandioca tornou-se a base alimentar dos povos primitivos da floresta amazônica porque apresenta várias vantagens em seu plantio e colheita. Primeiro, para cultivá-la é preciso apenas replantar um talo cortado. Segundo, ela pode ser plantada em qualquer época do ano e, depois de colhida, pode ser armazenada no subsolo ou debaixo da água por vários meses. Terceiro, a mandioca rende várias colheitas de tubérculos por ano. Quarto, como muitas variedades são tóxicas, a planta tornou-se resistente aos insetos e doenças. E, por último, ela é rica em carboidratos que fornecem energia para o corpo. Assim, a mandioca permitiu que o homem primitivo amazônico evoluísse de coletor para agricultor.
As pesquisas arqueológicas do século 20 indicam que essas sociedades indígenas mais complexas desenvolveram uma variedade de técnicas de uso da terra e de enriquecimento do solo compatíveis com as condições naturais da Amazônia. Elas conseguiram se adaptar à vida em cada um dos habitats amazônicos: florestas ao longo dos rios e lagos, planícies alagadas de várzea e matas de terra firme. Portanto, a paisagem da região vista pelos primeiros exploradores europeus no século 16 não era apenas um produto da natureza, mas também resultado do manejo humano ao longo de milênios. Entretanto, essa prática milenar indígena passou a ser afetada após a chegada principalmente de espanhóis e portugueses na região a partir do século 16.
A chegada dos europeus
Os europeus ficaram muito surpresos no início do século 16 quando desembarcaram no vale do Amazonas e encontraram comunidades relativamente superpovoadas. Havia assentamentos indígenas com milhares de habitantes! Entretanto, essas sociedades amazônicas sofreram grandes impactos a partir da chegada desses exploradores. Primeiro, com a invasão de vários aventureiros da Espanha, Holanda, França, Inglaterra e Irlanda em busca de supostos paraísos repletos de metais preciosos e, em seguida, durante o processo de ocupação do território, com a imposição do estilo de vida português em grande parte do que hoje é Amazônia Legal.
Amazônia Legal inclui atualmente os Estados do Amazonas, Acre, Pará, Amapá, Roraima, Rondônia, Tocantins e parte do Mato Grosso e Maranhão. Ao longo do livro, após o trecho sobre o Tratado de Madri, a palavra Amazônia será utilizada para significar Amazônia Legal.
Ao longo de cerca de 250 anos de conquista e colonização portuguesa, muitos povos indígenas foram mortos pela arma de fogo dos conquistadores e sobretudo foram dizimados pelas doenças contagiosas trazidas pelos europeus (varíola, sarampo, catapora, gripe, tuberculose e doenças venéreas). Assim, as populações indígenas na Amazônia foram reduzidas de maneira drástica. À época do primeiro contato europeu havia aproximadamente 5 milhões de índios na bacia amazônica, dos quais 3 milhões viviam no Brasil[2]. Atualmente há apenas cerca de 430 mil indígenas na Amazônia.
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[2] Estimativa de John Hemming com base nos relatos dos primeiros contatos, nas taxas prováveis de destruição e nos números e localização dos povos indígenas que sobrevivem.
Mas por que os europeus, principalmente os espanhóis e portugueses, vieram explorar a Amazônia no século 16? Essa história começa no final do século 15, quando Portugal e Espanha decidem navegar os mares em busca de riquezas nas Índias. Este é o período do ciclo oriental das navegações, que tinha por objetivo expandir as rotas comerciais. E vejam só, o navegador espanhol Cristóvão Colombo, buscando atingir essas regiões ricas chegou ao continente americano! Isso ocorreu no dia 12 de outubro 1492, na ilha de Guanaani, no atual arquipélago das Bahamas. Ele chamou esse lugar de ilha de San Salvador. Juntamente com outros exploradores espanhóis, Colombo comandava uma nau, a Santa Maria, e duas caravelas chamadas Pinta e Niña. No final de 1499, o comandante que havia conduzido a caravela Niña – Vicente Yañez Pinzón –, ainda em busca de um caminho para o Oriente, atingiu a foz do rio Amazonas, atual ilha de Marajó.
Assim, Pinzón foi o primeiro europeu a chegar no rio Amazonas, o qual denominou Santa Maria de la Mar Dulce.
Vicente Yañez Pinzón
O resultado dessa expansão marítimo-comercial foi a conquista de novas terras para Espanha e Portugal. Esse fato gerou tensões e conflitos e, por essa razão, foi assinado o Tratado de Tordesilhas em 7 de julho de 1494. O tratado consistia numa linha imaginária que passava a 370 léguas ao oeste do arquipélago de Cabo Verde (África). Esse meridiano dividiu o mundo para Portugal e Espanha: as terras ao leste seriam portuguesas e as terras ao oeste seriam espanholas. Assim, grande parte do que você conhece hoje como Amazônia, incluindo a região do Tapajós e a Calha Norte, pertencia formalmente aos espanhóis no século 16. De fato, a linha imaginária passava próximo da cidade de Belém. Portanto, quase todo o Estado do Pará e o restante da Amazônia pertencia à Espanha.
Depois de Pinzón, outros aventureiros europeus exploraram o percurso do rio Amazonas nos séculos 16 e 17. Dois desses exploradores se destacaram: o espanhol Francisco de Orellana (1542) e o português Pedro Teixeira (1637).
Francisco de Orellana
O primeiro viajante espanhol a chegar na região do rio Amazonas e descobri-lo foi Vicente Pinzón, como vimos anteriormente. Contudo, a primeira expedição ao rio foi conduzida por um jovem espanhol da região da Estremadura, chamado Francisco de Orellana, que inicialmente seguia a expedição de um outro espanhol, Gonzalo Pizarro, ao longo do rio Napo (atualmente, no Peru). Um dos objetivos de Orellana era atingir o El Dorado, um reino imaginário repleto de ouro governado por um nativo, o Homem Dourado, que recebia os visitantes coberto com pó de ouro. Imaginava-se que o El Dorado ficava no Planalto das Guianas, região entre a Venezuela, a Guiana e o Brasil (no atual Estado de Roraima).
A crônica de Carvajal revelou para o mundo que sociedades populosas e bem organizadas estavam presentes ao longo rio Amazonas. Entretanto, durante muito tempo, pesquisadores duvidaram da objetividade desses relatos, considerando-os exagerados. Essa informação de que a Amazônia pré-colombiana era densamente povoada somente foi confirmada recentemente por meio das pesquisas arqueológicas. Além disso, as lendas do El Dorado e das Amazonas tornaram-se importantes para a região amazônica na época da conquista, pois atiçaram o interesse de outros conquistadores europeus por riquezas e belezas na região.
Entretanto, aos poucos, durante o século 16, os aventureiros espanhóis foram desistindo de conquistar o vale do Amazonas, provavelmente por não terem encontrado ouro e outros metais e porque já tinham conquistado a riqueza dos incas no Peru. Além disso, os Andes eram uma barreira para chegar às cabeceiras do Amazonas. Restaram na região apenas os missionários religiosos. Os portugueses, por outro lado, estavam dispostos a avançar as fronteiras e desrespeitar o Tratado de Tordesilhas.
Quase um século mais tarde, em 1637, foi a vez do explorador português Pedro Teixeira realizar uma das viagens épicas ao longo do rio Amazonas.
Pedro Teixeira
O Estado do Maranhão e Grão-Pará fora criado em 1621 pelos portugueses. Em 1637 era governado pelo comandante-mor Jácomo Raimundo de Noronha que, na época, decidiu enviar uma expedição ao rio Amazonas com cerca de 2 mil pessoas, a maioria indígenas. Essa expedição – com o objetivo de firmar uma fronteira entre o Grão-Pará e o território que incluía o Peru, Equador, Colômbia e Brasil – partiria de Cametá, no Pará, até Quito. Pedro Teixeira foi escolhido para comandá-la. Ele também foi instruído a verificar locais para a construção de fortes, manter a disciplina dos seus homens e tratar de forma amistosa os índios. Além disso, recebeu uma instrução secreta que deveria ser aberta somente na volta da expedição. O jesuíta Cristóbal de Alcuña foi o relator da viagem de volta de Pedro Teixeira e registrou o que ocorreu em Aguarico (no Equador) antes da expedição descer o Napo e o Amazonas até atingir o Pará novamente.
