RESUMO

Aproximadamente 11.000 km² da Floresta Amazônica brasileira são explorados para a produção de madeira a cada ano. Embora a floresta primária na Amazônia Oriental seja geralmente imune ao fogo, as florestas exploradas são suscetíveis a incêndios. Utilizamos parcelas permanentes, medidas de umidade do material combustível na floresta e fotografias hemisféricas do dossel para estudar: i. os impactos do fogo na floresta explorada; ii. as condições microclimáticas que propiciam os incêndios florestais; e iii. as medidas que poderiam ser adotadas para reduzir a incidência de incêndios.

Um incêndio rasteiro típico na floresta explorada sem manejo causa uma mortalidade significativa de árvores. Em uma parcela queimada, 44% de todas as árvores com DAP (diâmetro à altura do peito) > 10 cm morreram, enquanto em uma parcela não queimada apenas 3% das árvores foram mortas. Nas clareiras grandes, a densidade de espécies pioneiras cresceu 60% em parcelas queimadas 15 meses após o incêndio. Já em parcelas não queimadas a densidade dessas espécies diminuiu 40% na regeneração.

A taxa de secagem do material combustível na floresta explorada foi influenciada pela densidade do fluxo de fóton (DFF), pelo número de meses desde a extração das árvores e pelas técnicas de exploração madeireira. Houve uma significativa correlação negativa (P = 0,005) entre o DFF e o número de dias necessário para que “varas combustíveis[”1] secassem ao ponto de permitir o alastramento do fogo. Em uma floresta explorada recentemente, as clareiras grandes (> 700 m²) alcançaram suscetibilidade a incêndios em seis dias sem chuva, enquanto clareiras médias (aproximadamente 200 a 700 m²) alcançaram essa suscetibilidade após 15 dias sem chuva. Mas a suscetibilidade a incêndios diminui com o tempo, à medida que as clareiras passam a ser densamente povoadas por plantas jovens. Por exemplo, na floresta explorada a quatro anos as condições de umidade do material combustível nas clareiras grandes eram similares àquelas encontradas nas florestas primárias. Entretanto, exploração madeireira cuidadosa pode reduzir a probabilidade de incêndios mantendo a mesma quantidade de madeira que é extraída na exploração sem planejamento. Pois, as técnicas especiais de exploração de baixo impacto evitam a criação de grandes clareiras, isto é, as áreas mais suscetíveis a incêndios.

1 N.T. Varetas padronizadas usadas para medir a secagem de material combustível.

INTRODUÇÃO

Por milhares de anos, os incêndios têm influenciado a estrutura e a composição da Floresta Amazônica. No Noroeste da Amazônia, a presença de carvão no solo indica a ocorrência de múltiplos incêndios nos últimos 6.000 anos (Sanford et al., 1985), parecendo ter afetado a estrutura da floresta na região (Saldarriaga e Oeste, 1986). Nelson (1994) sugeriu que grandes incêndios naturais talvez expliquem a estrutura pouco comum das florestas de cipós da Amazônia Oriental. No passado, as secas prolongadas provocadas pelo fenômeno El Niño (ocorrendo por ordem de centenas de anos), juntamente com as secas curtas mais freqüentes também associadas aos efeitos do El Niño (ocorrência na ordem de dezenas de anos), criaram condições que provavelmente teriam permitido a ocorrência de grandes incêndios na Amazônia (Meggars, 1994).

Nos últimos 30 anos, em algumas áreas da Amazônia as atividades de uso da terra têm se modificado (Hecht, 1981). No Estado do Pará, a construção de rodovias e as atividades de colonização (agropecuária, exploração madeireira) provocaram a fragmentação da floresta. Tais como as mudanças climáticas no passado, as novas atividades de uso da terra têm contribuído para o aumento da incidência de incêndios na região. Durante o período seco, quando a média de chuva é menor que 50 mm/mês e o período sem chuva é maior que 16 mm/dia, ocorrendo de uma a sete vezes ao ano (Embrapa e Woods Hole Research Center, dado inédito), o pasto torna-se freqüentemente seco, a área foliar diminui (Nepstad et al., 1994) e o incêndio na pastagem é possível depois de somente um dia sem chuva (Uhl e Kauffman, 1990). Uma vez que o fogo é o principal método para limpar a terra e para a manutenção da pastagem (Fearnside, 1990), eventos de ignição são comuns. Os estudos por satélites feitos por Setzer e Pereira (1991) apresentaram a queimada de uma área de 200 mil km² (aproximadamente 5%) da Amazônia Legal, somente em 1987.

Em anos mais recentes, a exploração de madeira tem se tornado a atividade mais significativa de uso da terra na região, sendo a que tem maior probabilidade de crescer em importância (Veríssimo et al., 1992). Estimou-se que em média 11.000 km² (aproximadamente 0,3%) da Amazônia brasileira são explorados anualmente (Veríssimo e Lima, dado inédito). Muito embora madeireiros extraiam somente quatro a oito árvores por hectare,a floresta resultante é fragmentada, formando um mosaico de clareiras e pedaços de floresta, e a cobertura do seu dossel é reduzida para aproximadamente a metade (Uhl e Vieira, 1989).

A exploração de madeira transforma a floresta primária imune ao fogo em floresta suscetível a incêndios. Na floresta explorada a carga de material combustível após a extração é três vezes maior que em uma floresta não explorada, e as grandes clareiras podem queimar após somente cinco a seis dias sem chuva na estação seca (Uhl e Kauffman, 1990). Uhl e Buschbacher (1985) mostraram que em 50% das fazendas pesquisadas ocorreram incêndios (n = 15), e que este fenômeno parece continuar. Em 1994, 40% dos fazendeiros indicaram que áreas de suas florestas exploradas queimaram entre 1987 e 1992 (n = 4) (A. Holdsworth, dado inédito). As conseqüências dos incêndios podem ser grandes. Por exemplo, em 1988 um simples incêndio queimou aproximadamente 1.000 km² de floresta explorada (D. Nepstad, comunicação pessoal). Para finalizar, os incêndios não ocorrem unicamente na Amazônia. Entre 1982 e 1983, 12.000 km² de floresta explorada queimaram na província de Kalimantan do Leste na Indonésia (Leighton e Wirawan, 1986).

A maioria dos incêndios nas pastagens e nos campos é intencional e avança para áreas de florestas vizinhas que foram exploradas. Nestas áreas, os incêndios rasteiros espalham-se numa velocidade relativamente lenta, com chamas de 10 a 30 cm de altura. Quando o incêndio alcança as clareiras, onde há alta carga de resíduos inflamáveis da exploração, a altura das chamas aumenta para vários metros, embora raramente (ou nunca) atinja as copas das árvores (A. Holdsworth, observação pessoal).

