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POR QUE O BRASIL PRECISA SE PREOCUPAR COM A AMAZÔNIA

A Amazônia brasileira é superlativa em recursos naturais e importância ambiental. A região abriga cerca de um terço das florestas tropicais e a maior bacia hidrográfica do planeta. É rica em recursos minerais e em potencial hidrelétrico. Suas florestas cumprem papel fundamental na conservação da biodiversidade, no ciclo do carbono e regulação do clima. Também prestam um serviço crucial para os brasileiros: a produção de cerca de 20 bilhões de toneladas de vapor d’água por dia, que são transportadas em nuvens e geram chuvas para o Centro-Sul do país.

A Amazônia é, assim, uma questão nacional. O desafio de promover o seu desenvolvimento deve ser encarado como uma questão de Estado, a ser debatida e assumida pelo governo e pela sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, essa tarefa requer uma perspectiva e prioridades regionais considerando a população local e a diversidade socioeconômica da região.

As riquezas da Amazônia têm gerado poucos benefícios sociais e econômicos para a grande maioria dos seus mais de 24 milhões de habitantes. A ocupação da região tem sido fortemente marcada pelo desmatamento, pelo uso predatório dos recursos naturais e por conflitos sociais. Esse processo começou na década de 1960 e se intensificou a partir da década de 1970 com os investimentos em larga escala do governo militar em estradas, hidrelétricas, mineração e colonização agropecuária. O desmatamento acumulado, que era inferior a 1% do território amazônico até início da década de 1970, atingiu quase 19% dele em 2013 – cerca de 760 mil quilômetros quadrados.

AS VÁRIAS AMAZÔNIAS

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Região representa 60% do território nacional e pode ser definida de três formas:

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Acontece que o desmatamento tampouco gerou benefícios para o povo da Amazônia. O PIB da Amazônia Legal tem se mantido em torno de 6% a 8% do total nacional nas últimas duas décadas, e seu PIB per capita é cerca de metade da média brasileira.

A realidade social é dramática. A Amazônia está atrás do Brasil no cumprimento das metas do milênio e no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Além disso, o recém-publicado Índice de Progresso Social da Amazônia revela que 98,5% dos 772 municípios da região têm uma pontuação de progresso social inferior à média nacional: seus habitantes convivem com saneamento precário, acesso limitado à internet, educação básica de baixa qualidade, educação superior insuficiente e insegurança. Alguns de seus municípios estão entre os mais violentos do Brasil.

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A carência de serviços públicos é a tônica na região amazônica para a grande maioria da população. A disparidade entre o gasto médio em saúde e educação entre a região amazônica e o restante do país é um forte indicador do quanto será necessário um investimento continuado na área social, ao longo dos próximos quatro anos, para aproximar a região das médias nacionais. Por exemplo, para igualar a Amazônia à média do resto do Brasil na ampliação do número de leitos e número de médicos (área de saúde) bem como na elevação do número de professores (área de educação), os investimentos nos próximos quatros anos deveriam alcançar um montante de R$ 8 bilhões.

Esse baixo progresso social da Amazônia é fruto direto de um ciclo vicioso de desenvolvimento. Trata-se do padrão conhecido como “boom-colapso”, no qual o uso predatório dos recursos naturais eleva o bem-estar de poucos num primeiro momento, para gerar pobreza para a grande maioria assim que o recurso se esgota.

As primeiras tentativas de quebrar tal padrão e reduzir o desmatamento ocorreram no final dos anos 1980, com o lançamento do programa Nossa Natureza. Na década seguinte, houve avanço na criação de Unidades de Conservação (UC) e demarcação de Terras Indígenas (TI), o que protegeu imensas áreas das ameaças de grilagem. Na década passada, a tentativa de implementar o Plano Amazônia Sustentável (PAS), como iniciativa conjunta de governos federal e estaduais, foi logo abandonada e esquecida, junto com as promessas de uma agência de desenvolvimento regional. Foi só a partir de 2004, com o lançamento do PPCDAM (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia), que o governo federal começou de fato a enfrentar de forma mais ambiciosa e estruturada a questão, apesar de seus componentes econômico e de infraestrutura – que visavam o médio e o longo prazo – terem sido também abandonados.

O PPCDAM teve resultados iniciais promissores, tendo ajudado a reduzir a taxa de desmatamento em cerca de 80% entre 2004 e 2013[1]. Isso foi possível com a melhoria na fiscalização (monitoramento em tempo real, confisco de bens, prisão de infratores), a criação de UCs (cerca de 500 mil quilômetros quadrados criados entre 2003 e 2006, o equivalente à área da Espanha) e a restrição de crédito para os desmatadores ilegais. Além disso, houve pressão sobre o agronegócio para eliminar o desmatamento ilegal de sua cadeia de produção e ou fornecimento. Campanhas públicas lideradas por ONGs e ações do Ministério Público Federal tiveram papel decisivo nessas iniciativas.

Um efeito colateral importante dessas medidas foi demonstrar que o desmatamento não é necessário para desenvolver a região – a agropecuária tem potencial para crescer na Amazônia sem novos desmatamentos. Com efeito, juntamente com o declínio das taxas de corte raso na última década, o valor da produção agropecuária na região continuou subindo, como mostra a figura a seguir.
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[1] Entre 2005 e 2008 coincidiram dois vetores contra o desmatamento: as políticas públicas (criação de áreas protegidas e fiscalização) e a redução dos preços de mercadorias agrícolas. Pesquisa da PUC do Rio de Janeiro estimou que, nesse período, cerca de 50% da redução deveu-se a cada vetor (Disponível aqui: http://climatepolicyinitiative.org/wp-content/uploads/2012/03/Deforestacion-Precos-ou-Politicas-Sumario-Executivo-Portuguese.pdf). Entre 2009 e 2012, o desmatamento continuou a cair, apesar da subida dos preços de mercadorias agrícolas.

