Brenda Brito*
O desmatamento ilegal ainda é um problema grave na Amazônia e sua responsabilização é muito precária. Neste O Estado da Amazônia mostramos que somente 1% do valor de 421 multas emitidas pelo Ibama e Sema no Mato Grosso entre 2005-2006 foi pago até março de 2008. Essas multas foram emitidas no ano seguinte à Operação Curupira contra corrupção nos órgãos ambientais nesse Estado. O cancelamento de multas em áreas de posses de diferentes tamanhos também indicou a aplicação inadequada da lei. Sugestões para diminuir a impunidade incluem manter multas de posseiros que desmatam ilegalmente e adotar uma estratégia eficiente para arrecadá-las.
Até 2006, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) era o principal responsável pela gestão florestal e combate ao desmatamento ilegal na Amazônia por meio da lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/1998). A exceção era Mato Grosso, onde a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fema) atuava desde 1999[1] paralelamente à atuação do Ibama. Com a descentralização da gestão florestal no final de 2006[2], Mato Grosso era um dos únicos Estados com experiência nessa área de atuação. Contudo, em 2005, a Operação Curupira – realizada nesse Estado pela Polícia Federal, Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ibama e Ministério Público Federal (MPF) – revelou casos de fraudes e corrupção na autorização de atividades florestais, o que resultou na prisão de cerca de 80 pessoas, entre elas, o gerente executivo do Ibama e o presidente da Fema[3]. Como resultado, o governo estadual extinguiu a Fema e criou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema). Analisamos as multas contra desmatamento ilegal emitidas nos 13 meses após essa operação. O objetivo do estudo foi avaliar a atuação do Ibama e da Sema em sua nova fase de combate ao crime ambiental.
Identificamos o estágio até março de 2008 das multas contra desmatamento ilegal mais antigas emitidas após a Operação Curupira pela Sema e pelo Ibama[4]. Para isso, analisamos 229 multas no Ibama (cerca de R$ 194 milhões) e 192 multas na Sema (cerca de R$ 130 milhões) emitidas entre julho de 2005 e julho de 2006. Os dados foram coletados nos sistemas de acompanhamento processual disponíveis nos sítios eletrônicos dos dois órgãos ambientais[5]. Além disso, para multas acima de 1.000 hectares de desmatamento (19 casos no Ibama e 15 na Sema), realizamos coleta mais detalhada de informações na Sema e no Ibama em Cuiabá. Entre os dados coletados de agosto de 2007 a fevereiro de 2008 estavam cópias das defesas apresentadas pelos possíveis infratores. Das 28 defesas incluídas na amostra de grandes casos (acima de 1.000 hectares) nos dois órgãos, foi possível coletar cópias de 18 processos.
Entre 2005 e 2006 até março de 2008, apenas uma multa em cada órgão foi arrecadada, ou seja, apenas 1% do valor total das multas amostradas (Figura 1). Além disso, apenas dois casos no Ibama estavam em fase mais avançada na coleta de multas (Figura 1). Na Sema, 4% dos casos foram condenados em 1ª instância e outros 3% tiveram a multa cancelada após deferimento da defesa (Figura 1).
Grande parte dos casos concentrava-se nos departamentos jurídicos dos órgãos ambientais. Por exemplo, 39% dos casos no Ibama estavam possivelmente aguardando análise de defesa (Figura 1). Na Sema, 83% dos processos estavam aguardando análise do departamento jurídico (Figura 1). No entanto, devido à limitação de informações dos sistemas via internet, não foi possível determinar quais casos aguardavam análise de defesa e quais aguardavam outro tipo de análise jurídica[6]. Em 60% dos casos no Ibama e 9% na Sema foi possível constatar que eles não haviam sido encerrados e as multas não haviam sido quitadas ou canceladas. No entanto, as informações contidas nos sistemas da internet não eram suficientes para determinar a fase exata dos processos e, por isso, esses casos foram classificados como inconclusos em fase indefinida (Figura 1).
Situação dos Maiores Casos de Desmatamento
As multas contra desmatamentos acima de 1.000 hectares no período estudado seguiam o padrão descrito na seção anterior, ou seja, poucos casos iniciados entre julho de 2005 e julho de 2006 foram concluídos em Mato Grosso. Além disso, nenhuma multa foi quitada até o fim da coleta de dados dessa pesquisa.