Incêndios nas pastagens queimam completamente áreas já desmatadas, tendo pouco efeito na biodiversidade. Mas incêndios em florestas exploradas podem ter efeitos muito maiores na biodiversidade, bem como na estrutura e composição da floresta em regeneração. Após seca e incêndio nas florestas da Malásia, Woods (1989) registrou mortalidade de 38 a 94% (dependendo da classe de tamanho) das árvores com DAP ³ 10 e um aumento na densidade de cipós lenhosos no sub-bosque, gramas invasoras e samambaias. De todos os caules com DAP ³ 10 cm, 2% e 96% estavam mortos após incêndios rasteiros nas copas fechadas e clareiras de florestas exploradas na Amazônia Oriental, respectivamente (Uhl e Buschbacher, 1985). Trabalhando na mesma região, Kauffman (1991) descobriu que a mortalidade de árvores dependia da intensidade do incêndio, variando de 36 a 69%.

Enquanto os estudos acima mencionados documentaram alguns efeitos do incêndio na estrutura e composição da floresta, há poucas pesquisas sobre como estes efeitos poderiam ser reduzidos. Elaboramos hipóteses de que a exploração com planejamento, que reduz os danos às árvores não extraídas e favorece a regeneração natural da floresta, reduziria o risco de incêndios nas florestas exploradas. O estudo de uma exploração experimental na Amazônia Oriental demonstrou que a quantidade de abertura no dossel era menor na floresta explorada com manejo (isto é, com corte de cipós anterior à exploração, planejamento das estradas da extração e derrubada direcionada das árvores) que na floresta não manejada (Johns et al., 1996). Desta maneira, se a suscetibilidade a incêndios está relacionada à perda de copas, a execução cuidadosa da extração de árvores reduziria a probabilidade de incêndios florestais na Amazônia Oriental.

Neste estudo, buscamos responder a estas três perguntas:

1) Quais seriam os impactos de um incêndio na estrutura e composição de uma floresta explorada sem manejo no período de seca na Amazônia Oriental?

2) Como as taxas de secagem do material combustível diferem entre os microambientes de uma floresta explorada e como estas estão relacionadas às taxas de radiação solar recebidas?

3) O uso de técnicas de manejo reduz as aberturas no dossel, tornando a floresta mais resistente à invasão de incêndios?

METODOLOGIA

Região e sítios de estudo

Este estudo foi feito em duas propriedades (cada uma > 5.000 hectares), localizadas a um raio de 35 km de Paragominas no Estado do Pará (3o S, 48o W) (Figura 1). Incentivada pelo governo, a conversão de áreas de floresta em pastagens no município de Paragominas começou no início dos anos 70. Entretanto, a diminuição da produtividade das pastagens levou ao abandono de alguns destes pastos após 5 a 10 anos, onde cresceu floresta secundária (Nepstad et al., 1991). Recentemente, a exploração de madeira tornou-se a atividade dominante no município de Paragominas; em 1970 só existia uma serraria nos 24.000 km² do município, enquanto 137 indústrias estavam operando em 1992 (Veríssimo et al., 1992). A maioria da exploração madeireira que supre estas indústrias ocorre em florestas de propriedade de fazendeiros.

Nas duas fazendas, sítio 1 e sítio 2, os solos são predominantemente latossolos, e as copas da floresta madura medem entre 25 e 35 metros de altura (Uhl et al., 1992). Ambos os sítios têm uma combinação de pastagem, floresta secundária, áreas de exploração e floresta primária. A média anual de chuvas é aproximadamente 1.750 mm, com uma notável estação seca, que ocorre entre julho e dezembro, quando a média de chuvas é menor que 50 mm/mês (1973-1982, Embrapa, registros). O relevo é pouco acidentado nos dois sítios.

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Figura 1. Localização das duas áreas de estudo próximas de Paragominas, Pará.

No sítio 1, a exploração de madeira mecanizada começou no início dos anos 80. A nossa área de estudo neste sítio foi explorada em 1989. No sítio 1, tratores criaram uma cadeia de estradas e trilhas de arraste para remover uma média de três árvores (18 m³)/ha (Tabela 1). A construção de estradas e trilhas de arraste, juntamente com o corte e a extração das árvores desejadas, resultou diretamente em danos (derrubada, quebra do tronco, remoção da casca) a aproximadamente 120 árvores/ha e em uma redução de 25% da cobertura do dossel da floresta (Veríssimo et al., 1992).

Oito meses após a exploração foi estabelecida uma parcela de 50 m x 1.000 m (5 hectares) adjacentes à estrada principal, para observar o crescimento das árvores. A parcela foi dividida em duas subparcelas de 50 m x 500 m (2,5 hectares) (Tabela 1). Em uma subparcela (parcela silvicultural) os cipós com DAP > 2 cm foram cortados, e algumas árvores sem valor comercial que competiam com árvores para o corte futuro foram aneladas. A outra subparcela não recebeu tratamento após a exploração. Nas duas subparcelas, todas as árvores com DAP ³ 10 cm foram mapeadas, medidas e marcadas.

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Tabela 1. Datas da exploração, incêndio e medição das parcelas incluídas nos dois sítios deste estudo.

Em novembro de 1992 (três anos após a exploração), um incêndio avançou de uma pastagem vizinha para uma floresta secundária e para as duas subparcelas. O incêndio ocorreu após 21 dias sem chuva (em uma estação seca intensa e incomum), queimando a subparcela sem tratamento silvicultural e aproximadamente 10% da parcela tratada silviculturalmente, antes de parar em uma faixa de proteção. Isto deixou muitas “ilhas” de vegetação não queimadas (Figura 2B). Os dados pré-existentes da parcela serviram como um excelente controle para a medição das mudanças na estrutura e composição da floresta após este incêndio em particular, uma vez que antes não havia nenhuma diferença significativa entre a densidade de árvores por classe de diâmetro dentro das duas subparcelas [t (teste t) = 0,12, P = 0,91].

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Figura 2. Cobertura da floresta em uma área de 50 m x 200 m (0,1 ha) de uma parcela queimada do sítio 1 próximo de Paragominas, Pará. As classes de cobertura incluem floresta alta (15 a 30 metros de altura), floresta baixa (6 a 15 metros de altura e cipós em grande quantidade), clareira (áreas onde árvores foram extraídas) e área queimada (áreas onde o fogo queimou a liteira).

Para comparar a mortalidade das árvores que sofreram e não sofreram incêndio, as áreas combinadas das duas subparcelas originais (5 hectares) foram divididas em uma parcela de controle de 1,75 hectares não queimada e uma parcela queimada de 2,75 hectares. Para eliminar qualquer margem de erro, foram excluídas da análise de efeitos do incêndio todas as árvores dentro de 40 metros em ambos os lados dos limites do incêndio. Eliminou-se, desta maneira, 0,25 hectare da área queimada e 0,25 hectare da área não queimada.

