RESUMO

Os impactos da exploração madeireira nos ecossistemas amazônicos têm recebido considerável atenção. No entanto, de forma geral, esses impactos nas espécies individuais não têm sido adequadamente estudados. A exploração afeta as espécies madeireiras pela: i. extração de indivíduos adultos, que são importantes fontes de sementes; ii. danos aos indivíduos jovens (mudas e varetas); iii. criação de condições favoráveis a incêndios florestais (abertura no dossel e presença de resíduos no chão da floresta, os quais funcionam como material comburente.

Neste estudo, sumarizamos informações das características ecológicas de 305 espécies de árvores de valor madeireiro exploradas atualmente na Amazônia. Identificamos sete parâmetros ecológicos para avaliar a capacidade de resistência dessas espécies aos impactos negativos da exploração madeireira. Tais características são: (1) habilidade de dispersão para longas distâncias; (2) abundância de varetas na regeneração da floresta; (3) capacidade de crescimento rápido; (4) capacidade de rebrotar; (5) capacidade de resistir a incêndios; (6) ampla distribuição geográfica; e (7) abundância de árvores adultas. Elaboramos hipóteses de que espécies com características opostas a estes parâmetros e sujeitas à intensa pressão da atividade madeireira terão dificuldade de sobreviver nas áreas de exploração.

Utilizamos um sistema simples de pontuação para classificar as espécies madeireiras considerando suas habilidades hipotéticas de resistir aos impactos da exploração. Entre as espécies que são potencialmente suscetíveis aos impactos da exploração estão: Euxylophora paraensis (pau amarelo) e Swietenia macrophylla (mogno). A madeira serrada destas duas espécies é consumida principalmente pela Europa e Estados Unidos, revelando um elo direto entre o consumo no primeiro mundo e o possível esgotamento da biodiversidade da floresta tropical brasileira. Estas duas espécies, bem como outras que também poderiam sofrer uma redução populacional como resultado da exploração madeireira devem ser estudadas de maneira especial.

INTRODUÇÃO

A exploração de madeira na Amazônia começou há três séculos atrás (Rankin, 1985). Entretanto, até a década de 70 esta atividade estava restrita às florestas de várzea e a um grupo seleto de espécies de árvores de valor madeireiro. Enquanto esse tipo de exploração de baixo impacto continua em florestas de várzea (especialmente no alto Solimões), a abertura de rodovias em áreas de terra firme da Amazônia Oriental tem favorecido uma forma mais agressiva de exploração madeireira. Nestas áreas, são usadas máquinas pesadas para extrair centenas de espécies. Ainda que somente quatro a dez árvores sejam extraídas por hectare, o prejuízo na floresta é alto nesta nova forma de exploração: aproximadamente 2 m3 de madeira podem ser severamente danificados para cada metro cúbico extraído, e a cobertura do dossel da floresta pode ser reduzida em 40% ou mais (Veríssimo et al., 1992). Além disso, as condições de abertura do dossel e a quantidade de resíduos no chão da floresta explorada a tornam propensa a incêndios (Uhl & Kauffman, 1990).

Enquanto os impactos da atividade madeireira nos ecossistemas florestais têm sido considerados (Uhl et al., 1990; Veríssimo et al., 1992), os impactos da exploração sobre espécies individuais são pouco estudados (ver Veríssimo et al., 1995 para uma exceção). Neste trabalho, consideramos como a exploração florestal feita na Amazônia pode estar afetando espécies madeireiras. Para isso, elaboramos hipóteses de que algumas características ecológicas intrínsecas de espécies de árvores poderiam tornar certas espécies suscetíveis a uma redução populacional face à pressão da exploração madeireira. Por exemplo, uma espécie de alto valor econômico, alcance geográfico limitado, baixa capacidade de dispersão, crescimento lento e poucas árvores jovens pode não estar em condições de sobreviver em áreas exploradas. Enquanto uma espécie de baixo valor comercial sob baixa pressão da exploração, mas com grande alcance geográfico, boa capacidade de dispersão, rápido crescimento e muitas árvores jovens pode sofrer um aumento populacional em áreas exploradas (Figura 1).