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O desafio que se coloca diante da Amazônia, da sociedade e dos próximos dois mandatos presidenciais e de governos estaduais, até 2022, é o de manter essa combinação entre menos desmatamento e mais produção, revertendo, enfim, a lógica do boom-colapso. Isso só ocorrerá com uma mudança estratégica do Estado brasileiro e da população para a Amazônia. As conquistas obtidas até aqui ainda estão sob ameaça de estagnar ou retroceder. Um exemplo é a elevação de 29% na taxa de desmatamento em 2013, após cinco anos de queda, além de uma série de outros fatores.

É importante registrar que mesmo com a redução observada, a taxa de desmatamento da Amazônia ainda é uma das maiores do mundo tropical: somente em 2013, cerca de 5,8 mil quilômetros quadrados de mata foram destruídos, o equivalente a quase quatro vezes a área da cidade de São Paulo. Além disso, uma parte expressiva da floresta remanescente já sofreu danos por exploração madeireira predatória e fogo. Ano após ano, o crescimento da devastação acumulada vai comprometendo a capacidade da região de prestar serviços ambientais, como a “produção de água” para o Centro-Sul. As atividades sustentáveis que poderiam substituir o desflorestamento têm dificuldade de ganhar escala: o uso da terra ainda é marcado pela exploração predatória e ilegal de madeira, à qual se segue a pecuária extensiva de baixa produtividade (80 kg de carne por hectare/ano) e a agricultura de corte e queima.

A invasão e a grilagem de florestas públicas voltaram a crescer nos últimos anos, favorecidas pela falta de destinação de terras públicas – só de terras federais são 38 milhões de hectares, parte dos quais poderiam ter sido alocados para a criação de novas UCs.

Por fim, o governo brasileiro atua na Amazônia de forma contraditória. Por um lado, formula e executa estratégias para conter o desmatamento. Por outro, realiza investimentos com potencial de ampliar o desmatamento e a degradação e agravar os conflitos sociais.

A instalação de grandes projetos de infraestrutura – usinas hidrelétricas, linhas de transmissão, rodovias, portos e expansão de projetos minerais – é um exemplo. Somente na usina hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), estão sendo investidos R$ 32 bilhões. Outros R$ 40 bilhões estão sendo investidos no projeto SD11, para a extração de minério de ferro na região de Carajás. Esses investimentos podem agravar a situação ambiental e social, pois as obras não têm sido precedidas de investimentos sociais e de mitigação dos impactos ambientais. Na bacia do rio Tapajós, considerada uma das ricas em biodiversidade do planeta, há planos para um conjunto de novas hidrelétricas. Para viabilizá-las, o governo reduziu oito UCs que haviam sido criadas para estancar o desmatamento ao redor de outro projeto de infraestrutura, a BR-163.

Este documento reconhece que o desenvolvimento sustentável da Amazônia traz desafios em dimensão também amazônica. Mas parte da constatação de que o país já provou que tem condições de resolvê-los – se aplicar à tarefa o conjunto certo de políticas públicas e investimentos. Isso requer uma decisão política (incluindo as três esferas de governo e sociedade civil) em prol de uma política de desenvolvimento da Amazônia, que priorize círculos econômicos virtuosos que fortaleçam os mercados regionais e tornem o território organizado um fator estratégico de competitividade e de sustentabilidade (a economia de baixo carbono é um exemplo). A política não deveria enfocar produtos, e sim formas de produção e serviços que possam sobreviver aos ciclos rapidamente esgotáveis de uma ou outra commodity.

Aponta-se aqui um caminho exequível para chegar lá, zerando o desmatamento na maior floresta tropical do mundo em 2020. As decisões que tomarmos sobre a Amazônia nos próximos anos definirão o futuro da maior floresta tropical do mundo e em grande medida a qualidade do desenvolvimento do Brasil.

PROPOSTAS PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA

Por uma política energética racional

O governo brasileiro está executando um ambicioso plano de expansão de geração de energia elétrica, que inclui a construção de 30 hidrelétricas (UHE) na Amazônia até 2023. Segundo esse plano, as seis maiores hidrelétricas em construção ou em estudo na bacia amazônica seriam responsáveis por quase 50% do total de energia previsto para ser adicionado à matriz brasileira entre 2010 e 2020. Apesar dos avanços previstos para as outras fontes, como eólica e biomassa, a energia hídrica ainda será a principal fonte da nossa matriz.

Os argumentos do governo para privilegiar as hidrelétricas incluem o baixo custo da produção e a suposta baixa emissão direta de gases do efeito estufa. Entretanto, o plano de expansão das hidrelétricas na região tem sido contestado por cientistas, sociedade civil e Ministério Público. O custo da produção se revela muito maior após a construção das obras, quando as empresas não conseguem entregar a energia nos prazos e pelos preços estipulados na hora do leilão, o que obriga o governo a assumir enormes custos adicionais para não quebrar as concessionárias. A situação dos empreendimentos de Jirau e de Santo Antônio é emblemática.