No sítio 2, a exploração de madeira tem ocorrido anualmente em trechos diferentes desde o início dos anos 80. Em 1993, realizamos um estudo comparativo de demonstração (Tabela 1) para conhecer os benefícios do sistema de exploração de baixo impacto proposto. A exploração sem manejo foi estabelecida em uma parcela de 75 hectares (725 m x 1.025 m). Simultaneamente a esta, em uma parcela adjacente de 105 hectares (750 m x 1.400 m) foi feita a exploração com manejo. A exploração sem manejo extraiu 5,6 árvores/ha (30 m³/ha) e criou clareiras significativamente maiores que a exploração com manejo,que extraiu 4,5 árvores/ha (37 m³/ha) (Johns et al., 1996). A presença de áreas de floresta que foram exploradas em épocas diferentes no passado e o teste das técnicas de exploração de baixo impacto permitiram examinar como o período decorrido desde a exploração e a metodologia de exploração podem afetar a suscetibilidade a incêndios.

Efeitos do fogo na mortalidade e regeneração das árvores

Para caracterizar a estrutura da floresta do sítio 1 após incêndio, todas as árvores com DAP ³ 10 cm marcadas previamente foram avaliadas um mês e 30 meses após o incêndio. As árvores eram consideradas queimadas se a liteira tivesse sido queimada até, pelo menos, 5 cm de distância de seus troncos. A mortalidade foi definida como a eliminação de todos os tecidos da árvore acima do solo.

Comparamos a regeneração antes e depois do incêndio através do estabelecimento de 3 parcelas de de 1 m x 3 m em outubro de 1989, um mês após a exploração, em cada uma das sete clareiras grandes, das quais foram extraídas ³ 3 árvores. Uma parcela foi estabelecida onde houve manobra do trator de esteira (chamada de trilha de arraste). Outra parcela na área com resíduos da exploração (isto é, galhos e troncos caídos) e a terceira onde não havia resíduos e nem manobra de máquina. Além disso, foram estabelecidas duas parcelas de 1 m x 3 m em cada uma das sete clareiras pequenas, das quais foi extraída uma árvore (Tabela 1). Neste caso, incluíram-se somente parcelas com e sem resíduos da extração. Todas as plantas com altura ³ 10 cm foram identificadas e marcadas em outubro de 1989 (o mês em que as parcelas foram estabelecidas) e medidas novamente em outubro de 1991.

O incêndio (novembro 1992) queimou aproximadamente metade das parcelas das clareiras. Quinze meses após o incêndio, reinspecionamos todas as 15 parcelas e anotamos a mortalidade, os novos estabelecimentos e as espécies existentes (Tabela 1). Para maior consistência, as parcelas serão consideradas “não queimadas” e “queimadas” para medidas antes e depois do incêndio, respectivamente. Nas parcelas, as plantas foram agrupadas em cinco classes: árvores não-madeireiras e arbustos, cipós, espécies pioneiras, espécies madeireiras serradas atualmente e outras espécies (indivíduos não identificados e arbustos herbáceos). As espécies pioneiras eram os gênerosmais comuns (Cecropia, Banara, Vismia, Solanum e Trema). As espécies serradas incluíam qualquer uma das 90 espécies processadas atualmente pelas serrarias no município de Paragominas. Uma ANOVA com um desenho factorial tipo split-plot 3×2 foi usada para testar as interações entre os efeitos do tratamento do terreno (com resíduos, sem resíduos e trilhas de arraste), queima (queimada e não queimada) e época do censo (um ano antes do incêndio, 15 meses após o incêndio, o período de maior interesse) na densidade. Uma vez que somente um incêndio queimou as parcelas, o tratamento “fogo” foi pseudo-repetido, mas a oportunidade de avaliar mudanças na composição das espécies ao longo do tempo foi valorosa. Em virtude das violações das suposições da ANOVA, os valores de densidade foram transformados em logarítimos.

Taxas de secagem do material combustível na floresta explorada sem manejo

Para medir como a secagem do material combustível varia em diferentes áreas de uma floresta explorada recentemente, “varas combustíveis”[2] de 1 cm de diâmetro foram penduradas 25 cm acima do solo em 20 locais (estações), numa área de 6 hectares de floresta explorada oito meses antes. As varas foram colocadas num intervalo de ambientes com luz, incluindo áreas de floresta fechada pelas copas, trilhas de arraste com uma abertura de copas moderada e grandes clareiras de exploração (> 700 m²) com pouca cobertura de copas. Algumas estações (particularmente aquelas nas clareiras grandes) tinham uma regeneração densa de cerca de 50 cm de altura cobrindo as “varas combustíveis”. Quando isto ocorria, removíamos a folhagem até 1 metro acima do solo em uma área de 1 m² ao redor das “varas combustíveis”. Desta forma, medíamos apenas os efeitos da cobertura do dossel na secagem do material combustível. Para testar os efeitos de oito meses de regeneração na secagem do material combustível em três das clareiras grandes, instalamos no solo “varas combustíveis” de 50 cm. Além disso, colocamos “varas combustíveis” em 25 hectares de floresta não explorada, para servir como uma referência para as “varas combustíveis” colocadas na floresta explorada. Durante 16 dias sem chuva, após 1 cm de chuva no começo da estação seca em agosto de 1994, pesamos diariamentetodas as varas em ± 0,1 g entre 13:00 h e 15:00 h, o período quando os níveis de umidade do ar estão mais baixos (Uhl e Kauffman, 1990). O teor de umidade foi calculado tendo como base o peso seco em estufa, no qual o percentual de umidade é = [(massa no campo – massa seca)/(massa seca)] x 100.

Para testar a relação entre a secagem do material combustível e a quantidade de radiação solar direta atingindo cada vara, tiramos uma fotografia hemisférica do dossel 1 metro acima de cada “vara combustível”. As fotografias foram analisadas usando o programa de computador SOLARCALC (Chazdon e Field, 1978). Utilizando os cálculos da taxa de densidade do fluxo de fóton direto (DFF) (unidade de energia irradiada) que chega em cada estação e o número de dias necessários para que a “vara combustível” atinja o limiar de flamabilidade, desenvolvemos um modelo de regressão de suscetibilidade a incêndios. Para este modelo, assumimos a taxa de umidade da vara de 12% como sendo o limiar abaixo do qual são possíveis a combustão da liteira e o alastramento do fogo (Uhl e Kauffman, 1990). Testes com incêndios pequenos durante as medições confirmaram a validade deste limiar.

Para medir os efeitos de quatro anos de regeneração na secagem da liteira nas clareiras onde ocorreram explorações de alto impacto, medimos a umidade das “varas combustíveis” em pares nas três clareiras grandes quatro anos após a exploração. Removemos a vegetação de uma área de 10 m x 10 m (100 m²) no centro de cada clareira para simular as condições de secagem encontradas logo após a exploração. Uma “vara combustível” foi colocada no centro de cada parcela aberta e outra 10 metros ao norte, 5 metros dentro da regeneração, com 3 a 5 metros de altura. As “varas combustíveis” foram pesadas diariamente durante o período já mencionado de 16 dias sem chuva.