O Estado do Maranhão e Grão-Pará foi criado por carta régia de 13 de junho de 1621. Era independente do Estado do Brasil e estava diretamente subordinado à Lisboa. Entre 1626 e 1775, compreendia os atuais Estados do Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas. A capital era São Luís do Maranhão, embora Belém do Pará representasse no final do século 17 importante centro comercial. A partir de 1775, o Estado foi desmembrado e passou a se chamar Estado do Grão-Pará e Maranhão.
A Real Audiência de Quito ou Reino de Quito foi uma unidade administrativa do Império Espanhol que abrangia os territórios que hoje incluem o Equador, partes do norte do Peru, sul da Colômbia e norte do Brasil.
Observe no mapa o percurso da viagem
Como resultado da expedição de Pedro Teixeira, os limites portugueses passam a se estender a 1.200 léguas (7.200 quilômetros) a partir de Belém.
Entretanto, de fato, o avanço da ocupação portuguesa para o oeste da Amazônia começou em 1657, quando o cabo Bento Maciel Parente, no comando de uma tropa de resgate de índios, partiu de São Luís para chegar meses depois às margens do Tarumã, na região do rio Negro (atual Estado do Amazonas). A tropa fixou-se por algum tempo na foz do rio Tarumã, onde foi fincada uma cruz e rezada uma missa.
Tropa de resgate Portugueses que partiam em expedições para “resgatar” prisioneiros indígenas que seriam executados por tribos inimigas. De fato, os colonos portugueses incentivavam a guerra entre as tribos e a captura de índios para poder, em seguida, resgatá-los e escravizá-los.
A ocupação do território pelos portugueses ocorreu principalmente por meio da evangelização dos indígenas e da exploração dos produtos naturais da floresta (as drogas do sertão).
Essa ocupação durou um século, até a assinatura do Tratado de Madri em 1750, pelo qual os reis de Portugal e Espanha entraram em acordo sobre os novos limites entre os territórios de seus países na América do Sul. Como o território amazônico já estava ocupado em sua maioria por portugueses, a posse do que hoje conhecemos como Amazônia[3] ficou para Portugal. A Espanha ficou com os outros países amazônicos que atualmente falam a língua hispânica: Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. As chamadas Guianas e Suriname foram posteriormente colonizadas por ingleses, holandeses e franceses.
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[3] Exceto o Estado do Acre que foi colonizado pelos espanhóis e pertenceu à Bolívia até o início do século 20. A sua incorporação ao território nacional ocorreu somente em 1902.
Colonização: Amazônia nos séculos 17 e 18
Durante todo o período de colonização na Amazônia (1600 – 1823), os portugueses expulsaram outros europeus (principalmente os espanhóis) da região, construíram fortes, formaram vilas e cidades e converteram uma parte dos indígenas sobreviventes ao cristianismo. Além disso, forçaram os nativos a trabalhar nas plantações, nas coletas das drogas do sertão, como remadores de canoas nas viagens e como soldados na defesa e posse do território.
A conversão dos índios e a sua “descida” para as vilas e aldeias portuguesas afetou as diferentes culturas e modos de produção das populações indígenas que viviam nas margens do rio Amazonas e seus afluentes. Nesse período houve esvaziamento das aldeias porque muitos indígenas deixavam de trabalhar para a sua própria família e comunidade para se dedicar às colônias e, principalmente, porque a grande maioria foi morta por doenças, guerras e excesso de trabalho.
“Descida” era a palavra usada quando os missionários conseguiam convencer indígenas a abandonar suas aldeias para viver em comunidade com os portugueses seguindo as suas regras católicas e seu sistema de produção.
Observe o relato do Padre João Daniel da época em Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas (1722 – 1776):
“…. Mas no caso que finalmente se resolvam a sair dos seus matos, e descer para alguma missão, se ajusta primeiro o descimento no ano antecedente porque dando a palavra os índios de saírem, também lha dão os missionários de os irem buscar no ano seguinte; e não os tiram logo 1° para lhes darem tempo de fazerem as colheitas das suas roças, 2° para entretanto lhes fazerem roças, searas, e casas na missão onde os querem ajuntar, ou em alguma paragem, que julgam mais acomodada, se é que querem fundar missão de novo.”
Nas vilas e aldeias amazônicas, na PRIMEIRA FASE da colonização (1600 – 1700), os portugueses passam a desenvolver e refinar as práticas comerciais e políticas já aplicadas nas suas colônias da África e Índia. Por exemplo, a coleta das drogas do sertão/feitorias, o sistema de capitanias e as missões religiosas.
Drogas do Sertão/Feitorias
A incipiente economia da Amazônia estava baseada na extração de produtos naturais da floresta. Ou seja, a região, assim como o restante do Brasil colonial, era fornecedora de produtos primários para a Europa. Entre elas estavam cravo, canela, salsaparrilha, castanhas, cacau, tinturas, fibras, ervas medicinais, peles de felinos, jacarés e lontras, animais vivos como papagaios e araras, ovos de tartaruga, gordura de peixe-boi etc. Além disso, extraíam-se madeiras valiosas, as chamadas madeiras de lei. As diversas especiarias coletadas eram consumidas localmente e também comercializadas por meio das feitorias.
Feitoria Galpão onde os produtos da floresta eram armazenados para a exportação (Portugal). A feitoria era administrada pelo feitor que efetuava as trocas e negociava produtos em nome do rei.
Na época, os colonos e missionários dependiam principalmente do trabalho dos indígenas como coletores dos produtos naturais e remadores. Essa força de trabalho foi conquistada graças à atuação dos missionários na “descida” e na conversão dos índios, às guerras justas e às tropas de resgate e de caça aos índios pelos colonos.
Guerra justa Guerra declarada aos pagãos pelo rei e Igreja Católica no século 16. A partir de 1600, a guerra justa também era declarada aos índios que dificultavam o comércio e a expansão das conquistas coloniais portuguesas.
A conquista dos indígenas pelos portugueses ocorreu por causa de algumas características desses pioneiros: eles conheciam a língua tupi e o modo de vida dos índios e exploravam a rivalidade de algumas tribos como arma de conquista. Além disso, tinham arma de fogo e técnicas de combate.
Os colonos e os missionários também cultivavam produtos trazidos de outras regiões tropicais como a cana-de-açúcar, o algodão e o tabaco. Assim, os índios aldeados também eram destinados a trabalhar nessas lavouras, desempenhando papel fundamental na ocupação e manutenção da região amazônica.
Sistema de Capitanias
Desde o início da colonização portuguesa, o Brasil estava dividido em capitanias hereditárias, ou seja, terras brasileiras doadas para nobres e pessoas de confiança do rei de Portugal, nomeados donatários. Os seus objetivos eram colonizar e defender o território e administrar os índios. Aos donatários era permitido explorar as riquezas minerais e vegetais da Amazônia. E as terras, doadas pelo rei, passavam de pai para filho. No Estado do Maranhão e Grão-Pará, as principais capitanias estavam sob a jurisdição direta da Coroa Portuguesa, mas algumas de suas capitanias subsidiárias pertenciam aos capitães donatários.
Esse sistema de capitanias na Amazônia começou a ruir no final do século 17, quando o Estado do Maranhão e Grão-Pará lutava para sobreviver com poucos recursos e mão de obra escassa. A colônia, nessa região, estava abandonada pela Coroa Portuguesa e, com pouca atividade comercial, as famílias ficavam sobrecarregadas com suas despesas. Empobrecidos, os poucos colonos brancos dependiam do trabalho dos índios escravos, obtidos pelas tropas de resgate, os quais ajudavam a manter os negócios. Diferente de outras colônias no restante do Brasil havia poucos escravos negros no Maranhão e Grão -Pará. E, agravando ainda mais a situação, em 1690, uma terrível epidemia de varíola devastou a força de trabalho indígena. Nesse período, Portugal também enfrentava uma grave crise econômica.
Missões Religiosas
No final do século 17, na região amazônica, não havia alternativas econômicas nem capital para desenvolver qualquer atividade diferente da exploração das drogas do sertão. Portanto, a ordem de Portugal nesta SEGUNDA FASE da colonização (1700 – 1755) era intensificar a construção de missões e aldeamentos na colônia administrados por religiosos (principalmente jesuítas). O objetivo era dar continuidade à ocupação e expansão do território por meio da catequese e do trabalho agrícola. Além disso, ordenou-se a construção de um sistema de defesa (fortes) para assegurar o domínio da área.
Os missionários, como vimos, partiam em expedições ao interior da floresta para “descer” os indígenas e trazê-los aos aldeamentos. Ali, eles eram divididos para trabalhar nas propriedades rurais de colonos portugueses, nas missões das ordens religiosas e para o governo.