Os impactos negativos decorrem, em grande parte, do rápido inchaço populacional nos municípios onde as obras estão situadas e da demora ou insuficiência do planejamento e execução de medidas mitigadoras. Por exemplo, cerca de 90 mil pessoas devem migrar para a região de Altamira até o término da usina de Belo Monte, o que dobraria a população residente. Os efeitos já são notados: a taxa de homicídios em Altamira aumentou 136% após a emissão da licença prévia da hidrelétrica. O estudo de impacto ambiental desse projeto mostra que, em 20 anos, o risco do desmatamento indireto pode ser cerca de dez vezes maior do que a área que será inundada[2] e, consequentemente, comprometer a capacidade de geração futura de eletricidade[3].Além disso, o governo federal não criou as UCs recomendadas que poderiam reduzir parte desse risco. As obras penalizam os governos locais, que não recebem compensação ou investimentos suficientes para lidar com o aumento de demanda por serviços públicos.

Para que o país não tenha de fazer uma escolha entre produzir a energia hidrelétrica, respeitar os direitos das populações locais e conservar os ecossistemas amazônicos, sugerimos o seguinte:

Investir em eficiência energética e priorizar as fontes com menos impactos socioambientais. Pesquisadores do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica)[4] avaliaram que o replanejamento do uso e da geração de energia dispensaria a contratação de novas hidrelétricas até 2022, o que até lá permitiria um debate mais aprofundado sobre o impacto desse tipo de obra na região.
Primeiro, seria necessário investir em eficiência energética. O estudo do ITA cita que os investimentos em eficiência energética no Brasil resultaram em uma oferta de energia com custo de R$ 24,6/MWh. Portanto, seria cerca de quatro a cinco vezes mais vantajoso poupar do que gerar energia nova de fonte hidrelétrica.
Segundo, a geração de energia deveria ampliar o uso das fontes disponíveis de menor impacto ambiental, incluindo eólica e solar (fotovoltaica) e biomassa. Combinando ganho de eficiência com o uso de outras fontes disponíveis seria possível ganhar tempo para uma avaliação mais criteriosa de projetos como o Complexo Hidrelétrico do Tapajós.

Remunerar justamente as regiões produtoras de energia. Mesmo com uso de outras fontes e ganhos de eficiência, é provável que algumas hidrelétricas ainda precisem ser construídas na região no futuro. Quando isso for necessário, seria justo compensar os Estados produtores de energia hidrelétrica com recursos necessários para custear o aumento de demanda por serviços públicos decorrentes da migração. Essa compensação poderia ser oriunda da economia que o restante do país obtém pela geração hidrelétrica em comparação com outras fontes de energia firme, como as termelétricas. Por exemplo, a geração de energia de Belo Monte gerará uma economia para o restante do país de cerca de R$ 10 bilhões/ano. Parte deste valor poderia ser usado para uma compensação de “economia hidro” e seria adicionada às compensações já existentes aos Estados geradores de energia (como a Compensação Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos e Compensação Ambiental).

Rever a tributação da energia. A energia hidrelétrica produzida na Amazônia gera benefícios para os estados consumidores em outras regiões que cobram o ICMS pelo consumo. Para evitar esta perda será necessário alterar a legislação para que o estado produtor tenha o direito de cobrar o ICMS pelo consumo.
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[2] Barreto, P.; Brandão Jr. A.; Martins, H.; Silva, D.; Souza Jr. C.; Sales, M.; & Feitosa, T. (2011). Risco de Desmatamento Associado à Hidrelétrica de Belo Monte (p. 98). Belém: Imazon.
[3] Stickler et al. 2013. Dependence of hydropower energy generation on forests in the Amazon Basin at local and regional scales. Proceedings of the National Academy of Sciences. USA. May 2013.
[4] De Sousa, W. C et al. 2014. Desafios e proposições para a sustentabilidade da matriz elétrica brasileira. In W. C. de Sousa Júnior (Ed.), Tapajós: Hidrelétricas, infraestrutura e caos (pp.65-87). São José dos Campos: ITA/CTA.

Por uma infraestrutura e uma economia de serviços para o desenvolvimento local

Os investimentos em infraestrutura apresentam uma contradição para a Amazônia. De um lado, a economia sofre pela deficiente logística no meio rural e a maioria da população é carente de serviços básicos como saneamento, energia e pavimentação de vias. Produtores rurais, mesmo em áreas de ocupação antiga, como a Transamazônica e a Belém-Brasília, têm dificuldade de transportar produtos e de trazer insumos para modernizar a produção. Metade das 20 grandes cidades brasileiras com piores índices de saneamento estão na Amazônia Legal.

Por outro lado, nunca se programou a aplicação de tantos recursos em grandes obras na região. Apenas os investimentos públicas nas áreas de energia, óleo e gás, logística e telecomunicações devem atingir aproximadamente R$ 130 bilhões até 2020. O problema é que há descasamento entre as necessidades locais e esses grandes projetos. Isso aumenta os conflitos sociais e os danos ambientais como nos casos das hidrelétricas de Belo Monte, no rio Xingu, e Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira.

O licenciamento ambiental tem sido inadequado para mitigar os impactos. De fato, o modelo atual de licenciamento é intrinsicamente distorcido por conflitos de interesse similares aos que levaram à crise financeira internacional de 2008/2009[5]: quem paga a análise de risco é o empreendedor, que tem interesse em que os riscos sejam ignorados ou subestimados. Por outro lado, os funcionários dos órgãos públicos que devem avaliar os relatórios não têm o tempo nem os recursos para fazê-lo adequadamente, já que o calendário de licenciamento e leilão geralmente é elaborado assim que a decisão de investimento é tomada – não importa o que digam os estudos de impacto ambiental.