2 N.T. Essas varas eram do tipo 10 h time-lag, que se refere a uma especificação técnica.

A suscetibilidade a incêndios da floresta explorada com manejo versus sem manejo

Para medir os efeitos das técnicas de exploração na secagem do material combustível, selecionamos no sítio 2 uma parcela de 700 m x 350 m (aproximadamente 25 hectares) na floresta explorada sem manejo e outra na floresta explorada com manejo. Ambas as parcelas tinham densidades similares antes da exploração e aproximadamente o mesmo número de ár-vores extraídas. Escolhemos, ao acaso, 10 dos 16 possíveis transectos nos 250 metros ao longo das linhas preexistentes distantes 50 metros uma da outra. Em seguida, tiramos uma fotografia hemisférica a cada 50 metros ao longo de todos os 10 transectos em cada parcela de 25 hectares. Por causa de problemas técnicos, 12 fotos (dois transectos adjacentes) da floresta explorada com manejo não serviram. Por isso, voltamos a fotografá-la sete meses mais tarde. Para testar qualquer mudança sazonal na cobertura do dossel, fotografamos novamente 11 estações na área de exploração sem manejo, e comparamos com as fotos das mesmas estações tiradas sete meses antes. Não houve uma diferença significativa entre as fotos tiradas nos dois períodos (teste Mann- Whitney U; U = 50, P = 0,5, n = 11 estações em cada período). Desta maneira, incluímos nas análises as fotos refeitas da floresta explorada com manejo. Todas as fotos foram analisadas com SOLARCALC (Chazdon e Field, 1987) para calcular a porcentagem ponderada de abertura do dossel (isto é, as aberturas no dossel mais próximas da vertical têm maior peso do que aquelas mais próximas da horizontal) e taxa (número de minutos por dia) de DFF direto (em unidades de mol.m-2 .d-1) para cada área fotografada. Aplicando o modelo de regressão da suscetibilidade a incêndios, desenvolvido a partir das medidas das “varas combustíveis” descritas acima, estimamos o número de dias sem chuva necessário para atingir o limiar de 12% de flamabilidade para cada área fotografada nas florestas exploradas com e sem manejo.

RESULTADOS

Efeitos do fogo na mortalidade e regeneração das árvores

A mortalidade de árvores nas parcelas queimadas da floresta explorada no sítio 1 foi alta após o incêndio. Quarenta e quatro por cento das 1.010 árvores com DAP ³ 10 cm nas parcelas queimadas (2,75 hectares) morreram durante o período de um ano e meio após o incêndio, enquanto nas parcelas não queimadas (1,75 hectares) apenas 3% das 578 árvores com DAP ³ 10 cm morreram neste período (Tabela 2). Entretanto, quando consideramos somente as árvores que tiveram contato com o fogo (78% das 1.010), a taxa total de mortalidade, para todas as classes de árvore nas parcelas queimadas, foi de 55%. Cinqüenta e nove por cento das árvores com DAP ³ 10 cm das espécies serradas atualmente que tiveram contato com o fogo morreram, enquanto apenas 8% das 225 árvores que não tiveram contato com o fogo foram eliminadas (Tabela 2).

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Tabela 2. Mortalidade de árvores com DAP ³ 10 cm em porcentagem numa área estudada no sítio 1, próxima de Paragominas, Pará.

A mortalidade das árvores após o incêndio não ocorre necessariamente de maneira rápida. Um mês após o incêndio, estimamos (baseado na inspeção visual da queda de folha e do câmbio) que no máximo 38% das árvores que tiveram contato com o fogo morreriam versus os 55% registrados um ano e meio após o incêndio. Na região de estudo, as árvores têm casca fina (7,1 ± 0,14 mm [média ± 1 erro padrão]; Uhl e Kauffman, 1990) e, por isso, são vulneráveis a incêndios rasteiros de baixa intensidade. Descobrimos que 42% das 451 árvores menos danificadas pelo incêndio (pequenas cicatrizes superficiais em uma proporção pequena da casca) morreram após o incêndio. A porcentagem de mortalidade cresceu à medida que os danos causados pelo incêndio aumentaram; das 114 árvores que sofreram danos severos (cicatriz grande e profunda e descascamento parcial), 84% estavam mortos um ano e meio após o incêndio. Durante este mesmo período, dezessete por cento das árvores caíram nas parcelas queimadas.

A densidade de plantas da regeneração com altura ³ 10 cm variou muito entre os tratamentos, com resposta mais notável ao fogo ocorrendo em cinco gêneros de espécies pioneiras (Cecropia, Banara, Vismia, Solanum e Trema). A densidade de árvores não-madeireiras, arbustos e cipós era mais alta antes do incêndio (1,9 a 13,2 plantas/m²), diminuindo após o incêndio 5 a 71% em todos os tratamentos queimados e não queimados (Figura 3A e B).

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Figura 3. Densidade de plantas em regeneração com altura ³ 10 cm nas áreas de tratamento com resíduos, sem resíduos e trilhas de arraste nas clareiras grandes de exploração um ano antes do incêndio e 15 meses após o incêndio no sítio 1, próximo de Paragominas, Pará. (A) Espécies não-madeireiras e arbustos; (B) espécies de cipós; (C) espécies pioneiras; e (D) espécies madeireiras. Os dados são médias + 1 erro padrão. Note que a escala do eixo y muda em cada painel. Os indivíduos não identificados e arbustos herbáceos (sempre £ 6% da densidade total) estão excluídos.

Entre o último censo antes do incêndio e o censo após o incêndio, a densidade dos grupos de espécies de árvores não-madeireiras, arbustos e cipós não foi afetada de forma significativa (P < 0,05) pelo fogo. No entanto, estes grupos de espécies foram afetados pelas diferenças no terreno (com resíduos, sem resíduos e trilha de arraste) e pela época em que foi realizado o censo (um ano antes do incêndio e 15 meses após o incêndio) (Tabela 3).

Após o incêndio, a densidade de espécies pioneiras, em todos os tratamentos queimados (1,7 a 4,4 plantas/m²) foi pelo menos 60% maior que a densidade registrada um ano antes do incêndio. Este aumento parece estar fortemente relacionado com o próprio incêndio. Entre o último censo anterior ao incêndio e o censo realizado após o incêndio, a densidade de espécies pioneiras aumentou 60 a 70% (0,7 a 1,7 planta/m²) em todos os tratamentos queimados e diminuiu 40 a 50% (0,1 a 1,3 planta/m²) em todos os tratamentos não queimados (Figura 3C). Houve efeitos significativos (P < 0,05) do terreno e interação da época do censo x queima e efeitos altamente significativos (P < 0,05) da época do censo, interação da época do censo x terreno e época do censo x terreno x queima (Tabela 3).