O objetivo deste estudo é avaliar as características ecológicas da flora madeireira da Amazônia para fazer uma tentativa de distinguir as espécies que sofreriam uma séria redução populacional como resultado da exploração madeireira das espécies que poderiam ser favorecidas por esta atividade.

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Figura 1. As características ecológicas das espécies madeireiras poderiam torná-las vulneráveis aos impactos da exploração. Por exemplo, a espécie hipotética representada à esquerda tem o seu alcance restrito à Amazônia Oriental (onde está concentrada a atividade madeireira); não possui um sistema de dispersão para longas distâncias; possui poucas varetas no sub-bosque; não é capaz de brotar após o corte ou esmagamento; e é suscetível a incêndios rasteiros (por ter casca fina). Ao contrário, uma segunda espécie hipotética (direita) poderia ser favorecida pela exploração, pelo fato de estar distribuída por toda a Amazônia; por ser eficaz na dispersão de sementes para longas distâncias; ser abundante na regeneração; rebrotar rapidamente; resistir a incêndios (pela espessura grossa da casca); e por regenerar vigorosamente bem em clareiras.

METODOLOGIA

Primeiro, consultamos a literatura para fazer uma lista das espécies que estão sendo extraídas pela indústria madeireira na Amazônia. As nossas fontes de pesquisa foram: IBDF (1981,1983,1986,1988); Sudam (1981); Silva (1989); Uhl et al. (1991); Chichiguoud et al.(1990); e Veríssimo et al. (1992).

Em seguida, avaliamos as características ecológicas de cada espécie, considerando sete parâmetros: (1) habilidade de dispersão; (2) abundância de varetas na regeneração da floresta; (3) capacidade de crescimento rápido; (4) capacidade de rebrotar após corte ou quebra; (5) capacidade de resistir a incêndios; (6) amplitude da extensão geográfica; e (7) abundância de árvores adultas (Tabela 1)[1]. Esta foi, em grande parte, uma caracterização qualitativa, baseada no conhecimento de campo do segundo autor, Nelson de Araújo Rosa, um botânico com 25 anos de experiência na região amazônica, bem como em informações coletadas do herbário do Museu Emílio Goeldi e do Centro de Pesquisa Agroflorestal dos Trópicos Úmidos (CPATU) em Belém.

Adotamos uma escala linear simples, assinalando um valor “3” para as características ecológicas que permitiriam a resistência de uma espécie madeireira aos impactos da exploração; um valor “1” para as características ecológicas que poderiam impedir a sobrevivência de espécies; e um valor “2” para características intermediárias (Tabela 1). Por exemplo, a abundância de varetas na camada de regeneração da floresta foi considerada uma característica que poderia ser favorável à sobrevivência de uma espécie, uma vez que haveria uma fonte de varetas para repovoar a floresta após a exploração. Para as espécies com esta característica foi dado um valor “3”, enquanto para espécies observadas com poucas varetas foi designado um valor “1”.

Além disso, todas as espécies também foram avaliadas pela pressão da exploração madeireira: um valor “1” foi designado para as espécies que estão sob alta pressão, enquanto um valor “6” foi designado para as espécies que sofrem baixa pressão da exploração (são freqüentemente ignoradas pelos madeireiros, mesmo quando abundantes). A este fator demos um peso extra (duas vezes o valor máximo) por causa da sua importância óbvia na determinação do nível de impacto da exploração madeireira na espécie.

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Tabela 1. Parâmetros usados para avaliar a capacidade das espécies madeireiras da Amazônia de resistir à pressão da exploração.

a. Para as características ecológicas, o valor “1” significa uma característica desfavorável para as espécies (i.e., a característica pode causar um declínio populacional em virtude da pressão da exploração); um valor “3” significa uma característica favorável; e uma valor “2” uma característica intermediária. As espécies sujeitas à pressão da exploração recebem duas vezes mais o “ponto favorável” (6 ao invés de 3 pontos) para este parâmetro, pois consideramos que a pressão da exploração é mais importante do que qualquer outro parâmetro na determinação do grau em que a exploração pode afetar o número de indivíduos.