Finalmente, mesmo os planos de mitigação não são implantados adequadamente, como tem ocorrido com o plano BR-163 Sustentável, referente ao asfaltamento da Rodovia BR-163[6], e os planos associados às obras de Belo Monte, em Altamira.

Para que as obras de infraestrutura levem a um desenvolvimento local e reduzam os impactos socioambientais, recomendamos:

Eliminar o conflito de interesse do licenciamento ambiental de grandes obras. Para tornar a análise de risco de investimento mais isenta, Nouriel Roubini, economista da Universidade de Nova York, sugere que os investidores contribuam para um fundo cujos recursos pagariam as análises de risco sem interferência de quem emite a dívida. Este conceito deveria ser transplantado para a análise de risco socioambiental. Assim, os investidores contribuiriam para um fundo público e os órgãos ambientais e correlatos (Iphan, Funai, Ibama etc.) contratariam consultorias independentes para avaliar o risco. A contribuição para o fundo seria estabelecida com base na escala do empreendimento.

Priorizar investimentos em infraestrutura para o desenvolvimento local. É necessário investir em obras que promovam o desenvolvimento local, especialmente em saneamento básico, estradas vicinais e geração de energia distribuída (solar, eólica, pequenas centrais hidroelétricas) em comunidades rurais. Segundo o Instituto Trata Brasil, para universalizar o saneamento na Amazônia, seria necessário investir cerca de R$ 52 bilhões[7], o que melhoraria os indicadores de saúde, desempenho escolar, produtividade do trabalho e renda. Só os ganhos em aumento de renda do trabalhador atingiriam cerca de R$ 20 bilhões por ano. Portanto, o benefício renda do trabalhador pagaria todos os investimentos em apenas 2,6 anos.
A priorização dos investimentos em estradas vicinais deveria considerar o desempenho ambiental das regiões – por exemplo, municípios onde as taxas de desmatamento têm caído e que possuem maior cobertura de imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural deveriam ser priorizados.

Combinar o planejamento de grandes obras com investimentos sociais. Para minimizar de fato os efeitos negativos de grandes obras, o governo deveria combinar o planejamento e a execução dos projetos com os investimentos sociais e ambientais necessários. O governo deveria antecipar investimentos em regiões de interesse para grandes obras de forma a minimizar o descompasso entre o avanço das obras e a atração populacional. Esses mecanismos poderão integrar desde a implementação de planos de desenvolvimento regional até a criação de fundos de desenvolvimento local, com forte participação pública e controle social.

Apoiar a economia de serviços. O fato de a Amazônia ter quase dois terços de sua população nas áreas urbanas torna essencial priorizar a infraestrutura para a economia de serviços. Esse investimento é estratégico para interromper o tradicional processo de “exportação” dos benefícios que tem caracterizado os grandes empreendimentos de infraestrutura na região. Isso requer um grande esforço em capacitação e apoio a micro e pequenas empresas, com prioridade para as cidades médias no interior.
Um exemplo é a economia do conhecimento, com seus inúmeros desdobramentos, através dos centros de pesquisa aplicada e avançada sobre biodiversidade e serviços ambientais. Isso requer o adensamento científico-tecnológico e a instalação de parques tecnológicos em regiões chave, o que permitiria atrair e fixar pesquisadores nessas áreas. Além disso, é essencial ampliar os investimentos em conectividade na área rural e em conectividade de alto padrão nos centros urbanos.
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[5] A análise sobre o conflito de interesse na análise de risco financeira é apresentada por Nouriel Roubini e Stephen Mihm no livro A Economia das Crises.
[6] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/183364-plano-ambiental-falha-e-estrada-no-para-vira-foco-de-queimadas.shtml.
[7] Este cálculo incluiu o total da região Norte e o total de Mato Grosso e Maranhão. O estudo está disponível em http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/estudos/expansao/Beneficios-Economicos-do-Saneamento.pdf.

Por unidades de conservação protegidas e integradas à economia local

As UCs são essenciais para proteger os recursos que sustentam a economia e a vida do país. Por exemplo, 62% da matriz elétrica é abastecida por usinas movidas por água originada de pelo menos um rio dentro de UC[8]. Além disso, mais de um terço da água para consumo humano é diretamente captada em UCs ou em rios que se beneficiam da proteção de UCs[9].

Em 2014, as UCs somavam cerca de 142 milhões de hectares no país, dos quais 111 milhões na Amazônia. A criação de novas áreas na região foi um dos pilares da política que reduziu o desmatamento da região[10] e que fez do Brasil o campeão mundial em reduções de emissões de gases do efeito estufa entre 2005 e 2012 (-36,7%)[11].

Apesar da importância das UCS, várias têm sido degradadas por atividades ilegais, como desmatamento e exploração de madeira. Além disso,[12] em razão de conflitos fundiários em 5% do território (cerca de 3 milhões de hectares de UCs federais), algumas áreas estão em situação crítica de desmatamento[13] e são objeto de iniciativas de revogação (desafetação).