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Tabela 3. Resultados da ANOVA para os efeitos do terreno (sem resíduos, com resíduos, trilha de arraste), tratamento contra incêndios (queimada, não queimada) e época do censo (1 ano antes do incêndio, 15 meses após incêndio) na densidade da regeneração das plantas com altura ³ 10 cm em quatro grupos de espécies nas clareiras grandes, um ano antes do incêndio e 15 meses após o incêndio no sítio 1, próximo de Paragominas, Pará. O erro da parcela total e do split-plot foram ambos 13.

As espécies madeireiras em regeneração ocorreram geralmente em menor densidade que os outros grupos de espécies. No entanto, o seu valor econômico futuro aumenta a importância do exame da sua situação no decorrer do tempo. Nos dois anos anteriores ao incêndio, as únicas mudançasnotáveis (> 10%) na densidade de espécies madeireiras foram uma duplicação na área não queimada sem resíduos e uma diminuição de 50% nas trilhas de arraste não queimadas. Entre o ano de 1991 e os censos feitos após o incêndio houve um efeito significativo da época do censo (Tabela 3); no censo posterior ao incêndio, todos os tratamentos queimados diminuíram mais de 80% (0,8 a 1,0 planta/m²), com exceção para a área com resíduos, a qual teve um aumento de 50% (0,2 planta/m²). Enquanto os tratamentos não queimados com resíduos, sem resíduos e as trilhas de arraste diminuíram de 10 a 70% (0,1 a 0,2 planta/m²) (Figura 3D). De maneira geral, houve uma diminuição de 58% (11 plantas/m²) das espécies madeireiras nos tratamentos queimados; mais que o dobro da diminuição registrada nos tratamentos não queimados.

Os tamanhos das amostras eram, de certa forma, baixos (duas a quatro parcelas por tratamento) e com diferenças relativamente altas no conjunto de dados da clareira grande de exploração. Mas as medições feitas um ano antes do incêndio e 15 meses após o incêndio nas clareiras pequenas evidenciam as tendências da densidade encontrada nas clareiras grandes. Especialmente a densidade das árvores não-madeireiras e arbustos, que diminuiu 22 a 73% (1,3 a 11,2 plantas/m²) em todos os tratamentos queimados e não queimados, com a maior diminuição ocorrendo no tratamento queimado sem resíduos. A densidade de cipós diminuiu 19 a 43% (0,7 a 2,4 plantas/m²) em todos os tratamentos queimados e não queimados, com exceção do aumento de 12% (0,3 planta/m²) na área não queimada com resíduos. Assim como nas parcelas das clareiras grandes, a densidade de espécies pioneiras aumentou dramaticamente nos tratamentos queimados. E, ao contrário das parcelas das clareiras grandes, a densidade de espécies madeireiras nas clareiras pequenas mudou de forma insignificante em todos os tratamentos (Tabela 4).

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Tabela 4. Densidade de plantas ³ 10 cm de altura (número de plantas/m²) regeneradas em quatro grupos de espécies nas clareiras pequenas da exploração um ano antes do incêndio e 15 meses após o incêndio no sítio 1, Pará. Os dados são a média e intervalos de confiança ao nível de 95% de probabilidade.

Taxas de secagem do material combustível na floresta explorada sem manejo

No sítio 2, o material combustível da floresta explorada sem manejo oito meses antes secou mais rapidamente nas clareiras de exploração maiores que receberam maior insolação. Após 1 cm de chuva, as “varas combustíveis” nas clareiras grandes que receberam 320 a 460 minutos de DFF direto atingiram o limiar de 12% de flamabilidade (a taxa de secagem abaixo daqual acontece o início e o expansão do incêndio) após seis dias sem chuva (Figura 4A). Áreas receptoras de 160 a 300 minutos de DFF direto tornaram-se suscetíveis a incêndios após 15 dias sem chuva. Apesar de algumas áreas receberem pouca radiação solar, elas também tornam-se suscetíveis a incêndios: duas áreas receptoras de 48 a 58 minutos de DFF direto atingiram o limiar de 12% de flamabilidade após 15 dias sem chuva. Após 16 dias sem chuva, as “varas combustíveis” nas parcelas de floresta receptoras de 0 a 30 minutos de DFF direto secaram a 15% do teor de umidade (Figura 4A). Na floresta primária não explorada as “varas combustíveis” secaram a 18% de sua umidade após 16 dias sem chuva. Mas o período de suscetibilidade a incêndios não foi somente entre 13:00 h e 15:00 h (período em que a umidade é mais baixa e quando as medidas foram feitas): 84% das 159 medidas adicionais tomadas entre 16:00 h e 17:30 h foram menores ou iguais às tomadas anteriormente.

Além disso, para a quantidade de radiação solar direta que chega, a densa camada de regeneração de cerca de 50 cm de altura, presente em algumas parcelas, influenciou as taxas de secagem de material combustível. Após cinco dias sem chuva, a taxa de umidade das “varas combustíveis” colocadas sob a rebrotação de três grandes clareiras (> 700 m²) foi, em média, 2% mais alta que daquelas a 1 metro de distância da clareira. Porém, no décimo sexto dia a média da taxa de umidade destas estações com vegetação (locais de crecimento) caíram abaixo de 12%. Para duas das três estações emparelhadas com vegetação e sem vegetação receptoras de mais luz solar, a secagem abaixo de 12% aconteceu no período de oito a dez dias na vegetação rasteira (< 50 cm de altura).

Os quatro anos de regeneração após a exploração tiveram um efeito dramático nas condições de umidade do material combustível em três clareiras grandes que recebiam de 340 a 520 minutos de DFF direto por dia. A abertura de 3 a 5 metros da cobertura vegetal alta de uma área acima de 100 m² ocasionou condições de flamabilidade iguais àquelas encontradas na floresta explorada recentemente descrita acima; a taxa de umidade das “varas combustíveis” na rebrotação densa foi 17,4% ± 1,8 (média ± 1 desvio padrão) após 16 dias sem chuva (Figura 4B).

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Figura 4. A secagem do material combustível na floresta explorada acima de 16 dias sem chuva após 1 cm com chuva no sítio 2, próximo de Paragominas, Pará.Todos os dados são médias ± 1 erro padrão; n = número de locais das “varas combustíveis”. (A) Floresta oito meses após ter sido explorada sem manejo. Medidas dos locais agrupados em classe de minutos de densidade de fluxo de fóton direto (mol.m-2.d-1). (B) Três clareiras grandes (>700 m2) em uma floresta quatro anos após ter sido sujeita à exploração sem manejo.