Para os missionários, catequizar os índios era, além de ensinar a moral cristã, retirá-los da barbárie e integrá-los à sociedade da colônia. Assim, entre os valores europeus repassados aos povos indígenas estava principalmente a função do trabalho. O índio deveria tornar-se um bom cristão e trabalhador.
Nesse período, os missionários seguiam a ordem da Coroa Portuguesa de continuar convertendo os índios ao cristianismo e usar o seu trabalho para manter a missão. Das ordens religiosas, os jesuítas eram os mais energéticos, disciplinados e instruídos. Por essa razão, eles tinham um grande domínio sobre as populações indígenas e muita influência sobre a Coroa.
Os padres da Companhia de Jesus possuíam grandes fazendas para a criação de gado na ilha de Marajó; administravam comércio de couros e produtos agrícolas (algodão, tabaco e arroz) e também de ervas medicinais e tinturas extraídas das plantas. No final do século 17 e início do século 18, eles haviam enriquecido com os negócios ligados ao trabalho indígena. Em contrapartida, os colonos portugueses estavam empobrecidos, pois tinham acesso limitado à mão de obra dos índios, bem como não possuíam recursos para adquirir escravos negros africanos. Também tinham dificuldades para lidar com as características do ambiente tropical: insetos, parasitas, clima quente e solos de baixa fertilidade.
Dessa forma, a relação entre colonos e jesuítas era tensa, pois ambos, interessados nos índios para trabalhar em suas fazendas e missões, disputavam a administração dessa mão de obra. Os colonos frequentemente acusavam os padres de possuírem regalias fiscais e de não precisarem pagar salário (na época, tecidos de algodão e ferramentas) aos índios. Por outro lado, os jesuítas repudiavam a escravidão e os maus tratos aos índios praticados por esses colonos. O fato é que as leis sobre o cativeiro indígena nesse período oscilavam entre a sua liberdade (defendida pelos jesuítas) e escravidão (praticada pelos moradores da colônia).
A lei real de 1680 dividiu os indígenas aldeados desta forma:
Os escravos indígenas eram explorados sem piedade, uma vez que os europeus dependiam deles para absolutamente tudo. Observe o relato do Padre Antônio Vieira sobre o trabalho indígena por volta de 1653:
“Nenhum desses índios trabalha exceto mediante violência e força. O trabalho é excessivo, e muitos morrem todos os anos, já que a fumaça do tabaco é muito venenosa. Eles são tratados com mais ruideza que os escravos, são chamados dos nomes mais feios e ficam muito ressentidos; sua comida é quase nada; seu pagamento é [irrelevante].”
Influenciada pelos jesuítas, a Coroa Portuguesa passou a restringir ainda mais a mão de obra indígena para os colonos. Dessa forma, uma nova carta real emitida seis anos depois da lei de 1680 estipulou que os empregadores deveriam pagar um salário aos trabalhadores indígenas e fornecer-lhes alimentação.
Nessa disputa entre colonos e missionários, os indígenas, embora em maior número na região, eram em geral os mais fracos. Contudo, muitas vezes, revoltados com os trabalhos forçados, organizavam-se para resistir às tropas de resgate. Por exemplo, no início do século 18, o líder manaós Ajuricaba conseguiu reunir várias tribos para combater essas tropas na região do rio Negro.
As disputas com os colonos e também entre as próprias ordens religiosas (carmelitas, jesuítas, mercedários, capuchinos e franciscanos) exigiu a emissão de várias cartas régias para fixar as suas áreas de atuação:
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os franciscanos de Santo Antônio receberam as missões do Cabo do Norte, Marajó e norte do rio Amazonas;
- os jesuítas ficaram com as dos rios Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira;
- os franciscanos receberam as da Piedade e do Baixo Amazonas, tendo como centro Gurupá;
- os capuchinhos também ficaram com o Baixo Amazonas;
- os mercedários receberam as do Urubu, Anibá, Uatumã e trechos do Baixo Amazonas; e
- os carmelitas ficaram com as dos rios Negro, Branco e Solimões.
Essas missões religiosas, assim como os fortes construídos nesse período, deram origem a algumas vilas ao longo da margem esquerda do rio Amazonas. A mais antigas são Óbidos e Curuá (Veja na página 52 exemplos dessas ordens no Baixo Amazonas).
Em 1750 começa em Portugal o reinado de D.José I, o qual foi marcado pelas políticas do seu primeiro-ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. Esse político reorganizou as leis, a economia e a sociedade portuguesa, modernizando o país. Marquês de Pombal também era responsável pela administração da colônia portuguesa no Brasil.
O período da administração pombalina corresponde à TERCEIRA FASE da empresa colonial na Amazônia (1757 a 1798), marcada pela criação do Diretório dos Índios e pela expulsão de todos os jesuítas da região em 1759.
Pombal era contra o domínio dos padres jesuítas sobre os índios na colônia e os acusava de praticarem comércio ilegal e de incitarem as populações indígenas contra a Coroa Portuguesa. O poder dos jesuítas, cada vez maior, era portanto um desafio ao governo. Após a sua expulsão em 1759, toda a riqueza acumulada pelos jesuítas foi confiscada e vendida: 135 mil cabeças de gado, 1.500 cavalos, 22 fazendas, edifícios, plantações de cacau, entre outras benfeitorias.
* Entre 1768 e 1990, Terra Santa pertenceu a Faro e Oriximiná. Somente em 1991, este município foi desmembrado.
Meados do século 18: O Diretório dos Índios
Os aldeamentos formados por indígenas catequisados durante o trabalho dos missionários nos séculos 16 e 17 passaram no século 18 para a condição de vilas ou aldeias.
Nesse período, Marquês de Pombal retirou o caráter religioso dessas formações populacionais e buscou transformar o índio em um trabalhador livre. Um decreto de 1755 impedia que os missionários controlassem as aldeias indígenas. Ou seja, qualquer colonizador europeu podia ter acesso a elas. Embora esse decreto afirmasse que os índios deveriam ter os mesmos direitos que os cidadãos livres comuns, na prática, não foi dado a eles o direito de administrar suas próprias aldeias. Isto é, Pombal colocou, no lugar dos missionários, colonos portugueses (diretores) para conduzir a mão de obra indígena nessas novas vilas e aldeias.
Em meados do século 18, Portugal acelerou o trabalho de povoamento e demarcação das fronteiras para garantir a posse do território. Nesse período, a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) foi estabelecida e uma nova leva de escravos negros africanos foi introduzida na Amazônia. O objetivo era intensificar os negócios na região.
Os negros eram uma alternativa necessária para a suposta liberdade dos indígenas. Além disso, eles eram mais resistentes às doenças e eram considerados mais trabalhadores pelos portugueses. Os escravos africanos trabalhavam na monocultura de produtos para a exportação, geralmente cacau, café, arroz e açúcar. Os índios, em contrapartida, cultivavam mandioca e arroz para o consumo local. E, principalmente, estavam envolvidos nas árduas expedições anuais de coleta nas florestas.
O irmão do Marquês de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governava a Capitania do Grão-Pará no início do Diretório dos Índios. Em sua administração, ele decidiu dividir essa capitania para cortar gastos e obter um maior controle do território. Dessa forma, em 3 de março de 1755 é criada a Capitania de São José do Rio Negro (atual Estado do Amazonas e parte do Estado de Roraima), instalada na cidade de Barcelos. Assim, o agora denominado Estado do Grão-Pará e Maranhão passou a compreender quatro capitanias: a de São José do Rio Negro, a do Grão-Pará, a do Maranhão e a do Piauí.
Mendonça Furtado, em suas estadias na região do rio Negro e Amazonas, constatou que os colonos e o governo real ainda dependiam fortemente do trabalho indígena. E, por essa razão, afirmou que se aos índios fosse dado o direito de cuidar das suas próprias vilas, eles passariam a recusar o trabalho para outros. Em um decreto de 21 de maio de 1757 declarou:
“Devendo executar as duas leis de 6 e 7 de junho de 1755, pelas quais sua Majestade foi servido mandar declarar a liberdade de todos os índios deste Estado […], reconhecendo eu, como quem está lidando com eles continuamente, e como quem tem vivido nas suas povoações mais de dois anos, que as piíssimas intenções de sua Majestade ficariam frustradas, se absolutamente se entregasse a estes miseráveis e rústicos ignorantes o governo absoluto da quantidade de povoações, que constituem este grande Estado.”