Estimamos que o governo gastaria R$ 1,6 bilhão em indenizações[14] para fazer a regularização fundiária nas áreas protegidas federais. Esse valor é três vezes maior do que o orçamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entre 2010 e 2012 (em torno de R$ 500 milhões). Para proteger e estimular o uso efetivo das UCs, recomendamos as seguintes políticas coordenadas:

Fazer diagnóstico fundiário das UCs e descontar o passivo ambiental das indenizações. É preciso refinar a estimativa dos custos de regularização fundiária por meio de levantamentos dos ocupantes de boa-fé. O valor da indenização dos ocupantes deve descontar o passivo ambiental, como as multas por desmatamento e exploração ilegal de madeira.

Priorizar a regularização fundiária das UCs mais desmatadas e sob maior risco de desmatamento. Como cerca de 3 milhões de hectares das UCs federais da Amazônia têm problemas fundiários, é preciso estabelecer critérios para priorizar as ações. O grau de desmatamento em cada UC e sua proximidade de obras de infraestrutura em construção e planejadas seriam critérios para priorizar as áreas.

Usar parte dos valores arrecadados com a venda de terras no programa Terra Legal nas UCs. Segundo o programa Terra Legal, existem 38 milhões de hectares em glebas federais não destinadas que estão sendo doadas ou vendidas por preços abaixo do mercado. A venda de apenas 8% desta área pelo preço médio que o próprio Terra Legal estabelece seria suficiente para custear toda a regularização de UCs federais na região. Além disso, se mais 10% das terras fossem também vendidas seria possível formar um fundo de cerca de R$ 2 bilhões, que poderia gerar cerca de R$ 100 milhões por ano permanentemente para custear a implementação das UCs.

Cobrar efetivamente as multas ambientais e aplicar os recursos arrecadados na implementação das UCs. As multas ambientais emitidas pelo Ibama entre 2009 e 2013 somam R$15,4 bilhões[15]. Entretanto, a arrecadação é altamente ineficiente, atingindo apenas 1,8%. Se o governo arrecadasse apenas 10% do valor total dessas multas, seria possível cobrir toda a regularização fundiária das UCs federais na Amazônia. Para tanto, o ICMBio propõe mudanças nas regras do Decreto nº 6.514/2008, de forma a permitir a conversão de multas aplicadas pelos órgãos ambientais na destinação de recursos para desapropriações[16].

Transformar as UCs em vantagem para o desenvolvimento local. Uma forma de fazer isso seria pela destinação de parte dos fundos de participação dos estados e municípios (FPE e FPM) para os governos locais que tiverem proporcionalmente mais UCs em seu território. O governo federal poderia aprovar o projeto de lei complementar (PLS 53/2000) que destina 2% do FPE aos estados que tenham UCs e TIs demarcadas em seus territórios[17]. Se essa lei já estivesse em vigor, o valor repassado aos estados amazônicos, no período de 2010 a 2013, seria da ordem de R$ 2,7 bilhões[18]. O projeto de lei deveria incluir também o FPM.

Acelerar a adoção de PPPs (Parcerias Público-Privadas) para prover infraestrutura e serviços necessários ao uso público das UCs. As UCs da Amazônia poderiam gerar empregos e renda localmente por meio do uso público. Para tanto, é necessário investir em infraestrutura e serviços. As PPPs deveriam ser usadas para facilitar a gestão das UCs, aportando-lhes a eficiência do setor privado e gerando receitas que poderiam ser reinvestidas em conservação em áreas mais frágeis e ameaçadas. É preciso priorizar e acelerar o processo, já iniciado no âmbito do governo federal, de PPPs em UCs cujo aproveitamento turístico teria grande impacto sobre a economia local.

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[8] Medeiros, R.; Young; C.E.F.; Pavese, H. B. & Araújo, F. F. S. 2011. Contribuição das unidades de conservação brasileiras para a economia nacional: Sumário Executivo. Brasília: UNEP-WCMC, 44p.
[9] Idem nota 1.
[10] Áreas protegidas criadas entre 2006-2008 (24 milhões de ha) contribuíram com 30% da redução da taxa no período. Soares, Moutinho et al., 2011.
[11] Considerando dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases do Efeito Estufa. Disponível em: http://seeg.observatoriodoclima.eco.br/index.php/page/17-Estimativas-gerais.
[12] Idem nota 3 (TCU).
[13] Ver Martins, H., Vedoveto, M., Araújo, E., Barreto, P., Baima, S., Souza Jr., C., & Veríssimo, A. 2012. Áreas Protegidas Críticas na Amazônia Legal (p. 94). Belém: Imazon. Disponível em: https://imazon.org.br//publicacoes/livros/areas-protegidas-criticas-na-amazonia-legal; e Martins, H., Araújo, E., Vedoveto, M., Monteiro, D., & Barreto, P. 2014. Desmatamento em Áreas Protegidas Reduzidas na Amazônia (p. 20). Belém: Imazon. Disponível em: <https://imazon.org.br//publicacoes/outros/desmatamento-em-areas-protegidas-reduzidas-na-amazonia>.
[14] Com base em estimativa do ICMBio para terras privadas em UCs na Amazônia que deveriam ser desapropriadas e no valor médio de preço de terra do Programa Terra Legal (R$ 550/hectare).
[15] TCU. 2014. Relatório e Parecer Prévio sobre as Contas do Governo da República. Exercício 2013. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/contas/contas_governo/Contas2013/index.html>.
[16] ICMBio. 2012. Instituto desapropria 138 mil hectares e acelera regularização fundiária das UCs. Notícia de 05/09/2012. Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/portal/comunicacao/noticias/icmbio-5-anos/3296-instituto-desapropria-138-mil-hectares-e-acelera-regularizacao-fundiaria-das-ucs.html>. Acesso: 03/07/2013.
[17] Atualmente esse projeto tramita na Câmara dos Deputados, PLP 351/2002, e está pronto para a pauta no Plenário.
[18] IPAM. 2014. Recompensando estados pela conservação da biodiversidade e manutenção da integridade funcional dos ecossistemas.