Houve uma relação negativa entre a taxa de umidade do material combustível e a taxa de DFF direto. As 11 estações onde a taxa de umidade do material combustível caiu abaixo de 12% nos 16 dias de medições receberam as maiores taxas de DFF direto (Figura 5). Para estes locais, há uma relação negativa significativa entre a taxa de DFF direto e o número de dias necessário para atingir o limiar de 12% de flamabilidade (r 2 = 0,61, P = 0,005, n = 11 estações das “varas combustíveis”) (Figura 6), sugerindo um modelo de secagem contínua. Portanto, as 11 estações alcançaram o nível de 12% do limiar de flamabilidade em dois grupos: um, no segundo a sétimo dia após chuva e o outro no décimo quinto a décimo sexto dia após chuva, sugerindo uma relação mais complexa do que o modelo linear pode implicar (Figura 6).

figura5 11 300x243 - O Fogo na Floresta Explorada e o Potencial para a Redução de Incêndios Florestais na Amazônia (n°14)Figura 5. A relação entre a taxa de densidade do fluxo de fóton direto (DFF) e a taxa de umidade das “varas combustíveis” no décimo sexto dia sem chuva em uma floresta oitos meses após ter sido explorada sem manejo no sítio 2, próximo de Paragominas, Pará (n = 20 estações de “varas combustíveis”). 

figura6 11 300x222 - O Fogo na Floresta Explorada e o Potencial para a Redução de Incêndios Florestais na Amazônia (n°14)

Figura 6. Regressão linear da taxa de densidade do fluxo de fóton direto (DFF) e o número de dias sem chuva necessário para reduzir a taxa de umidade abaixo do limiar de flamabilidade de 12% na floresta explorada oito meses antes no sítio 2, próximo de Paragominas, Pará (n = 11 estações de “varas combustíveis”).

A suscetibilidade a incêndios da floresta explorada com manejo versus sem manejo

Não havia clareiras com taxas altas de DFF direto nos 25 hectares de floresta explorada com manejo, muito embora tenha sido extraído quase o mesmo número de árvores e o volume de madeira extraído tenha sido maior que na floresta explorada sem manejo (Figura 7). A área fotografada mais aberta na floresta explorada sem manejo (n = 58 estações) recebeu 480 minutos de DFF direto versus um máximo de somente 274 minutos de DFF direto na floresta explorada com manejo (n = 54 estações). No estudo da taxa de umidade das “varas combustíveis”, todas as estações receptoras de > 150 minutos de DFF direto atingiram a flamabilidade dentro de 16 dias sem chuva (Figura 5). Vinte e um por cento das 58 áreas fotografadas na floresta explorada sem manejo versus 13% das 54 áreas na floresta explorada com manejo receberam mais que 150 minutos de DFF direto por dia.

figura7 11 300x165 - O Fogo na Floresta Explorada e o Potencial para a Redução de Incêndios Florestais na Amazônia (n°14)

Figura 7. Porcentagem do dossel das áreas fotografadas em cada classe de densidade de fluxo de fóton direto (DFF) em 25 hectares de floresta explorada sem manejo e uma área de 25 hectares de floresta explorada com manejo no sítio 2, próximo de Paragominas, Pará. As florestas exploradas sem e com manejo tinham árvores com aproximadamente o mesmo diâmetro (média ± 1 erro padrão) para a classe de árvores com DAP > 25 cm antes da exploração (35,0 ± 0,2 cm, respectivamente) e aproximadamente o mesmo número de árvores extraídas (94 e 92, respectivamente).

Aplicando o modelo de regressão (Figura 6) da relação entre o número de dias necessário para atingir o limiar de 12% de flamabilidade e a taxa de DFF direto, converte-se a medida do DFF numa estimativa de “dias necessários para atingir a suscetibilidade a incêndios” para cada área fotografada. Desta maneira, pode-se comparar a suscetibilidade a incêndios das florestas exploradas com e sem manejo. A equação se aplica somente para as estações que atingiram a flamabilidade dentro de 16 dias, as quais, na medição das “varas combustíveis”, eram todas as estações que recebiam > 150 minutos de DFF direto por dia. Uma vez que duas estações recebendo menos radiação solar atingiram a flamabilidade, essa é uma aplicação conservadora da equação.

As áreas fotografadas na floresta explorada sem manejo começaram a alcançar a suscetibilidade a incêndios logo após quatro dias sem chuva. No entanto, nenhuma área na floresta explorada com manejo tornou-se suscetível a incêndios antes de dez dias de estiagem. Examinando os dados de incidência de chuva num período acima de 10 anos, 1983 a 1992, períodos de quatro a nove dias sem chuva ocorreram duas vezes com mais freqüência que os períodos de 10 a 16 dias sem chuva (5,9 ± 2,5 vezes/ano versus 3,0 ± 1,7 vezes/ano, respectivamente; média ± 1 desvio padrão). Durante os períodos sem chuva ³ 10 dias, quando as áreas de floresta explorada com e sem manejo estão suscetíveis a incêndios, há uma diferença notável na proporção em que cada floresta pode queimar. Combinando a freqüência de períodos de 10 a 16 dias sem chuva com a taxa de secagem de 12% derivada do modelo de regressão, produz-se uma diferença altamente significativa de duas vezes (P < 0,0001) na proporção das áreas fotografadas suscetíveis a incêndios na floresta explorada com manejo (8,2 ± 1,0%[média ± 1 erro padrão]) versus aquelas na floresta explorada sem manejo (17,0 ± 0,9%) (teste t não emparelhado das proporções logísticas transformadas [Bessin et al., 1990]; períodos sem chuva para cada floresta t = 5,9; n = 29).

DISCUSSÃO

Impactos do fogo na estrutura e composição da floresta

O fogo no sítio 1 alterou seriamente a estrutura e a composição da floresta explorada (Figura 2). Primeiro, extratores cortaram três árvores por hectare, danificando severamente 121 árvores com DAP ³ 10 cm por hectare no processo de exploração, e provocando um aumento de 25% na abertura do dossel da floresta. O resultado foi uma mistura heterogênea de fragmentos de floresta madura, juvenil e clareiras (Veríssimo et al., 1992). Quatro anos mais tarde, um incêndio acidental causou a morte de 161 árvores por hectare. Por sua vez, a morte e a queda eventual dessas árvores provocaram um aumento da fragmentação da floresta madura e juvenil, deixando-as mais suscetíveis às derrubadas causadas pelo vento e à alteração em sua estrutura e composição. Padrões similares de fragmentação do dossel foram registrados em florestas exploradas e queimadas na Malásia (Woods, 1989).

A espessura da casca e a brotação vegetativa poderiam ser determinantes importantes da persistência de árvores individuais após o incêndio (Kauffman e Uhl, 1990). Entretanto, as propriedades protetoras da casca não foram prevalecentes na floresta queimada do sítio 1. Muitas árvores (42%) que sofreram baixo nível de danos na casca morreram. A brotação basal e/ou epicórmica após uma queima foi observada em 59% das espécies sobreviventes nesta região, o que pode proporcionar uma reposição rápida da cobertura vegetal (Kauffman, 1991). No entanto, uma vez que a brotação foi observada ocasionalmente neste sítio de estudo, o potencial madeireiro de qualquer dessas árvores é geralmente baixo.