A maioria desses grandes casos no Ibama (58%) estava aguardando análise de defesa em 1ª instância fazia em média 493 dias e correspondiam a 59% do valor de multas nessa amostra específica (Figura 2). Outros 21% ainda aguardavam a homologação do auto de infração e concentravam 19% do valor das multas. Dos 19 casos, apenas 16% já haviam sido condenados em 1ª instância, ou seja, a defesa havia sido indeferida ou o auto de infração havia sido homologado (Figura 2).
Na Sema, a situação não foi muito diferente do Ibama, já que nenhuma multa foi paga (Figura 3). Além disso, a maioria dos grandes casos de desmatamento analisados ainda aguardava pela análise da defesa fazia em média 497 dias. Esses casos correspondiam a 90% do valor das multas nessa amostra (Figura 3). No entanto, ao contrário do que aconteceu no Ibama, a Sema absolveu e cancelou as multas cujas defesas foram analisadas (13%). Os motivos da absolvição são analisados na próxima seção.
Na maioria das multas de grandes desmatamentos, os autuados apresentaram defesa para tentar anular essa sanção: 73% dos casos analisados no Ibama e 94% na Sema. Nas 18 defesas analisadas, o argumento mais utilizado para tentar cancelar a multa (50% dos casos) foi a alegação de que a pessoa autuada não era proprietária total ou parcial da área desmatada e por isso não poderia ser responsabilizada por esse dano[7].
De fato, a situação dos direitos de propriedade em grande parte da Amazônia é incerta. Estima-se que pouco menos da metade da região (cerca de 47%) tem uma situação fundiária parcialmente definida: 4% seriam áreas privadas com validação no Sistema de Cadastro de Imóveis Rurais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e os outros 43% seriam Áreas Protegidas, entre elas, Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Os 53% restantes se dividiriam entre áreas supostamente privadas, mas sem validação no Sistema de Cadastro de Imóveis Rurais do Incra (32% da região) e áreas supostamente públicas (21%), por exemplo, áreas devolutas que podem estar ocupadas por diferentes atores (populações tradicionais, indígenas e posseiros)[8].
Infelizmente, essa incerteza fundiária tem sido usada para livrar possíveis infratores da responsabilização por danos ambientais em Mato Grosso. Nas duas defesas julgadas pela Sema, entre as 18 analisadas, os acusados alegaram não serem donos das áreas desmatadas e por isso não deveriam ser punidos. Um deles apresentou como prova uma declaração do cartório de registro de imóveis que informava a inexistência de imóveis em nome do autuado no município onde se localizava a área desmatada. No outro processo, a pessoa multada era um assentado do Incra e a determinação foi autuar o instituto em vez do habitante do assentamento. Esse fato é contestável, uma vez que o assentado é responsável juntamente com o Incra pelo uso racional do lote que ocupa.
Mesmo que apenas duas defesas como essas tenham sido julgadas na amostra analisada, a predominância desse argumento de defesa provoca uma situação de alerta sobre o destino das multas cujas defesas ainda não foram avaliadas. De fato, ao considerar a extensão do caos fundiário na Amazônia, esse tipo de entendimento jurídico adotado por um órgão ambiental representa uma ameaça à manutenção das multas e a todo esforço de fiscalização ambiental na região.
Punir posseiros por desmatamento ilegal. O conceito de infração ambiental adotado na legislação brasileira não limita a sua incidência a áreas nas quais existe comprovação legal de propriedade[9]. Além disso, a Sema reconhece a existência de atividades com potencial de degradação ambiental em áreas de posse. Por exemplo, é possível obter licenciamento ambiental em área de posse e inscrever esse tipo de imóvel no Cadastro Ambiental Rural administrado pela Sema[10]. Assim, uma medida a ser adotada em curto prazo por esse órgão seria a de deixar de citar no laudo de vistoria da infração que os autuados são proprietários das áreas, pois esse é justamente o motivo que ensejou a contestação nos casos analisados. Durante a vistoria de campo, o fiscal não possui elementos para constatar a situação legal da titularidade do imóvel desmatado com base nos dados dos reais ocupantes dessas áreas. Dessa forma, seria melhor identificar os autuados como ocupantes das áreas, o que abrangeria tanto posseiros como proprietários. Para os autos de infração em que o termo proprietário já foi usado, a multa não deveria ser anulada e a Sema não precisaria ordenar uma nova visita de campo à área desmatada para localizar o real proprietário (se é que ele existe). Nesses casos, a Sema deveria corrigir o auto de infração excluindo o termo proprietário, já que essa pessoa foi identificada pelos fiscais como autor do desmatamento. Essa correção pode ser feita no mesmo processo ou com a emissão de um novo auto de infração contra o mesmo acusado (após o cancelamento do auto anterior)[11].