Por um agronegócio eficiente, próspero e sustentável

A agropecuária tem crescido expressivamente na Amazônia e é responsável por cerca de R$ 17,8 bilhões de renda bruta e 2,5 milhões de empregos diretos[19]. Entretanto, este setor tem sido o principal motor dos ciclos de “boom-colapso” que marcam a história econômica e ambiental da região. O desmatamento na Amazônia em 2010, ano da última estimativa oficial, era responsável por 22% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa[20].

A ilegalidade e a baixa eficiência ocorrem sobretudo na pecuária. Segundo a Embrapa e o Inpe, em 2010 os pastos mal utilizados na Amazônia somavam cerca de 12 milhões de hectares, o equivalente a quase três vezes a área do estado do Rio de Janeiro. A produtividade média da pecuária (apenas 80 kg de carne por hectare por ano), que ocupa 66% da área desmatada[21], poderia se quase quatro vezes maior (cerca de 320 quilos por hectare por ano) com moderada intensificação.

Para que o setor se torne eficiente, rentável e sustentável será necessário investir em técnicas agropecuárias já disponíveis. Por exemplo, um investimento de cerca de R$ 1 bilhão por ano daria conta de suprir a demanda do aumento de consumo de carne até o ano 2022 melhorando a produtividade de um quarto da área de pasto mal utilizado. Isso geraria 39 mil empregos adicionais e de melhor qualidade. O valor adicional na produção agropecuária seria de R$ 4,2 bilhões por ano, representando um aumento de 16% em relação a 2010. Hoje, cresce o entendimento – entre produtores, indústria, varejo, sociedade civil e os próprios órgãos públicos – da importância da integração da cadeia para remunerar o investimento necessário por parte dos produtores, que se traduz em benefício e agregação de valor. É preciso que o poder público reconheça e incentive tais iniciativas.

A irregularidade ambiental e fundiária e a baixa eficiência, no entanto, aprisionam muitos produtores num dilema do tipo ovo e galinha: sem regularização eles não conseguem acesso a crédito. Porém, para custear a regularização, parte das fazendas devem tornar-se mais produtivas – e, para isso, é preciso tomar crédito para investir.
Sugerimos duas medidas básicas para estimular o uso mais eficiente e sustentável das terras na região.

Acelerar a regularização das posses, mas sem subsídios. A legislação atual[22] prevê a regularização das posses de até 15 módulos fiscais ocupadas até dezembro de 2008 na Amazônia. Isso deve ocorrer de duas maneiras: por meio de doação, para as áreas de até quatro módulos fiscais (que chega a 400 hectares), e venda (valor abaixo dos de mercado), para as posses entre 4 e 15 módulos fiscais (entre o máximo de 400 e 1.500 hectares). No caso das posses maiores que 15 módulos (acima de 1.500 hectares), a regularização é mediante licitação. O programa Terra Legal, estabelecido em 2009 para implementar a Lei 11.952, prometeu entregar títulos para cerca de 150 mil posseiros. Porém, até 2013, apenas 8.640 títulos haviam sido entregues, somando 296 mil hectares. Considerando uma emissão média de cerca de 5 mil títulos por ano (melhor performance do programa até aqui), seriam necessários aproximadamente 28 anos para concluir a regularização.

Para acelerar o desenvolvimento e evitar novas ocupações, o governo deveria acelerar a regularização desses imóveis, mas sem subsídios. Pelo menos os posseiros com áreas acima de quatro módulos fiscais teriam de pagar o preço de mercado pela terra. Se o governo vende terras abaixo do valor de mercado, atrai mais posseiros para ocupar áreas ilegalmente na expectativa de regularização futura. Assim, continua a corrida violenta e devastadora para ocupar e desmatar áreas na região[23].

A regularização deveria ser priorizada naqueles municípios que já têm demonstrado melhor desempenho ambiental – por exemplo, os que reduziram o desmatamento e têm maior cobertura de imóveis no Cadastro Ambiental Rural.

Finalmente, antes da titulação de terras privadas, os órgãos públicos deveriam regularizar os direitos de populações tradicionais, além de destinar áreas prioritárias para outros usos de interesse público, como as UCs (ver proposta nº 3).

Cobrar efetivamente o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. Para coibir a especulação, o governo deveria ampliar a cobrança do ITR. O ITR estabelece alíquotas maiores para imóveis com baixo grau de utilização, a fim de evitar que se ocupem grandes áreas sem produzir. Por ser um imposto declaratório, porém, ele é amplamente sonegado[24]: os proprietários subdeclaram o valor da terra e inflacionam o tamanho de área isenta (por exemplo, a área de reserva legal). Para melhorar a fiscalização, os órgãos envolvidos devem integrar várias informações disponíveis. A Receita Federal deve atualizar os preços de terra em cada região para comparar com os valores declarados. O Ibama deve usar imagens de satélite e os dados do CAR para comparar com a área de floresta existente com a área declarada.
Para ter resultados mais rápidos, o governo deveria começar prioritariamente a fiscalização naqueles municípios com maiores áreas subutilizadas. Por exemplo, 46 municípios da região, como São Félix do Xingu (PA), Juara (MT) e Aripuanã (MT), somam 50% da área de pastos sujos em terras com potencial agronômico bom e regular. Estes municípios representavam apenas 10% dos 438 municípios em que esses pastos ocorriam em 2007.