O incêndio no sítio 1 alterou a trajetória da regeneração da floresta, favorecendo as espécies pioneiras. Enquanto a densidade de espécies de árvores não-madeireiras, arbustos, cipós e espécies madeireiras de modo geral diminuiu após o incêndio, a densidade de espécies pioneiras aumentou 60 a 70% para níveis mais altos que aqueles encontrados em qualquer momento antes do incêndio em todos os tratamentos queimados e diminuiu 40 a 50% em todos os tratamentos não queimados. Kauffman e Uhl (1990) postularam que a alta taxa de produção de sementes, boa capacidade de dispersão para longas distâncias, persistência no banco de sementes e rápida taxa de crescimento de espécies pioneiras em ambientes com altaluminosidade fazem dessas espécies fortes competidoras em ambientes que sofreram incêndio. Embora a densidade de espécies pioneiras nas grandes clareiras após a exploração tenha sido maior nas trilhas de arraste, as áreas com resíduos e sem resíduos também tiveram um aumento na densidade dessas espécies por causa do fogo (Figura 3C). A raspagem do terreno que acompanha a criação da trilha de arraste transformou-o num viveiro para as espécies pioneiras após a exploração. Do mesmo modo, o incêndio deixou, nas áreas com e sem resíduos, uma camada de cinzas rica em nutrientes sobre o solo exposto, matando a regeneração que brotou após a exploração nas clareiras. Desta maneira, transformou ambientes com baixa luminosidade em ambientes com muita luz.

Neste estudo, pelo menos três gêneros pioneiros (Cecropia spp., Vismia spp. e Solanum spp.) incluem espécies que requerem absoluta luminosidade para germinação (Uhl e Clark, 1983). Em um estudo no Noroeste da Amazônia, o banco de sementes sofreu uma redução significativa na área queimada comparado à área não queimada. No entanto, a dispersão de sementes via pássaros e morcegos da Cecropia spp., Solanum spp. e da Vismia spp. após o incêndio aumentou a abundância destas espécies (Uhl et al ., 1981). Embora a contribuição absoluta do banco de sementes para o estabelecimento da muda na floresta queimada do sítio 1 não seja conhecida, as ilhas de vegetação não queimadas (Figura 2B) e o retardamento da mortalidade de árvores proporcionam habitat suficiente para pássaros e morcegos dispersarem sementes de espécies pioneiras nas áreas queimadas.

Woods (1989) registrou na floresta explorada da Malásia o aumento de cipós lenhosos após o incêndio. O câmbio vascular aprofundado no tecido do caule dos cipós pode proporcionar uma regeneração significativa do tecido após danos mecânicos (Dobbins e Fisher, 1986) e também proteger o cipó do fogo (Kauffman e Uhl, 1990). Entretanto, em todos os tratamentos de regeneração no sítio 1 houve uma diminuição na densidade de cipós após o incêndio. A severidade do incêndio e a seca talvez tenham reduzido a efetividade da morfologia usualmente protetora do caule. Nas florestas primárias queimadas em Kalimantan do Leste na Indonésia, as quais apresentaram mortalidade de árvores similar às do sítio 1 após o incêndio, mais de 90% dos cipós morreram (Leighton e Wirawan, 1986).

Além da diminuição na densidade de cipós, houve uma diminuição de 58% na densidade de espécies madeireiras nas áreas queimadas das clareiras grandes após o incêndio versus uma diminuição de 24% nas áreas não queimadas. Mais que isso, a mortalidade de 59% das árvores madeireiras com DAP ³ 10 cm que tiveram algum contato com o fogo provocou uma notável redução na fonte de sementes para a reposição da regeneração das árvores perdidas. Uma vez que o sistema de manejo proposto para a região depende da regeneração natural e do estoque de árvores (Veríssimo et al., 1992), predizemos que a viabilidade econômica e ecológica do manejo florestal na floresta do sítio 1 tem sido fortemente prejudicada por causa do fogo.

Taxas de secagem do material combustível na floresta explorada sem manejo

As clareiras da exploração foram as áreas com a mais rápida secagem na floresta explorada e, assim, o foco para a suscetibilidade a incêndios. As clareiras médias (aproximadamente 200 a 700 m²) tornaram-se suscetíveis a incêndios após 15 a 16 dias. Já as clareiras grandes (maiores que 700 m²) tornaram-se suscetíveis ao fogo após dois a sete dias sem chuva. Houve uma significativa correlação negativa entre o número de dias necessário para atingir o limiar de 12% de flamabilidade e a taxa de densidade do fluxo de fóton direto (DFF), a qual serviu como um previsor da suscetibilidade ao fogo durante o tempo em que as medições foram feitas. Desvios deste modelo linear poderiam ser ocasionados por numerosos fatores. Brown (1993) descobriu que as clareiras pequenas exibiam maior variabilidade em variáveis microclimáticas como: temperatura máxima e umidade relativa do ar. Ele sugere que em dado dia existe uma chance maior de a cobertura parcial de uma nuvem impedir que a luz do sol alcance clareiras pequenas ao invés de alcançar clareiras maiores. Isto poderia explicar o fato de duas estações de “varas combustíveis” terem se tornado suscetíveis a incêndios, apesar de o SOLARCALC (Chazdon e Field, 1987) ter estimado que elas receberiam no mínimo 63% menos minutos de DFF direto/dia do que outras estações que alcançaram condições de flamabilidade. A densidade da vegetação rasteira e/ou a distância de áreas com alta umidade (por exemplo, áreas de floresta) também podem explicar desvios do modelo linear. A área de medições com a menor secagem relativa para a linha de regressão na Figura 6 foi fechada por uma cobertura de 80 a 100 cm de regeneração e estava a 15 metros de duas parcelas diferentes de floresta, ao contrário de outras estações com apenas regeneração densa.

Além do efeito da radiação solar na taxa de secagem do material combustível, o período decorrido desde a exploração também afeta a chegada dessa radiação e, conseqüentemente, a taxa de secagem do material combustível. Oito meses de regeneração na floresta explorada sem manejo reduziram para pelo menos 8 dias o período de secagem do material combustível ao ponto de este estar suscetível ao fogo. Quatro anos de regeneração tiveram um efeito ainda maior na secagem: após 16 dias sem chuva a umidade das “varas combustíveis” foi aproximadamente igual ao da floresta primária não explorada. Fetcher et al. (1995) descobriram que o déficit da pressão de vapor [força que gera a secagem do material combustível; Pyne (1984)] em uma clareira de 400 m² (com dois anos de regeneração) foi aproximadamente igual ao observado no sub-bosque da floresta primária.