b. A maior distância para a qual a espécie pode dispersar suas sementes será a maior área que ela é capaz de colonizar, reduzindo, desta maneira, o risco de extinção local.

c. Uma abundância de varetas é desejável, uma vez que proporciona um estoque de árvores jovens após a exploração ter cessado.

d. A exploração madeireira cria muitas aberturas no dossel. Desta forma, as espécies que crescem rapidamente em condições de muita luminosidade podem prosperar.

e. A capacidade de brotar permite a recuperação dos indivíduos que sofreram algum tipo de dano durante a exploração madeireira.

f. Uma casca grossa isola o câmbio da árvore do aquecimento. Espécies com a casca grossa podem sobreviver aos incêndios rasteiros que, algumas vezes, ocorrem nas florestas exploradas.

g. Uma espécie que é comum persistirá em áreas não exploradas, enquanto uma espécie com distribuição limitada e, em particular, uma distribuição que coincide com as atividades da exploração madeireira, pode sofrer um declínio populacional.

h. Quanto maior o número de indivíduos adultos, torna-se mais difícil eliminar uma espécie, ainda que isto não ocorra sempre desta maneira.

i. As espécies que possuem baixa demanda no mercado correm menos risco do que as epécies com alta demanda.

A soma de pontos para todos os sete parâmetros ecológicos adicionada aos pontos da pressão da exploração madeireira resulta no total de pontos para uma dada espécie. Juntos, estes valores constituem uma primeira tentativa de classificar a suscetibilidade das espécies madeireiras da Amazônia aos impactos da exploração. A hipótese é de que uma espécie com a mais baixa pontuação estaria propensa a sofrer uma redução populacional e possível extinção como resultado da pressão da exploração. Por outro lado, as espécies madeireiras com as mais altas pontuações podem sofrer um aumento populacional como conseqüência da exploração.

1- Com base nas observações de um revisor que se referiu a esse estudo como um “trabalho exploratório”, questionamos se as características de tolerância à sombra versus a exigência da espécie por luz poderia ser um parâmetro adicional. Editores da Environmental Conservation.

RESULTADOS

Características da flora madeireira

De um total de 350 espécies madeireiras atualmente exploradas na Amazônia, foi possível avaliar 305 espécies. Isto por causa das restrições quanto a informações existentes e do limite do nosso conhecimento empírico sobre essas espécies.

As 305 espécies estão distribuídas entre 167 gêneros e 41 famílias (ver Anexo). As famílias Caesalpinaceae, Fabaceae e Sapotaceae juntas contêm um terço de todas as espécies madeireiras. Da amostragem de 305 espécies, 88% são utilizados, quase exclusivamente, na produção de madeira serrada, 4% são usados na produção de esteios e postes, e os 8% restantes são usados para laminação. As espécies madeireiras da Amazônia são conhecidas por suas madeiras densas e crescimento lento. De fato, em nosso levantamento, estimamos que 76% da nossa amostragem de espécies madeireiras é de média à alta densidade.

A maioria (89%) destas espécies ocorre em toda a Amazônia, com 4% ocorrendo principalmente na região da Amazônia Oriental, 1% na Amazônia Central, e 6% ocorrendo principalmente na região da Amazônia Ocidental (Tabela 1). Dentro dessas regiões, a maioria (64%) da flora madeireira ocorre em terra firme, enquanto 10% ocorrem na floresta de várzea, e 24% em ambas as áreas.

Nem todas as espécies são igualmente exploradas: 69% delas são extraídas onde quer que estejam presentes, enquanto os 31% restantes nem sempre são extraídos, mesmo quando são abundantes. Além de essas espécies serem valorizadas por suas madeiras, um terço delas também é apreciado como alimento (castanha-do-pará [Bertholettia excelsa]), por suas propriedades medicinais (óleo de Copaifera duckei, para problemas respiratórios), e pela goma ou resinas (látex da seringueira [Hevea brasiliensis]).