Realizar a alocação das terras públicas devolutas. Está comprovada a ineficácia paliativa de processos de “regularização” de posses individuais após a ocupação irregular. Por isso, é necessária uma abordagem sistêmica para alocar as terras devolutas, dando a elas destinação ou alienação definitivas, incluindo a criação de UCs (ver proposta no 3) e reconhecimento de TIs. Essa abordagem necessitará cooperação e um sistema único de informação fundiária na esfera federal e estadual. Só nesse contexto poderá haver efetividade e credibilidade da ação de regularização individual de títulos privados.

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[19] De acordo com Censo Agropecuário do IBGE em 2006.
[20] MCTI 2010 (http://gvces.com.br/arquivos/177/EstimativasClima.pdf).
[21] Dado do Terraclass 2010. (http://www.inpe.br/cra/projetos_pesquisas/sumario_terraclass_2010.pdf).
[22] Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009.
[23] Em ação recente, a Polícia Federal prendeu integrantes de uma quadrilha envolvida na ocupação e venda de terras públicas no oeste do Pará, demonstrando que a grilagem continua http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2014/08/suspeitos-de-crimes-ambientais-no-pa-sao-presos-e-trazidos-para-belem.html.
[24] Estudo do Imazon indica que a sonegação no Pará pode chegar a mais de 90%.

Por uma agricultura familiar mais produtiva e sustentável

A agricultura familiar na Amazônia, segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, representa 700 mil estabelecimentos rurais (86% do total), incluindo os assentamentos de reforma agrária, e ocupa uma área de 25,4 milhões de hectares (22% da área total dos estabelecimentos).

Os 2.261 assentamentos federais[25] somam mais de 30 milhões de hectares, com aproximadamente 400 mil famílias assentadas. Esse território ainda detém 15,8 milhões de hectares em floresta, dos quais 13,3 milhões (84%) concentram-se em apenas 600 assentamentos. No entanto, a grande maioria desses assentamentos tem sido implantada sem investimentos adequados em infraestrutura, serviços sociais básicos e assistência técnica. O resultado, em sua grande maioria, é a combinação de degradação ambiental, conflitos sociais, inviabilidade econômica das atividades agrícolas ou extrativistas e, consequentemente, o abandono ou venda ilegal dos lotes. A continuação do desmatamento nos assentamentos levou o Ministério Público Federal a processar simultaneamente o Incra em seis estados da região em 2012[26]. Em resposta, o Incra criou o programa Assentamentos Verdes, que visa coibir o desmatamento e promover a restauração[27], mas que ainda é incipiente.

Para reduzir o desmatamento e induzir a restauração florestal e gerar renda, uma política pública para os assentamentos na Amazônia deveria conter as seguintes inovações:

Remuneração da assistência técnica baseada no desempenho. Apesar de o governo federal alocar valores expressivos de crédito subsidiado para os assentamentos, a produtividade destes não tem evoluído. Para incentivar a melhoria da assistência técnica, recomendamos que parte do pagamento dos extensionistas seja vinculada ao desempenho das culturas financiadas. Essa abordagem já vem sendo usada com sucesso por fundos de investimento e por empresas do setor rural.

Pagamento por serviços ambientais. Para estimular a conservação e a restauração florestal, recomendamos que o governo federal institua pagamentos por serviços ambientais para os agricultores familiares, conforme já autorizado pelo novo Código Florestal e de outras fontes de financiamento (ver seção 7). O pagamento deveria ser feito mensalmente e vinculado ao monitoramento da cobertura florestal por meio de imagens de satélite. Os indicadores de progresso social poderiam ser usados para identificar as áreas prioritárias para recebimento desses pagamentos.

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[25] Este número exclui assentamentos antigos cujos beneficiários já receberam seus títulos.
[26] Detalhes das ações em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2012/mpf-aponta-o-incra-como-o-maior-desmatador-da-amazonia/?searchterm=desmatamento%20incra.
[27] Ver em http://www.incra.gov.br/incra-apresenta-programa-assentamentos-verdes-ao-ministro-pepe-vargas.

Por uma economia florestal sustentável

Há pouco mais de uma década o Brasil iniciou uma transição para usos mais sustentáveis das florestas na Amazônia. O país combateu a exploração de madeira ilegal, houve aumento na área de manejo florestal e foi aprovada uma lei para gestão e concessões nas florestas públicas. Além disso, houve mudança significativa no mercado de madeira, com substituição de parte da madeira nativa por madeira de florestas plantadas e por outros materiais. Isso resultou numa queda expressiva na produção de madeira na região: a extração caiu de 28 milhões de metros cúbicos de tora em 1998 para cerca de 12 milhões em 2011. O setor de madeira plantada atingiu cerca de 4 milhões de metros cúbicos de toras entre 2010 e 2012.