Assim, nas vilas portuguesas durante os quarenta anos do Diretório dos Índios, a população indígena foi fortemente empregada:
Os índios trabalhavam para os diretores de suas aldeias, para os colonos particulares e para o governo. A taxa de pagamento pelo trabalho indígena foi fixada em 1751 e era expressa em termos de dinheiro. Contudo, os colonos e os funcionários do governo convertiam os valores correspondentes em metragens de tecido de algodão. Além disso, os indígenas submetidos ao Diretório sobreviviam com uma dieta de quase fome de cerca de 8 litros de farinha de mandioca por família para um mês.
A legislação do Diretório considerava que os índios não eram capazes de lidar com o dinheiro. Portanto, no século 18, não havia moeda corrente na Amazônia.
O comércio nesta época era baseado em mercadorias e crédito. Nesse sistema (aviamento), o comerciante adiantava (entregava) bens de consumo (geralmente roupas simples de algodão e ferramentas de trabalho) ao empregado. Este pagava com os produtos extrativistas e agrícolas. A troca era desigual porque o comerciante entregava esses bens com preços mais altos e recebia como pagamento produtos extrativistas e agrícolas com preços bem abaixo do mercado. Além disso, os trabalhadores indígenas recebiam apenas uma parcela pequena do lucro da venda dos produtos, pois antes pagavam-se os intermediários (diretor, cabo e Estado) e o dízimo para a Igreja.
Assim, a força de trabalho nos anos do Diretório era composta por índios virtualmente escravos e negros africanos legalmente escravizados.
Além disso, o governo das capitanias concedia licenças a colonos privilegiados para impedir que os índios trabalhassem livremente para quem desejassem. O colono que possuía essas licenças acabava escravizando os indígenas. Eles muitas vezes fugiam do trabalho duro, dos castigos brutais e do modo de vida europeu e, assim como os negros escravos nesta época, formavam quilombos ou mucambos. Outra causa comum das fugas eram as doenças. Entretanto, os indígenas que fugiam das doenças, às vezes já infectados, acabavam por transmiti-las aos outros membros da tribo que moravam no interior da floresta, provocando a morte de muitos indivíduos. Alguns mucambos situavam-se nos tributários mais ao norte do Amazonas como o rio Trombetas, na serra do Tumucumaque e na vertente das Guianas.
Comunidades quilombolas atuais nos rios Erepecuru e Trombetas, Oriximiná – Pará
Nos quarenta anos do Diretório dos Índios, o número de indígenas trabalhadores envolvidos com esse sistema sofreu uma grande redução. Em 1757 havia cerca de 30 mil indígenas, enquanto em 1798 restavam apenas cerca de 19 mil (final do Diretório dos Índios). Os índios submetidos a esse sistema sofreram com o excesso de trabalho e maus tratos praticados por diretores escolhidos entre colonos e oficiais militares da colônia. Esses homens, diferente dos padres que conduziam as antigas missões, eram rústicos e despreparados.
Sobre eles, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire escreveu:
“Pombal queria diretores que fossem seres razoáveis. Os que foram dados aos índios eram homens imorais, gananciosos, por vezes, até mesmo foragidos da justiça, e tornaram-se déspotas terríveis…”
Negros na Amazônia
Em 1755, após o terremoto de Lisboa, Portugal decidiu explorar ainda mais as riquezas da Amazônia e, por essa razão, intensificou o tráfico de escravos da África para a região. Estima-se que entre 1755 e 1815, cerca de 51 mil escravos africanos chegaram ao porto de Belém. No entanto, a população de escravos na Amazônia ainda era pequena, se comparada às de outras regiões brasileiras.
O trabalho forçado e desumano no período do Diretório dos Índios uniu indígenas e negros da Amazônia. Os índios ensinaram aos negros como sobreviver na floresta e, assim, quando estes se revoltavam contra os abusos e maus-tratos e conseguiam fugir, escondiam-se na mata e criavam quilombos para se proteger. Na época, uma rede de quilombos formava um arco que começava no território do Maranhão e terminava no Amapá. Essas áreas eram estratégicas, pois ofereciam proteção natural (chapadas, cachoeiras, serras) e recursos naturais para a sobrevivência (peixes, caça e castanhas). Contudo, os foragidos, muitas vezes, eram resgatados por expedições violentas conduzidas por capitães do mato. Os negros do Grão-Pará eram basicamente oriundos de Bissau e Cacheu, na região da Guiné.
Reunidos nos quilombos, os negros podiam manifestar livremente sua cultura e sua forma coletiva de trabalhar a terra trazidas da África pelos seus descendentes. As músicas, danças, festas, brincadeiras e rituais puderam ser reavivados nessas comunidades e até hoje estão presentes em algumas regiões. Com o fim da escravidão, em 1888, os quilombolas não precisavam mais fugir nem se esconder do homem branco. Em muitos locais continuaram vivendo em comunidades e também passaram a se relacionar com as cidades.
Prosperidade na Colônia
As aldeias do Diretório eram incentivadas a cultivar produtos básicos como mandioca, arroz, milho e algodão. Nos anos de relativa prosperidade predominou na Amazônia o cultivo do cacau (já bastante explorado no período das missões), responsável por 60% das exportações em meados do século 18, principalmente nos anos 1730. Embora tenha havido um declínio intenso da população trabalhadora indígena (provocado por epidemias de sarampo e varíola em 1748 e 1750), a importação acelerada de escravos africanos em meados daquele século fez ressurgir essas plantações. O Pará chegou a exportar 600 toneladas por ano ao longo dos 23 anos da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão.
Já no final do século 18, o cultivo do arroz foi em parte o responsável pela prosperidade do Baixo Amazonas. A região era produtora de arroz da variedade Carolina que havia sido introduzido pelo irlandês Laurence Belfort. Na década de 1780, o Grão-Pará e o Maranhão excederam a produção do restante do Brasil.
Fim do Diretório dos Índios
Em 1777, o rei de Portugal Dom José I morre e, consequentemente, o sistema do Diretório dos Índios no Brasil criado por Marquês de Pombal começa a ser contestado. Nas duas últimas décadas do século 18, a redução acentuada da população indígena motivou a abolição desse sistema em 12 maio de 1798 pelo príncipe regente D. João VI. As causas do despovoamento das aldeias do Diretório (que proibia por lei a escravidão indígena) foram principalmente as doenças e a fuga dos indígenas provocadas pelo excesso de maus tratos praticados por seus diretores.
Cegos pela ignorância, esses diretores foram os responsáveis pela ruína do sistema, uma vez que exauriram a principal riqueza da região, ou seja, a mão de obra indígena – o “ouro vermelho” da Amazônia. Sem o trabalho dos índios nas lavouras, nas expedições para a coleta das drogas do sertão e na construção de fortes e edifícios, a colônia portuguesa não teria prosperado nessa região.
No final do século 18, as aldeias ao longo dos rios da Amazônia estavam vazias e começaram a ser habitadas por migrantes brancos descendentes dos caçadores de escravos, dos homens que chegaram com os comissários de fronteira e dos soldados de guarnição. Entrentanto, o número de colonos era reduzido; havia apenas pequenos grupos de choupanas nas margens dos rios, distantes uns dos outros.
Observe o relato de Alexandre Rodrigues Ferreira em Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá:
“…Se veem lugares naquele rio que antes eram habitados por inúmeros selvagens, mas que agora não mostram nenhum sinal de vida, apenas ossos dos mortos. E os que escaparam do contágio não escaparam do cativeiro [como trabalhadores forçados].”
O fim do regime e um decreto do rei reafirmaram que os índios eram livres tanto quanto os demais cidadãos da época. Contudo, eles de fato eram compelidos a trabalhar para o Estado ou colonos particulares se não tivessem uma casa e uma ocupação fixa. Também tinham de servir em um corpo de milícia. Além disso, era permitido a qualquer imigrante explorar os recursos naturais das terras indígenas.
A partir de 1799, os indígenas remanescentes foram sendo removidos das aldeias que haviam sido administradas pelo Diretório e, juntamente com negros e mestiços, passaram a morar nos igapós e várzeas perto de cidades como Belém. Essa nova força de trabalho estava dedicada à extração de produtos silvestres e de ovos de tartaruga para produção de óleo e às lavouras de fumo, algodão e café, além de desempenhar funções na carpintaria e curtição de couro.
Amazônia no início do século 19
O governo na Amazônia tornou-se mais presente e organizado no início do século 19. Nas cidades maiores, proprietários e comerciantes surgem como classe social distinta e diretamente conectada com Lisboa. Os laços familiares, os interesses comerciais e as facilidades de navegação estreitaram essa ligação.