As características relacionadas à reprodução dessas espécies também são bastante variadas: um terço das espécies possui sementes grandes (maiores que 2 cm de comprimento), e somente 9% de todas as espécies possuem sementes pequenas (menores que 0,5 cm de comprimento). A maioria delas (70%) é eficiente na dispersão de suas sementes para grandes distâncias, como 100 metros. Das 305 espécies madeireiras estudadas, 162 sãodispersadas por mamíferos; 165 por agentes passivos, tal como o vento; e 125 por pássaros. Como os números anteriores indicam, 40% destas espécies têm suas sementes transportadas por dois ou mais agentes dispersores.

A abundância de varetas na floresta é um sinal de que a espécie está se reproduzindo bem. Constatamos que 33% das espécies madeireiras avaliadas eram bem representadas por varetas na regeneração da floresta, enquanto 43% dessas espécies eram raras nesta fase (ver Tabela 1).

Muitas espécies madeireiras são capazes de resistir aos distúrbios na floresta. Por exemplo, 87% da flora madeireira pesquisada pode produzir brotos logo após a quebra ou esmagamento associados à exploração. Além disso, 76% das mesmas 305 espécies possuem casca com espessura média (quando adultas), o que as protege contra incêndios florestais, por vezes associados à exploração.

Classificação das espécies madeireira sensíveis à exploração

Considerando os sete parâmetros ecológicos e o nível de pressão da exploração madeireira (Tabela 1), chegamos a uma tentativa de indicar as espécies de árvores que poderiam ser ameaçadas, bem como as espécies que seriam favorecidas pela exploração de madeira na Amazônia. Somando o total de pontos para as sete características ecológicas, uma espécie poderia, teoricamente, ter no máximo 21 pontos (7 características x 3 pontos máximos), e no mínimo 7 pontos (7 características x 1 ponto mínimo). Quanto menor a pontuação de uma espécie maior a suscetibilidade a uma redução populacional induzida pela alta pressão da exploração madeireira.

O resultado revela que quando são consideradas somente as características ecológicas, o total de pontos oscila entre um mínimo de 9 e um máximo de 20 (Figura 2A). Entretanto, adicionando a esta soma os pontos da pressão da exploração (1 ponto para alta pressão e 6 pontos para baixa pressão), o total de pontos alcança de 10 a 26 (Figura 2B).

Desta maneira, classificamos as 305 espécies em três grupos, com base em suas pontuações finais (Anexo e Figura 2B). Consideramos as espécies do grupo 1 (10-15 pontos) como potencialmente suscetíveis à uma redução populacional causada pela intensa exploração madeireira; havia 41 espécies(13% do total) neste grupo. As espécies do grupo 2 (16-21 pontos) foram consideradas como capazes de resistir à pressão da exploração (217 espécies), enquanto as do grupo 3 (22-26 pontos) poderiam de fato ser favorecidas pela exploração (47 espécies).

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Figura 2. Classificação das espécies madeireiras da Amazônia considerando sua sensibilidade aos impactos da exploração. A classe de pontos “A”, refere-se à soma de pontos para os sete parâmetros ecológicos. A classe de pontos “B” é a soma dos valores para os sete parâmetros ecológicos mais a pontuação para a pressão da exploração. As espécies do grupo 1 podem sofrer uma redução populacional como conseqüência da atividade de exploração madeireira. As espécies do grupo 3 podem sofrer uma expansão populacional como conseqüência desta atividade.

O grupo 1 contém espécies de importância comercial significativa na Amazônia Oriental, tais como a Euxylophora paraensis (pau amarelo) e a Swietenia Macrophylla (mogno).

Estas duas espécies são importantes madeiras para exportação, atingindo US$ 300 a US$ 900 por metro cúbico de madeira serrada.

O pau amarelo serve como um bom exemplo de como as características ecológicas das espécies podem favorecer uma redução populacional, resultante da exploração madeireira. As sementes desta espécie geralmente não são dispersadas além do perímetro da árvore mãe, e não brotam após o corte ou esmagamento. Quanto à distribuição, o pau amarelo ocorre principalmente na Amazônia Oriental, onde a pressão da exploração madeireira é intensa. Além disso, esta espécie conserva poucas varetas na camada de regeneração, e é pouco provável que se beneficie com os ambientes abertos (alta luminosidade) criados durante a exploração. Finalmente, a sua madeira é de alto valor comercial, sendo agressivamente explorada.