O copo, porém, está apenas meio cheio: entre 2011 e 2012, a maioria do volume de toras explorado no Pará (74%) e em Mato Grosso (54% ) teve origem ilícita. Ao mesmo tempo, a preparação das florestas públicas para a concessão tem sido morosa. As concessões florestais federais somavam até 2013 apenas 480 mil hectares em cinco Florestas Nacionais.
Hoje existe a oportunidade de desenvolver uma economia florestal integrada, com prioridade para investimentos industriais baseados na integração lavoura-pecuária-floresta, para fins de energia, alimentos, fibras, madeira e ração. Esta abordagem integraria as cadeias para atingir maior produtividade da pecuária, diversificar a produção e reduzir riscos, ao mesmo tempo em que viabilizaria o uso e a recuperação de quase meio milhão de quilômetros quadrados de terrenos alterados e abandonados. Para tanto, sugerimos:

Combater a exploração ilegal de madeira. Os planos de manejo florestal têm sido licenciados pelos governos estaduais, mas a proporção de madeira ilegal e predatória é ainda expressiva. Por isso, o governo federal deveria ampliar sua ação complementar contra a exploração ilegal usando operações integradas do Ibama e da Polícia Federal. Essas ações deveriam combater todos os crimes associados à exploração ilegal de terras públicas, que geralmente envolve lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e sonegação de impostos.

Destinar terras públicas para o manejo florestal. O governo deve proteger e alocar as terras públicas para uso sustentável. Dos cerca de 38 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas pelo menos 15 milhões poderiam ser destinados ao uso florestal sustentável – de preferência na forma de UCs de uso sustentável. Para dar conta dessa tarefa, o Serviço Florestal Brasileiro deveria ganhar maior autonomia e o ICMBio da Biodiversidade deve ser fortalecido.

Estimular o reflorestamento. O reflorestamento poderia ser estimulado por uma série de medidas já descritas em outras seções, como a regularização fundiária, o pagamento por serviços ambientais e o apoio produtivo nos assentamentos de reforma agrária.

Estimular a modernização da indústria. Deve-se utilizar o Fundo Constitucional do Norte e outras fontes disponíveis para investir em modernização do parque industrial florestal madeireiro e outras cadeias de produção. Por exemplo, com melhoria tecnológica no processamento, secagem e aproveitamento das sobras de madeira, é possível aumentar o rendimento no desdobro das toras dos atuais 35% para pelo menos 50% – em alguns casos podendo chegar até 60% de rendimento. Isso significa maior valor agregado na produção de madeira e, ao mesmo tempo, menor pressão sobre as florestas.

Para assegurar os serviços ambientais

Falta ao país uma política com escala e eficaz que estimule a proteção de florestas nativas e que restaure áreas degradadas. A seguir apresentamos sugestões para direcionar recursos para a conservação dos serviços ambientais.

Condicionar os subsídios já existentes ao desempenho ambiental. Em um cenário de ajuste fiscal nos próximos anos, será difícil criar novos impostos ou contribuições no curto prazo. Portanto, a forma mais promissora de remunerar os serviços ambientais é condicionar o recebimento de subsídios já existentes ao desempenho ambiental, conforme já determina o artigo 170 da Constituição Federal. Por exemplo, o setor agropecuário, que é responsável por maior parte das emissões de gases do efeito estufa do país (62% incluindo emissões diretas e o desmatamento[28]) recebeu em 2013 desonerações e subsídio equivalente a R$ 13 bilhões, dos quais R$ 1,5 bilhão na região Norte[29].

Estes subsídios têm facilitado o desmatamento na Amazônia, apesar de regras e protocolos (Protocolo Verde) para que os investimentos públicos respeitem as regras ambientais[30]. Portanto, o governo deveria fazer os operadores do crédito cumprirem as regras ambientais e usarem os subsídios para uma política de desenvolvimento sustentável regional. Isso envolveria, entre outras coisas, capacitar os funcionários dos bancos públicos, associar a análise de desempenho dos funcionários dos bancos públicos ao desempenho ambiental de suas carteiras de crédito rural e realizar monitoramento independente do efeito do crédito rural em indicadores ambientais dos imóveis rurais financiados (restauração e proteção de estoque ambiental). Tais medidas também são fundamentais para o Plano ABC, já em execução, que visa reduzir emissões de carbono na agropecuária até 2020.

Criação da Cide-Carbono. A Cide (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico), um tributo federal que vigora hoje com alíquota zero, poderia trazer mudanças em setores com alto impacto ambiental e, ao mesmo tempo, gerar recursos para a recuperação de passivos ambientais. Por exemplo, uma alíquota inicial poderia ser aplicada a cada tonelada de gás carbônico equivalente (CO2eq) emitida pela queima de combustíveis fósseis em geral. Com base em uma emissão estimada de 426 milhões de toneladas de CO2eq por combustíveis fósseis em 2013, a receita gerada pela Cide-Carbono seria de R$ 1,3 bilhão/ano.[31] O impacto desta Cide sobre os preços de combustíveis seria ínfimo (menor que 0,5%). Os recursos gerados seriam utilizados para subvencionar atividades de recuperação florestal, que fixam carbono.

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[28] Disponível em: http://seeg.observatoriodoclima.eco.br/index.php/page/17-Estimativas-gerais.
[29] Disponível em Demonstrativo dos Gastos Tributários 2013. http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2013/DGT2013.pdf.
[30] O Ministério Público Federal processou bancos por estarem associados ao desmatamento ilegal: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2011/noticias/mpf-processa-bancos-por-financiarem-o-desmatamento-na-amazonia. Este é um exemplo de estudo sobre o efeito do crédito no desmatamento: Hargrave, Jorge; Kis-Katos, Krisztina (2011) : Economic causes of
deforestation in the Brazilian Amazon: A panel data analysis for the 2000s, Discussion Paper.
Series, University of Freiburg, Department of International Economic Policy, No. 17.
[31] IPAM 2014. Política tributária para a sustentabilidade. Relatório de Pesquisa elaborado em parceria com a LCA Consultores.

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