No início do século 19, navegar de Belém para Lisboa era mais rápido do que para o Rio de Janeiro por causa dos ventos mais favoráveis. A partir de 1850, o barco a vela na Amazônia começou a ser substituído pelo barco a vapor.
Entretanto, a economia da região ainda estava baseada nas drogas do sertão e era pouco desenvolvida. Como vimos anteriormente, os negócios na região dependiam muito da mão de obra indígena, a qual foi declinando drasticamente ao longo dos primeiros séculos de colonização. Neste período (início da industrialização no mundo), os preços dos produtos caíram e os novos desafios para a Amazônia colonial foram resolvidos por meio de taxações excessivas sobre os produtos naturais e cultivados. Essa iniciativa levou a província à decadência econômica. Entre 1806 e 1819, as capitanias do Grão-Pará e Rio Negro sofreram uma crise. A partir daí, começam a fomentar as ideias de Independência em relação a Portugal.
A Independência do Brasil
No final de 1820 emergiu na Amazônia um grupo político insatisfeito com o sistema colonial. Almejava-se mais oportunidades econômicas para aqueles que haviam nascido na região, especificamente aqueles que migraram para as cidades e não receberam nenhuma educação. Esse grupo queria um governo que realmente garantisse os direitos desses cidadãos. A classe “superior” acusava essas pessoas de serem preguiçosas, contudo elas eram as únicas que trabalhavam e nem sempre eram pagas pelo grupo dominante. Os contestadores haviam sido influenciados pelas ideias do Iluminismo francês, circuladas no Grão-Pará a partir de 1809 por causa do conflito entre Portugal e França em Caiena, na Guiana Francesa.
Se você já foi a Belém deve ter visitado ou pelo menos ouvido falar nas Praças Felipe Patroni e Batista Campos. Você sabe quem foram esses personagens e por que se destacaram na história? Felipe Patroni e Batista Campos foram os dois grandes propagandistas da Independência do Brasil na região amazônica.
A Proclamação da Independência do Brasil ocorreu em 1822. Contudo, somente em meados de 1823, as capitanias do Grão-Pará e Rio Negro aderiram à independência. Isso porque, em 11 de agosto deste ano, sob as ordens de Dom Pedro I, o almirante John Grenfell chegou a Belém com um documento exigindo a adesão do Pará. Caso os governantes negassem tornar a região independente de Portugal, uma esquadra em Salinas estaria pronta para fechar o acesso ao porto de Belém, isolando o Pará do restante do Brasil. Os governantes da época renderam-se, proclamando a adesão ao restante do país. No dia 15 de agosto, depois de uma assembleia no Palácio Lauro Sodré, a adesão foi proclamada por Dom Romualdo Coelho e oficializada com a assinatura de um documento. A partir desse momento, a capitania do Grão-Pará foi elevada à categoria de província do Império do Brasil.
A adesão à Independência do Brasil é comemorada no Pará com um feriado no dia 15 de agosto, conhecido como Adesão do Pará.
O Grão-Pará e o Rio Negro inicialmente resistiram à Independência porque a relação da Amazônia com Portugal era bem mais intensa e estreita do que com as outras províncias do Brasil. O Rio Negro submeteu-se ao Império do Brasil em 9 de novembro de 1823, mas ficou sujeito à administração da província do Grão-Pará até 1850, quando se tornou província do Amazonas em 5 de setembro.
A Revolta dos Cabanos
Uma década após a independência, muitos estavam descontentes com a situação política e econômica da região. E, nesse período de transição, os confrontos entre caboclos e brancos existentes desde meados do século 18, na época do Diretório dos Índios, intensificaram-se, gerando a maior revolta nativista do Brasil, a Cabanagem.
Entre 1835 e 1836, os índios, caboclos e negros empobrecidos do Pará se uniram para exigir mudanças sociais radicais. Entre os seus principais líderes estavam os irmãos Vinagre – Manuel, Antônio e Francisco Pedro (segundo presidente rebelde); o cônego Batista Campos, editor do jornal O Paraense; Felix Antônio Clemente Malcher (ex-oficial de infantaria, primeiro presidente rebelde) e Eduardo Nogueira, conhecido como Angelim (o terceiro presidente rebelde).
Inicialmente, uma coluna rebelde atacou o quartel de Belém. Neste episódio muitos soldados passaram para o lado dos cabanos. Outra coluna invadiu o Palácio do Governo, onde o presidente foi morto por um índio. Os rebeldes tomaram a prisão e libertaram 50 presos. Nos seis meses de revolta, a população pobre tomou o poder e passou a formar grupos rebeldes para atacar aqueles que eram favorecidos pelo poder político e econômico, ou seja, os portugueses e seus descendentes. Os incidentes, reconhecidos como os mais violentos da história brasileira, envolviam principalmente a chacina de brancos, incêndios a estabelecimentos e ataques a navios de passagem. A violência ocorreu por toda rede de rios amazônicos, uma vez que os cabanos eram bons canoeiros e conhecedores da região.
Um dos focos de resistência rebelde durante a cabanagem era o Baixo Amazonas. Este foco foi estabelecido após um dos incidentes mais graves do movimento: o assalto à Missão de Maués pelos índios mawé, que mataram todos os brancos e queimaram a missão.
O naturalista Henry Walter Bates comenta sobre a conexão entre o período de opressão aos índios, negros e mestiços na época do Diretório de Marquês de Pombal e a consequente Revolta da Cabanagem:
“Os equivocados diretores, os primeiros a despertar todo esse ódio racial, agora eram obrigados a fugir.”
O escritor Francisco Bernardino de Sousa registrou o relato de uma senhora sobre a vida durante o período da Cabanagem no município de Óbidos: “(…) quanto sofremos todos nós, por causa desses homens que queriam o que ninguém sabia nem eles sabiam! A cabanagem foi o flagelo lançado por Deus para punir-nos; foi como a peste que assolou a terra onde nasci; tudo sofria.” Icuipiranga, perto de Óbidos, era um dos locais onde os rebeldes se fortificavam para em seguida atacar as aldeias ribeirinhas.
Finalmente, em abril de 1836, chegaram a Belém 2.500 soldados enviados pelo governo do Rio de Janeiro sob o comando de Francisco Soares d’Andrea. Eles destruíram as unidades cabanas nas ilhas ao redor da cidade e bloquearam Belém. O terceiro líder cabano Angelim e seus homens foram derrotados em 14 de maio de 1836. A repressão ao movimento também foi cruel e durou de 1837 a boa parte de 1838. Nesse período, suspeitos e criminosos eram presos em porões de navios e acabavam morrendo asfixiados ou de doenças contagiosas. Eles também eram forçados a trabalhar para o novo governo. Naquele momento, Soares d’ Andrea fora nomeado Presidente do Pará. No entanto, o próximo presidente do Pará, Bernardo de Sousa Franco, amenizou a situação e, em novembro de 1839, obteve do Imperador uma anistia e um perdão geral para os rebeldes cabanos remanescentes.
Ao final da revolta, a cidade de Belém estava em estado deplorável: montanhas de lixo, ruas sujas, mato crescido, casas sem portas ou janelas, fazendas abandonadas e o gado morto. No total, cerca de 30 mil pessoas foram mortas – um quinto da população total da província. A economia da Amazônia ficou devastada.
Depois desse período de revoltas, o Império do Brasil ficou com poucas iniciativas em relação à Amazônia até meados do século 19. Além disso, os produtos agrícolas da região perderam importância no mercado. Por exemplo, houve queda no preço do cacau e redução nas exportações das chamadas drogas do sertão, peles e couro. A única exceção positiva foi o aumento do interesse pela borracha da Amazônia a partir de 1840, como veremos a seguir.
A Amazônia no final do século 19 e início do século 20: O CICLO DA BORRACHA
A partir da segunda metade do século 19, a borracha passou a ser um produto de destaque na economia da Amazônia e do Brasil.
O ciclo da borracha é o primeiro grande ciclo econômico da Amazônia, que teve o seu auge entre 1879 e 1912. Contudo, a borracha já era utilizada pelos indígenas nas Américas desde o início da colonização europeia. Eles usavam o látex da seringueira como impermeabilizante e, a partir desse produto endurecido, fabricavam utensílios domésticos, seringas, botas, sapatos, chapéus, jaquetas, bolas etc.
Por essa razão, antes de entendermos esse período de grandes riquezas na Amazônia, vamos voltar no tempo e observar quando os europeus perceberam o uso do látex da seringueira pelos indígenas e começaram a pesquisar o produto.