No outro extremo (grupo 3) estão as espécies que podem ser favorecidas pelas mudanças provocadas pela atividade madeireira. A Ormosia coutinhoi pode ser citada para caracterizar este grupo: esta espécie ocorre em toda Amazônia; suas sementes são dispersadas para longas distâncias, além de brotarem prontamente após a queda ou dano; a sua estrutura populacional apresenta muitas varetas e indivíduos jovens; e, ainda, é beneficiada pelas muitas aberturas no dossel da floresta criadas pela exploração, por ser uma espécie de rápido crescimento e que se beneficia de muita luz.

O grupo 2 possui o maior número de espécies (Figura 2B), entre as quais existem muitas de importância econômica como: Tabebuia Seratifolia (ipê), Cedrela Odorata (cedro), Hymenae Courbaril (jatobá), Virola Surinamensis (ucuúba), Carapa guianensis (andiroba), Cordia goeldiana (freijó), Manilkara huberi (maçaranduba), Peltogyne paradoxa (pau roxo) e Platymiscium trinitatis (macacaúba). Cada uma destas espécies possui a sua própria combinação de características ecológicas, nenhum caso sendo típico. Como um todo, consideramos que essas espécies são capazes de resistir à pressão da exploração madeireira sem sofrerem uma redução populacional.

DISCUSSÃO

A exploração madeireira na Amazônia tem aumentado bastante nas últimas décadas. Entretanto, o estoque de madeira é imenso, e parece existir o potencial para a exploração ecologicamente sustentável (Veríssimo et al., 1992; Barreto et al., no prelo). A nossa classificação simples das espécies que poderiam sofrer uma redução ou expansão populacional em áreas submetidas à exploração pode ser usada na definição das prioridades em pesquisa. Por exemplo, as espécies potencialmente ameaçadas pela atividade de exploração madeireira, bem como por distúrbios, em geral provocados pelo homem (as que tiveram baixa pontuação na nossa análise; ver Anexo), poderiam ser priorizadas em programas de pesquisa aplicada direcionados para o estudo da biologia de árvores amazônicas. De especial importância neste estudo são os dados sobre o alcance geográfico das espécies em questão; a intensidade da atividade humana dentro desta área de alcance; as características de regeneração da espécie (incluindo dados sobre biologia da polinização, produção, dispersão e germinação da semente, sobrevivência e crescimento da muda); e a capacidade competitiva das espécies em áreas abertas versus nos sub-bosques.

Mesmo sem a exploração madeireira, pode-se detectar mudanças na composição da floresta em intervalos curtos de tempo (Primack & Hall, 1992), mas com a exploração parece provável que essas mudanças sejam ainda maiores. Nossos resultados podem ser usados por engenheiros florestais da Amazônia, uma vez que servem como uma hipótese de trabalho para possíveis mudanças na composição da floresta ao longo do tempo. Por exemplo, supomos que espécies madeireiras com alta pontuação (ver Anexo) crescerão em importância relativa comparadas às espécies com baixa pontuação em um período curto, como aquele entre cortes sucessivos. Em vista disso, engenheiros florestais deveriam considerar a possibilidade de medidas de manejo especial para encorajar o estabelecimento e crescimento de espécies de alto valor comercial com baixa pontuação total para os sete parâmetros ecológicos por nós escolhidos.

A exploração madeireira, evidentemente, não afeta apenas a flora. As mudanças no habitat natural, associadas à essa exploração, produzem condições de floresta mais seca e mais aberta, o que, provavelmente, afeta a distribuição e abundância de anfíbios e répteis. As espécies animais que dependem diretamente das espécies madeireiras para se alimentar também podem ser afetadas pelos impactos da exploração. Encontramos que mais da metade das espécies madeireiras pesquisadas possui frutos que servem de alimento para mamíferos, e que mais de 40% possuem frutos que são consumidos por pássaros. Considerando o grau de dependência desses animais, por vezes dependentes quase exclusivamente das árvores madeireiras que poderiam sofrer uma redução populacional significativa, a extinção local da sua população é possível. Por outro lado, certas espécies de animais que são comuns na floresta secundária e habitats com distúrbios podem colonizar florestas já muito exploradas [ver Johns (1992) para um exame dos impactos da exploração na fauna florestal].