Este estudo foi executado durante o segundo período de mais de seis dias sem chuva após uma prolongada estação chuvosa. Com a estação seca acentuando-se, a água do solo disponível para a vegetação diminui (Nepstad et al., 1994), provocando, provavelmente, um aumento do stress hídrico para a regeneração de enraizamento relativamente raso; um decréscimo na taxa de transpiração; diminuição de folhagem e, potencialmente, redução da resistência ao fogo. De fato, mesmo após três anos de regeneração na floresta explorada do sítio 1, 72% da área de clareira foi eliminada no final da queimada da estação seca (Figura 2B). Há uma diferença insignificante na inclinação da taxa de secagem entre as áreas mais abertas e as mais fechadas (Figura 4A), sugerindo que as parcelas de floresta fechada favorecerão o princípio do fogo, isto se não cruzá-lo em um período mais longo sem chuva. Outra vez, o incêndio no sítio 1 sustenta essa possibilidade: 78% da área de floresta madura queimou (A. Holdsworth, dado inédito).

O manejo da floresta e o potencial para a redução de incêndios

O incêndio reduz o valor potencial da floresta. Entretanto, a redução do tamanho das clareiras da exploração, através do planejamento da extração, pode reduzir o risco de incêndios, uma vez que o chão da floresta receberia menos luz solar direta (Figura 7). A exploração com manejo no sítio 2 reduziu em 53% a média do tamanho das clareiras em relação às clareiras da exploração sem manejo (Johns et al., 1996). Além deste benefício, a exploração de madeira com manejo reduz o desperdício na extração,oferece custos mais baixos de operação das máquinas e intensifica o potencial de regeneração da floresta (Uhl et al., 1997). Este estudo aponta que a redução da suscetibilidade a incêndios é um benefício adicional.

Os U$ 50/ha extra requeridos para o planejamento cuidadoso da exploração é compensado pelo acúmulo de benefícios. Desta maneira, com maiores benefícios, a exploração de baixo impacto será mais viável economicamente. Para a intensidade média de extração encontrada na região de Paragominas (30 a 40 m³/ha), os custos somados da exploração com manejo seriam completamente recuperados pelos benefícios adicionais (Barreto et al., 1998).

Embora o benefício econômico da diminuição do risco de incêndios não tenha sido quantificado, tal diminuição soma um elemento de segurança para o proprietário da floresta. Desta maneira, juntamente com a sustentabilidade do corte das florestas, a cada 30 a 50 anos, os proprietários deverão estar assegurados de que o investimento a longo prazo em suas florestas não será ameaçado por incêndios acidentais.

Este estudo demonstrou a redução da taxa de secagem do material combustível na floresta explorada com manejo versus sem manejo. Com a redução dos desperdícios da exploração, a carga de material combustível também tem sido reduzida em uma ainda desconhecida mas notável quantidade. A combinação das taxas de secagem do material combustível e a carga de material combustível reduzidas pode oferecer efetivamente aos proprietários a segurança de que suas florestas estão mais protegidas contra incêndios do que se eles usassem as técnicas tradicionais de exploração.

A redução da suscetibilidade a incêndios que observamos na floresta explorada com manejo não significa que incêndios nestas áreas não sejam preocupantes. Florestas exploradas freqüentemente estão próximas às pastagens propensas a incêndios. Nas estações secas mais intensas (anos em que ocorre o fenômeno El Niño), até mesmo na floresta explorada com manejo, o risco de incêndio é provável se a floresta estiver próxima a pastos ou campos com resíduos e fogo. Além da redução da flamabilidade que a exploração com manejo pode trazer, é necessária a proteção em forma de faixas de segurança próximas às áreas propensas a incêndios (por exemplo, pastos). Goldammer (1988) afirma que o manejo do fogo em terras tropicais deve focalizar o manejo do combustível, tal como a criação de aceiros. A necessidade de uma faixa de proteção (quebra-fogo e aceiros) ao redor de todas as florestas exploradas é um dos componentes de um potencial Código Florestal para a Amazônia brasileira. Este código poderia serdenominado “lei 5/50/5”, ou seja, limitaria a exploração para 5 árvores/ha; estabeleceria um período de 50 anos entre os ciclos de exploração; e criaria a necessidade de um aceiro de 5 metros de terreno, (Uhl et al., 1997). Estes 5 metros de aceiro circundando cada área de floresta explorada protegeria a floresta durante todo o tempo em que ela fosse cuidadosamente mantida.

Uma outra alternativa seria preservar uma faixa da largura de 1 km de floresta primária intacta circundando áreas de floresta explorada. Estas margens de floresta primária serviriam como faixas de proteção se elas estiverem puxando reservas profundas de água (Nepstad et al., 1994). Assim, seria possível manter bons os níveis de umidade do material combustível sobre o ponto de flamabilidade. As faixas de proteção de floresta primária têm duas vantagens distintas sobre os aceiros de 5 metros. Primeiro, não há necessidade de manutenção freqüente, o que é essencial para um aceiro eficaz. Segundo, 1 km aberto de floresta primária como faixa de proteção intensifica a função do ecossistema. Ou seja, as faixas de proteção facilitam a regeneração das áreas exploradas ao prover fontes de sementes de espécies da floresta primária, corredores de passagem para a dispersão de sementes e fontes potenciais de produtos florestais não-madeireiros.

Para favorecer o potencial de redução de incêndios da floresta na crescente paisagem fragmentada da Amazônia Oriental, precisamos estudar os riscos do incêndio, bem como os custos que ele representa para as florestas exploradas. Estes estudos deveriam incluir os períodos mais secos das várias estações secas, a fim de apoiar a nossa compreensão da relação entre os riscos do fogo, intensidade da exploração madeireira e período decorrido desde a exploração.

Finalmente, precisamos de estudos sobre a resistência ao fogo e custos econômicos das faixas de proteção sob vários ângulos e através das muitas condições climáticas. Os resultados destes estudos poderiam demonstrar que o aumento da resistência ao fogo é uma outra razão para usar as técnicas de exploração florestal com manejo, e que a preservação estratégica da floresta primária intacta como faixa de proteção natural pode ser um método eficiente para reduzir os danos econômicos e ecológicos provocados pelo fogo nas florestas exploradas.

AGRADECIMENTOS

O suporte financeiro para esta pesquisa foi dado pelo Fundo Mundial para a Natureza. Agradecemos a Paulo Barreto por ter cedido os dados do sítio 1; Edson Vidal por ajudar com a coleta de dados; Paulo Amaral, Damião Lopes Farias, Francisco de Assis Barros e Arquimino Cordeiro Lopes pela ajuda no campo. A Steven Brewer pela assistência com as análises estatísticas; Nelson de Araújo Rosa pelas identificações botânicas. A Gláucia Barreto pela tradução deste artigo; e Jeffrey Gerwing, James Grogan, Jennifer Johns, Daniel Nepstad, Jeffrey Parrishi, Johanna Schmitt e, em especial, Steven Hamburg pelos comentários aos manuscritos das primeiras versões.

 

 


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