Nosso personagem aqui é o francês Charles Marie de La Condamine, que visitou o Equador em 1742 e percebeu que o látex poderia ser comercializável. Descendo o Amazonas, em 1743, La Condamine viu os índios omáguas da região do Solimões utilizando um material elástico para fazer garrafas, calçados e bolas. Em suas festas, esses índios ofereciam bebida a cada convidado numa seringa de borracha.
Em 1747, um engenheiro chamado François Fresnau, que fora enviado para reconstruir o forte de Caiena, estudou as seringueiras e identificou a Hevea brasiliensis, a espécie que produz a melhor qualidade de látex. Ele também previu o uso da borracha para extintores de incêndios, toldos, escafandros (roupa de mergulhador antiga), cabos de vasilhas, cartucheiras, calçados e arreios. Assim começou a exportação de borracha endurecida para Europa onde vários produtos foram testados.
Quase cem anos depois, os Estados Unidos já estavam fabricando sapatos de borracha a partir do látex endurecido importado da Amazônia. E, para a nossa surpresa, no Estado do Pará, por volta de 1840, também havia uma indústria forte de sapatos de borracha, com uma qualidade superior a dos Estados Unidos.
Depois de alguns anos de aprimoramento da tecnologia de vulcanização, a borracha passou a ser utilizada não apenas para fabricar sapatos de ótima qualidade, mas também para fabricar roupas e vários artefatos para medicina e uso doméstico (seringas, pneus de bicicleta, anéis de vedação para máquinas etc.). Portanto, a partir do século 20, o látex tornou-se item de primeira necessidade no mercado mundial.
E assim, como vimos na história em quadrinhos, a região amazônica, que havia desenvolvido uma indústria de sapatos de borracha para a exportação, perde para a tecnologia mais avançada e volta a ser exclusivamente fornecedora dessa matéria-prima para o mundo.
A boa notícia é que a demanda mundial pela borracha cresceu enormemente e continuou a aumentar na segunda metade do século 19. Segundo o historiador Roberto Santos havia 5.300 seringueiros em 1850; em 1912, mais de 190 mil trabalhavam nos seringais.
O botânico inglês Richard Spruce escreveu:
“(…) o extraordinário preço alcançado pela borracha no Pará em 1853 acabou tirando as pessoas de sua letargia (…). Os mecânicos puseram de lado suas ferramentas, os produtores de açúcar abandonaram seus engenhos e os índios suas roças, de tal modo que açúcar, cachaça e mesmo farinha de mandioca deixaram de ser produzidos em quantidade suficiente.”
A força de trabalho extra veio da região Nordeste do Brasil. Sessenta mil nordestinos migraram para a Amazônia em busca do “ouro branco”. Dessa forma, a exploração de látex fez surgir inúmeras vilas ao longo dos rios onde a seringueira é mais abundante, por exemplo, na região do rio Tapajós. Vale lembrar que mais de 90% da área de extração de seringueira ocorre em solo brasileiro; o restante está dividido entre Peru, Bolívia e Colômbia.
Desde o início do ciclo da borracha, empresas estrangeiras instalaram-se em Belém e Manaus para controlar o seu comércio. Esse monopólio formava uma pirâmide, com milhares de seringueiros abastecendo centenas de negociantes que, por sua vez, vendiam a uns poucos e poderosos estabelecimentos de Manaus, Belém e Iquitos. A população de Manaus cresceu no auge da borracha, passando de 10 mil pessoas, em 1890, para 50 mil habitantes em 1900. A cidade era considerada a “Paris dos Trópicos” – por causa dos seus bares, cabarés e casas noturnas. Havia um estabelecimento chamado “Café dos Terríveis” onde se podia beber até o dia amanhecer. Os barões gostavam do luxo e esbanjavam o dinheiro dos lucros da borracha.
Euclides da Cunha relata no seu livro Amazônia: um paraíso perdido o sistema de aviamento praticado na região durante o ciclo da borracha:
“No próprio dia em que parte do Ceará, o seringueiro principia a dever: deve a passagem de proa ao Pará (35$000) e o dinheiro que recebeu para preparar-se (150$000). Depois vem a importância do transporte, num gaiola qualquer de Belém ao barracão longínquo a que se destina, e que é na média, de 150$000. Aditem-se cerca de 800$000 para os seguintes utensílios invariáveis: um boião de furo, uma bacia, mil tigelinhas, uma machadinha de ferro, um machado, um terçado, um rifle (carabina Winchester) e duzentas balas, dois pratos, duas colheres, duas xícaras, duas panelas, uma cafeteira, dois carretéis de linha e um agulheiro. Nada mais. Aí temos o nosso homem no barracão senhorial, antes de seguir para a barraca, no centro, que o patrão lhe designará. Ainda é um brabo, isto é, ainda não aprendeu o corte da madeira e já deve 1:135$000.”
Durante os primeiros anos do século 20, as exportações anuais de borracha na Amazônia alcançaram em média 34 mil toneladas. Em 1909, uma produção de 42 mil toneladas atingiu 24,6 milhões de libras.
Contudo, este ciclo de grandes riquezas começou a ruir a partir de 1876, quando um comerciante inglês chamado Henry Wickham contrabandeou 70 mil sementes de seringueira da região de Santarém e as enviou para o diretor do Royal Botanic Garden de Londres. Plantações de seringais foram estabelecidas no Sudeste Asiático e, depois de três décadas e meia de tentativas, as plantações na Malásia começaram a produzir látex de melhor qualidade, em quantidades maiores e por um preço mais acessível. Consequentemente, a produção de borracha na Amazônia sofreu uma redução drástica. Por exemplo, em 1923, a produção da Ásia atingiu 370 mil toneladas por ano, enquanto a da Amazônia despencou para 18 mil toneladas por ano. Dessa forma, o Brasil perdeu o mercado mundial para os plantios de seringueira de larga escala no Sudeste Asiático, marcando o fim do ciclo do “ouro branco” na Amazônia.
Na época, aqueles que lucravam com o comércio da borracha acreditavam que a Amazônia teria o seu monopólio para sempre. E, por essa razão, não viam sentido em investir os seus lucros em outras atividades – por exemplo, agricultura e indústria – como alternativa em caso de crise.
Muitas famílias foram embora da Amazônia por causa da quebra do monopólio da borracha. Aquelas que foram obrigadas a ficar não possuíam fonte de renda para manter o mesmo padrão de vida adquirido com os lucros do grande ciclo. Assim, Belém e Manaus entraram em colapso econômico e social no início do século 20; os palacetes foram abandonados, os seringueiros estavam à deriva, o governo já não conseguia pagar mais os funcionários públicos e a classe média havia perdido empregos e estava empobrecida.
Nesse período, depois de 1920, a população do Norte[4] do Brasil ficou quase completamente estagnada. Em 1920, a região possuía 312 mil habitantes; e, em 1940, esse número foi reduzido para 236 mil. Em 1950, a região conseguiu restabelecer sua população para 349 mil habitantes. Contudo, voltou a crescer de forma significativa somente a partir da década de 1960.
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[4] Corresponde hoje aos Estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Após a crise da borracha houve na região um retorno ao extrativismo de outros produtos da floresta e à agricultura de subsistência.
Amazônia a partir dos Anos 1940
Após o colapso do ciclo da borracha, a Amazônia deixou de ser atrativa para os aventureiros e permaneceu meio século sem incursões estrangeiras em busca de produtos lucrativos. Os povos indígenas haviam sofrido uma redução drástica e finalmente deixaram de ser escravizados. A população agora era composta principalmente por indivíduos miscigenados (índios, brancos e negros), conhecidos como caboclos ou ribeirinhos. Eles viviam dos recursos da fauna e flora (pesca e coleta de produtos florestais), explorando-os de forma sustentável, ou seja, sem afetar a capacidade da natureza de produzir novos recursos para gerações futuras.
Também havia pequenos fazendeiros que derrubavam e queimavam a mata para criar gado. Quanto aos recursos, além da borracha, os outros produtos florestais também deixaram de ter importância econômica para a região, pois passaram a ser cultivados em outros lugares. Por exemplo, o café prosperou no planalto de São Paulo, onde o clima é mais temperado; o arroz, o algodão e o açúcar eram mais lucrativos no Nordeste do Brasil, nos Estados Unidos e no Caribe; e o cacau do oeste da África superou o da Amazônia.