Priorizar a cobrança de multas em casos maiores. Neste estudo, 25% dos processos da Sema concentravam 75% dos valores de multas da amostra e, no Ibama, 29% dos casos somavam 81% do valor. Esses casos correspondiam a desmatamentos acima de 500 hectares. Por isso, órgãos ambientais devem priorizar os grandes casos de danos para aperfeiçoar seus esforços na responsabilização ambiental. Essa orientação é válida desde a fiscalização até as fases de cobrança das multas. Essa medida simples de orientação dos órgãos ambientais pode potencialmente contribuir para tornar mais ágil a conclusão de processos.
* Autora correspondente: brendabrito@imazon.org.br
1 Lima, A.; Irigaray, C.; Figueira, J.; Silva, R.; Guimarães, S. & Araújo, S. 2005. Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedades Rurais do Estado de Mato Grosso: Análise de Lições na sua Implementação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.icv.org.br/publique/media/slapr_final.pdf>. Acesso em: 11/2/ 2008.
2 A descentralização em 2006 foi resultado da Lei nº 11.284/2006 (Lei de Concessão Florestal), a qual delegou explicitamente aos Estados a competência para apreciar pedidos de exploração de florestas e alterou o art. 19 da Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal) sobre esse assunto (art. 83 da Lei nº 11.284/2006).
3 Lima, A. 2006. A política ambiental no Mato Grosso, um ano depois da Operação Curupira. Disponível em: <http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=212359>. Acesso em: 2/ 5/ 2007 e Elia, C. 2006. Corte na Corrupção. O Eco. Disponível em: <http://www.oeco.com.br/preview/37-reportagens/1150-oeco_12577>. Acesso em: 10/ 7/ 2009.
4 Foram analisados os casos vinculados aos artigos 25, 27, 33, 37, 38 e 39 do Decreto no 3.179/99 (em vigor na época da pesquisa). Na Sema foram incluídos apenas casos relacionados a desmatamentos acima de 100 hectares.
5 Ver www.ibama.gov.br/protocolo e http://www.protocolo.sad.mt.gov.br/consulta/cp.php.
6 Por exemplo, esses casos poderiam aguardar a análise dos autos de infração sem defesa apresentada, já que todos os autos emitidos devem passar por uma análise jurídica para constatar a validade de seus aspectos formais antes de serem homologados.
7 Outros argumentos de defesa para o cancelamento de multas foram: existência de problemas nos autos de infração (44%), negação de autoria do desmatamento (33%) e desmatamento autorizado por outro órgão ambiental (por exemplo, pelo Ibama no caso de multa da Sema).
8 Barreto, P.; Pinto, A.; Brito, B. & Hayashi, S. 2008. Quem é dono da Amazônia? Uma análise do recadastramento de imóveis rurais. Belém: Imazon. 74 p.
9 Art. 70 da Lei nº 9.605/1998.
10 Art. 12 da Instrução Normativa da Sema nº 05/2006 e art. 5º, I da Lei Estadual nº 8.961/2008.
11 A Instrução Normativa da Sema/MT nº 03/2008 prevê nos arts. 10 e 11 as possibilidades de sanar problemas no auto de infração, o que pode resultar na nova emissão do auto de infração ou em uma simples correção do mesmo auto.
A pesquisa deste O Estado da Amazônia foi financiada pela Fundação Gordon & Betty Moore, Fundação David & Lucile Packard e por uma bolsa de estudos da Stanford Law School proveniente da Fundação da Família Franklin. A autora agradece a colaboração do Ibama e da Sema em Mato Grosso, do Escritório Modelo de Advocacia Ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso e dos ex-estagiários do Imazon Guilherme Abraão, Gustavo Crestani Fava e Alexandre Girard. Finalmente, agradeço os comentários de Paulo Barreto, Adalberto Veríssimo e André Monteiro e a revisão de texto de Tatiana Corrêa Veríssimo.
This post was published on 1 de fevereiro de 2013
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