Dado que a maioria das espécies de árvores da Amazônia é rara em uma escala local, a exploração, particularmente em suas formas mais agressivas, poderia contribuir para um declínio na biodiversidade local. Estudar fatores que mantêm espécies raras em baixas densidades é a chave para entender a biodiversidade tropical (Primack & Hall, 1991). O correspondente desafio no campo da política é desenvolver protocolos de exploração que mantenham os níveis atuais da biodiversidade.

Alguns dos impactos negativos da exploração madeireira à biodiversidade da Amazônia podem ser atenuados se, futuramente, esta atividade for conduzida de maneira mais cuidadosa do que é atualmente. Os danos da exploração madeireira podem ser reduzidos através do planejamento apropriado das estradas da extração e trilhas de arraste; pelo direcionamento de queda das árvores; e pela adoção de medidas para restringir o volume de corte e a expansão de incêndios acidentais. Em escala regional também são necessárias medidas para zonear onde a exploração deveria ser permitida ou proibida. Por exemplo, a atividade madeireira estaria restrita a somente 32% do Estado do Pará se a exploração madeireira fosse proibida nas áreas de alta biodiversidade, unidades de conservação e reservas indígenas (Veríssimo et al., 1998).

NOTAS DE PRECAUÇÃO

A nossa tentativa de quantificar o grau em que as espécies madeireiras na Amazônia podem sofrer mudanças significativas na população como resultado das atividades de exploração possui várias limitações. Primeiro, a nossa classificação (ver Tabela 1) é grandemente qualitativa, uma vez que está baseada em experiência de campo mas não, em muitos casos, em pesquisas de fato. Por exemplo, a caracterização do “alcance de dispersão”, “abundância de varetas”, “capacidade de crescimento” e “capacidade de rebrotar” não foi baseada em medidas feitas na floresta.

Segundo, o nosso sistema de pontuação 1, 2 ou 3 considera todos os parâmetros ecológicos com igual importância, e todas as diferenças dentro dos parâmetros como tendo o mesmo peso para a sobrevivência das espécies (Tabela 1), o que em ambas as instâncias certamente não é o caso. O ideal, seria aplicar fatores de peso para os vários parâmetros quando a sua importância relativa fosse medida, mas levará bastante tempo até que o nosso conhecimento alcance o ponto “ideal”.

Terceiro, o nosso conhecimento de como a maioria destas espécies madeireiras reage a grandes distúrbios é muito limitado. Por exemplo, pode ser que uma espécie com baixa pontuação para vários parâmetros ecológicos se beneficie particularmente de uma exploração agressiva, uma vez que prospera em ambientes altamente perturbados. Este poderia ser o caso do mogno (Swietenia macrophylla), que possui baixa pontuação (14; ver Anexo). Há também evidências de que esta espécie requer distúrbios relativamente grandes (por exemplo, aqueles associados às mudanças de curso de rio, incêndios ou furacões) para regenerar (Veríssimo et al., 1995) e, por isso, teria um desempenho melhor sob intensa exploração do que sob baixa pressão da exploração. O nosso sistema de classificação não foi suficientemente sensível para incluir tais matizes potencialmente importantes.

Uma nota final de precaução é a de que o nosso sistema de pontos proporciona um retrato da suscetibilidade relativa das espécies à pressão da exploração madeireira em um dado período de tempo.

Considerando que o nosso uso da pressão da exploração como um fator de peso seja apropriado, a ordem da classificação poderia mudar dramaticamente se uma espécie de baixo valor comercial repentinamente passasse a ser muito procurada (para a qual a pontuação da pressão da exploração passaria de “6” para “1”). Isto acontece com certa regularidade na Amazônia Oriental, especialmente quando é descoberto que uma espécie amplamente ignorada pode substituir uma espécie de valor que está se tornando cada vez mais escassa tanto na Amazônia como em outras regiões dos trópicos.