Nova Colonização
Algumas tentativas de colonização da Amazônia no século 20 ocorreram principalmente no período do Estado Novo de Getúlio Vargas (1943). Uma delas foi a japonesa, com as plantações de juta – uma fibra têxtil de origem asiática –, na várzea do rio Amazonas, e de pimenta-do-reino na região de Tomé-Açu (Pará) a partir da década de 1940.
A juta, usada para a fabricação de sacos, ganhou destaque na economia do Baixo Amazonas, especialmente em Santarém e Parintins, até meados da década de 1970. Já a pimenta-do-reino, apesar de ter perdido importância econômica, ainda é cultivada na região bragantina do Pará.
Nesse período também houve campanhas do governo de Getúlio Vargas para incentivar a migração de brasileiros para a Amazônia. As campanhas “Marcha para o Oeste” e “Novo Eldorado” atraíram pessoas, principalmente do Nordeste, para trabalhar no seringais da região. Esses migrantes ficaram conhecidos na história como “Soldados da Borracha”. Isso porque a migração ocorreu durante o esforço de guerra dos Estados Unidos pela borracha brasileira na Segunda Guerra Mundial, uma vez que as plantações no Sudeste Asiático haviam sido ocupadas pelos japoneses. Como a borracha era um produto estratégico para os aliados, a seringueira da Amazônia voltou a ser extraída em larga escala. No entanto, esse novo ciclo durou pouco; ao final da guerra, os Estados Unidos voltaram a importar a borracha asiática e suspenderam os investimentos que estavam fazendo no Brasil.
Soldados da borracha
O período também marca a tentativa do empreendedor norte-americano Henry Ford, pai da indústria automobilística, de estabelecer na Amazônia plantios de seringueira para competir com os existentes na Malásia, na época, colônia britânica. Em 1927, Ford adquiriu extensas florestas próximo da foz do rio Tapajós a fim de assegurar uma fonte de matéria-prima (látex) para a fabricação de pneus. Assim, a empresa de Ford construiu duas cidades na selva. Primeiro, Fordlândia, em 1927, depois Belterra em 1936. Em 1929, o número de trabalhadores alcançava em torno de 1.000 pessoas, vindas das aldeias de nativos da região, do Maranhão e Ceará, dos remanescentes da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, do canal do Panamá e de pequenos países do Caribe como a Jamaica, Barbados e Santa Lúcia.
Fordlândia e Belterra possuíam uma infraestrutura próxima do padrão norte-americano da época, o qual incluía escolas, hospitais, sistema de abastecimento de água e energia, estação de rádio e telefonia. Entretanto, todo esse esforço foi em vão, pois sem experiência em silvicultura tropical, os gerentes da empresa plantaram as seringueiras muito próximas uma das outras, propiciando o ataque do fungo mal-das-folhas (Microcyclus uley) que dizimou as plantações.
Além disso, os trabalhadores de Fordlândia, submetidos ao estilo de vida e trabalho rígido norte-americano, revoltaram-se em 1930. Nessa rebelião, destruíram o prédio do escritório, da usina de força, serraria, garagem, estação de rádio e recepção. Eles também cortaram as luzes, atearam fogo nas oficinas, queimaram arquivos, saquearam depósitos e quebraram caminhões, tratores e carros. Os gerentes tiveram de fugir. No dia seguinte, o conflito teve de ser apaziguado pelo exército. Como afirma o escritor Vianna Moog:
“Em uma noite, os dirigentes da Ford Motor Company aprenderam mais sociologia que em anos de universidade.”
Outro fator que contribuiu para o fracasso de Ford foi o desenvolvimento de novas tecnologias para a fabricação de pneus a partir dos derivados do petróleo.
Novos Planos de Desenvolvimento
A década de 1950 foi marcada por tentativas do governo federal de realizar investimentos na Amazônia. Uma dessas tentativas foi a criação em 1953 da SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia). Contudo, os planos do governo começam a sair do papel somente no final dessa década, quando a estrada Belém-Brasília foi aberta em 1958.
A partir de 1960, a Amazônia começou uma nova etapa de sua história com a abertura de estradas, descoberta de minérios e início da colonização agropecuária. Nesse período, a BR-010, ligando Belém a Brasília, e a BR-364, de Cuiabá até Rio Branco, começaram a ser construídas. No caso dos minérios houve descobertas de cassiterita (matéria-prima do estanho), em Rondônia, e de ouro no rio Tapajós (Pará), além da descoberta da maior mina de minério de ferro do mundo na Serra dos Carajás (Pará) em 1967.
Contudo, a base da economia da região amazônica ainda era o extrativismo de produtos naturais – por exemplo, castanha-do-pará – e a agricultura de subsistência. No Estado do Pará, depois de 1920, a extração de castanha substituiu em parte o extrativismo da borracha. Os extratores envolvidos na coleta eram principalmente os negros ex-escravos que, pouco a pouco, no final do século 19, foram abandonando seus quilombos na região das cachoeiras (ao norte do Amazonas) para morar às margens do médio Trombetas. Nesses novos territórios, ricos em castanhais, eles se tornaram castanheiros livres e autônomos. Ou seja, negociavam a venda do produto diretamente com os atravessadores (regatões) que, por sua vez, transportavam e revendiam a castanha em Óbidos.
Entretanto, colonos brancos interessados nos lucros da exportação passaram a ocupar essa área e exercer poder e controle territorial. Isto é, eles tornaram legítima a posse, o arrendamento, a compra e a venda de terras dos quilombolas, que eram considerados extratores e grupos nômades. Assim, entre os anos 1940 e 1960, esses colonos já haviam se tornado donos da terra e patrões dos castanhais. Embora os negros desse território tenham mantido as características da sociedade de quilombos, em meados do século 20, eles haviam perdido a autonomia e o controle exclusivo de suas antigas terras.
A ocupação das áreas de florestas na Amazônia ainda estava restrita às margens das novas estradas, e o desmatamento provocado pelos diferentes usos da terra na época era incipiente. O processo de ocupação da Amazônia será intensificado somente a partir da década de 1970 e, como veremos, provocará mudanças profundas na sua paisagem, resultando em grandes mudanças sociais e econômicas.
Década de 1970
Na década de 1970, a Amazônia passa a ser prioridade para o governo militar da época. Os objetivos eram atrair agricultores do Centro-Sul e do Nordeste para ocupar grandes extensões de florestas da região, extrair riquezas minerais e iniciar o aproveitamento do seu potencial hidrelétrico.
Assim, grandes projetos foram implantados na Amazônia, por exemplo, os projetos de mineração de Carajás e do rio Trombetas; a construção de hidrelétricas como Tucuruí; a abertura de estradas como a Transamazônica e a Santarém-Cuiabá; e a instalação de fazendas de gado bovino, a qual deu início ao desmatamento de grandes extensões de floresta. Nesse período, a região experimentou um aumento expressivo na população – passando de 11,2 milhões de pessoas, em 1980, para 24 milhões em 2010.
Diferente do que se esperava, o modelo de ocupação baseado em grandes projetos causou impactos no modo de vida das populações tradicionais da floresta, gerando vários conflitos sociais. Por consequência, os resultados na melhoria da economia regional foram limitados.
Mineração Rio do Norte: mina de bauxita
O final dos anos 1970 e início dos anos 1980 também marcaram a pesquisa geológica e a descoberta de vários minérios na Amazônia. Entre eles, a bauxita (alumínio), no rio Trombetas, que passou a ser explorada pela Mineração Rio do Norte em 1975. Atualmente, esta é a maior produtora de bauxita do Brasil. Nessa mesma região houve tentativas de instalação de outros projetos de extração mineral, e hidrelétricas em Cachoeira Porteira (rio Trombetas) e Cachoeira Pancada (rio Erepecuru), porém todas foram abandonadas.
Os investimentos públicos nos chamados grandes projetos (estradas, mineração e hidrelétricas) combinado com subsídios e crédito barato para agropecuaristas resultaram em mudanças rápidas e dramáticas na Amazônia a partir da década de 1970. O rebanho cresceu de apenas 2 milhões, em 1970, para cerca de 80 milhões de cabeças em 2010 (quase 4 animais para cada habitante). E o desmatamento, que até 1975 afetava menos de 1% da Amazônia, atingiu quase 19% da região (ou seja, três vezes o tamanho do Estado de São Paulo) em 2013.
Os conflitos sociais também se intensificaram no final do século 20 com disputas violentas pela posse da terra nas áreas de fronteira. Na década de 1980, as terras acessíveis via rodovias já possuíam ocupantes (posseiros ou populações tradicionais) e a prática da grilagem contribuía para o agravamento das disputas fundiárias. O grileiro costumava tomar posse da área à força, expulsando famílias que ocupavam o local há décadas.
Por que se diz grilagem para a falsificação de documentos? Colocar documentos dentro de uma caixa com grilos é uma técnica para amarelar e deixar os papéis roídos (por causa dos excrementos desses insetos). Documentos falsos com essa aparência dão a impressão de serem antigos e, portanto, verdadeiros.
Esses conflitos foram combatidos inicialmente pela criação das Pastorais da Terra (uma iniciativa da Igreja Católica), as quais buscavam proteger os camponeses da Amazônia. Por outro lado, o governo também criou órgãos específicos para tratá-los e passou a titular terras e assentar os camponeses na região.
Além disso, ao final da ditadura militar, os sindicatos rurais já estavam fortalecidos e capacitados para buscar informações sobre a veracidade dos documentos. Contudo, essas iniciativas não foram suficientes para reduzir os conflitos pela terra e o aumento da violência no campo. As vítimas desses conflitos incluíram desde pequenos produtores rurais do sul do Pará, passando por seringueiros no Acre, até populações indígenas ao longo da Transamazônica.
A formação dos sindicatos rurais e de movimentos sociais na Amazônia foi uma reação das populações tradicionais da floresta (indígenas, seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores, quebradeiras de coco babaçu e ribeirinhos) ao desmatamento e à violência no campo provocados pela instalação desses grandes projetos. O exemplo mais marcante desse período é a história do líder seringueiro Chico Mendes, reconhecido internacionalmente e ganhador de vários prêmios por causa da sua luta a favor da preservação dos modos de vida dessas populações.
Chico Mendes
Seringueiro desde criança, Chico Mendes, que aprendeu a ler entre 19 e 20 anos, tornou-se líder sindical em 1975 em Brasiléia, no Acre. Ele participava ativamente das lutas dos seringueiros para impedir o desmatamento, organizando “empates” em sua região, ou seja, manifestações em que os trabalhadores protegiam as árvores com seus próprios corpos. Além disso, ele organizou várias ações em defesa da posse da terra pelos habitantes nativos. Por essa razão, desde o seu surgimento como líder seringueiro, sempre esteve sob ameaça de morte.
Chico Mendes defendeu a união dos povos da floresta por meio da criação de Reservas Extrativistas. Nessas áreas, os produtos florestais são coletados de forma sustentável, ou seja, sem danificar a floresta e seus recursos.
Em 1988 foram implantadas as primeiras Reservas Extrativistas no Estado do Acre, época em que Chico Mendes denunciava fortemente a exploração predatória da floresta e a violência dos fazendeiros contra os trabalhadores na região. No dia 22 de dezembro daquele ano, ele foi assassinado na porta dos fundos de sua casa em Xapuri.
A partir do final da década de 1980, o governo passou a reduzir os incentivos para a agropecuária na Amazônia em resposta à pressão internacional. Também reduziu investimentos públicos para a expansão da infraestrutura na região. Entretanto, essas iniciativas foram enfraquecidas pela intensificação da ocupação da fronteira na Amazônia por meio de outra atividade predatória: a exploração madeireira de florestas nativas, ocasionando novamente o aumento do desmatamento, especialmente numa região conhecida como Arco do Desmatamento.
Arco do Desmatamento, região onde a fronteira agrícola avança em direção à floresta obtendo os maiores índices de desmatamento da Amazônia. O arco abrange do leste e sul do Pará em direção oeste, passando por Mato Grosso, Amazonas, Rondônia e Acre.
O Boom Madeireiro
Três fatores contribuíram para o boom madeireiro na Amazônia nas décadas de 1980 e 1990: a exaustão das florestas do sul e sudeste do Brasil, a abundância de florestas com pouca restrição para a extração predatória e a localização estratégica dos polos madeireiros em relação aos mercados doméstico e externo. Toda essa extração de madeira era feita de forma predatória. Uma situação que só começou a ser transformada a partir de meados da década de 1990, quando o Brasil passou a exigir que os recursos florestais fossem aproveitados por meio do manejo florestal.
Uma nova ocupação da Amazônia
Desde o relato de Carvajal, no século 16, a Amazônia tem cativado a atenção do mundo por suas riquezas naturais e diversidade cultural dos seus povos indígenas. A viagem de Orellana, em busca do El Dorado, povoou o imaginário europeu naquele período e atraiu para a região muitos aventureiros em busca de ouro e prata. Contudo, sem encontrar esses metais preciosos, os espanhóis perderam o interesse em grande parte da Amazônia, enquanto os portugueses persistiram e passaram a desenvolver na região atividades econômicas com base na coleta de drogas do sertão e agricultura.
A partir do século 17, início do processo de colonização portuguesa, houve várias tentativas de desenvolver a região. A colônia se manteve durante dois séculos graças à mão de obra escrava indígena, que foi intensamente explorada pelos colonos brancos nas atividades extrativistas, lavouras e nas construções. Nessa época, a Amazônia estava estreitamente ligada a Portugal e praticamente não mantia relações econômicas e sociais com o restante do Brasil.
A Amazônia viveu seu auge econômico somente a partir de 1876 (século 19) com o ciclo da borracha. Um testemunho dessa época são os majestosos teatros de Manaus e Belém. Essa fase áurea chegou ao fim no início do século 20, quando a borracha da Amazônia passou a ser substituída por aquela oriunda das plantações de seringueira no Sudoeste Asiático. Como resultado, a região enfrentou um período de estagnação econômica que durou até meados da década de 1960.
A década de 1960 inaugurou uma nova fase na história da Amazônia com a abertura de grandes estradas como a Belém-Brasília ligando a região ao restante do Brasil. Na década seguinte, o governo militar da época ampliou o processo de ocupação com mais estradas (por exemplo, a Transamazônica) e forte apoio à colonização. Assim, pela primeira vez na história, a ocupação da Amazônia era feita a partir das estradas (não mais ao longo dos rios), as quais penetravam nas áreas mais altas – as florestas de terra firme – ao invés das várzeas. Isso resultou em graves problemas ambientais e conflitos sociais em uma escala nunca vista na região.
O fato marcante da história recente da Amazônia é o desmatamento (corte raso da floresta). Embora a população indígena tenha habitado a região há mais de 14 mil anos, o desmatamento foi extremamente pequeno e não deixou cicatrizes. De fato, até 1975, apenas uma área inferior a 1% da Amazônia havia sido desmatada. Porém, nas últimas três décadas, o desmatamento disparou, alcançando 19% do território em 2013 – uma área equivalente à soma dos territórios dos Estados de Minas Gerais e Paraná.
Perspectivas para a Amazônia no Século 21
No final da década de 1980, o governo federal, cada vez mais pressionado pela opinião pública brasileira e internacional, iniciou tentativas de controle do desmatamento, que não tiveram êxito. A situação permaneceu fora do controle até 2004, quando o Brasil buscou melhorar a fiscalização e criou mais de 500 mil quilômetros quadrados de novas Unidades de Conservação – uma área equivalente duas vezes o Estado de São Paulo. O resultado desse esforço foi uma redução expressiva e surpreendente do desmatamento, que caiu de quase 28 mil quilômetros quadrados, em 2004, para cerca de 5,8 mil quilômetros quadrados em 2013.
Unidades de Conservação são espaços territoriais legalmente instituídos para a conservação da natureza e, em alguns casos, também para uso dos recursos naturais (visitação, turismo, extração de madeira, castanhas, cipós, entre outros).
Neste século, o Brasil também assumiu um compromisso internacional de reduzir o desmatamento em 80% até 2020. Para isso, iniciativas nacionais estão sendo tomadas, por exemplo, a permissão de desmatar somente com autorização e a obrigação de reflorestar a área desmatada com espécies de árvores nativas.
No início do século 21, os mais de 24 milhões de habitantes da Amazônia estão em busca de um modelo de desenvolvimento que gere qualidade de vida (emprego, renda e igualdade social) em harmonia com a conservação dos recursos naturais. O desafio é grande, mas há oportunidades para que o novo modelo de desenvolvimento seja possível ao longo da próxima década. Isso porque a Amazônia possui grandes riquezas naturais, desde recursos florestais e animais, passando por depósitos minerais, até a imensidão de seus rios e lagos. Além disso, ela abriga uma diversidade de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais (seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, entre outros), bem como novos habitantes que chegaram na região a partir da década de 1960 – todos capazes de direcionar o futuro da Amazônia.