Estas limitações devem ser consideradas na avaliação dos resultados deste esquema de classificação. No entanto, também mostramos que existem muitas informações disponíveis que permitem a listagem das principais espécies madeireiras da Amazônia, bem como o desenvolvimento de uma estrutura de análise para gerar hipóteses sobre quais destas espécies poderiam ser ameaçadas pela exploração madeireira. Esperamos que, com a disponibilidade maior de informações, estas análises possam ser melhoradas e, por conseguinte, que os esforços para monitorar a posição de todos os componentes importantes da flora madeireira da Amazônia tornemse cada vez mais eficientes.

OUTRAS APLICAÇÕES PARA ESTA ABORDAGEM

A abordagem que usamos para a exploração madeireira também pode ser aplicada para outros tipos de perturbações provocadas pelo homem na Amazônia[2]. Por exemplo, seria útil especular o quanto a construção de uma represa ou de uma mina de ouro pode estar afetando as espécies de peixes da Amazônia. Estas perturbações aquáticas inter alia podem afetar diretamente o fluxo do rio, a turbidez da água, a concentração de mercúrio nos sedimentos, e o conteúdo do oxigênio dissolvido. Indiretamente afetaria a relação predador-presa e a interação competitiva. Desta forma, é provável que certas espécies de peixes possam sofrer redução populacional, enquanto outras podem encontrar novas condições mais favoráveis para crescimento e reprodução, levando ao aumento populacional.

Esta mesma abordagem também pode ser usada em uma escala mais ampla para prever a composição da flora e fauna futuras da região amazônica. As atividades humanas na Amazônia em ambientes aquáticos e terrestres exercem pressão seletiva nas plantas e animais que são diferentemente tolerantes ao stress. Este subgrupo de espécies tolerantes ao stress, junto com um grupo de espécies exóticas oportunistas, podem vir a dominar a fauna e flora futuras de grande parte da Amazônia.

No caso das plantas, a flora futura pode ser composta, substancialmente, por espécies que persistem nas áreas iluminadas e/ou aquelas que são capazes de se estabelecer em tais áreas. Portanto, as espécies que brotam facilmente, que resistem aos incêndios, que possuem sementes e folhagens pouco atrativas aos predadores, e que são capazes de resistir ou evitar secas podem dominar muitas paisagens alteradas. No caso dos animais, as espécies com possibilidade de prosperar são aquelas que requerem extrema flexibilidade de alimentação e habitat. Tal biota futura composta por espécies resistentes e generalistas de plantas ou animais incluiria somente uma pequena fração da biodiversidade atualmente existente na Amazônia.

Essa abordagem de estruturação de problema também pode ser aplicada para a produção de critérios capazes de impor limites ao tamanho de clareiras permitido na Amazônia. Um dos maiores impedimentos para aregeneração da floresta em velhas clareiras degradadas é a escassez de sementes na floresta vizinha (Nepstad et al., 1991). Os animais dispersores de sementes circulam em pequenas clareiras, mas a “chuva de sementes” diminui em intensidade à medida que o tamanho das clareiras aumenta, retardando a colonização e sucessão das espécies de plantas. Portanto, listar as espécies animais que dispersam as sementes das árvores seria o primeiro passo em direção ao critério indicado para determinar o limite do tamanho das clareiras.

Tais agentes dispersores poderiam, então, ser classificados para medir a importância relacionada aos tipos e quantidade de sementes que eles dispersam, bem como a distância que eles percorrem fora das clareiras. Esta informação pode vir de um especialista em história natural e poderia ser rapidamente coletada. O seu uso permite o desenvolvimento de critérios para limitar o tamanho das clareiras. Por exemplo, se as análises revelassem que o número de espécies vegetais, as quais são capazes de ter suas sementes dispersadas para as clareiras, declinasse dramaticamente além de uma certa distância (por exemplo, 200 m), isto poderia formar uma base para elaborar propostas de legislação que estabelecessem limites correspondentes quanto ao tamanho e/ou forma de abertura permitidos.

Em geral, é compensador pensar sobre formas de usar a informação disponível para guiar a pesquisa e a formulação de políticas. Ao mesmo tempo, precisamos ser cautelosos no uso das informações que têm sido produzidas neste sentido. Por exemplo, não é conveniente usar as informações por nós adquiridas fora do contexto desejado. Finalmente, a intenção desta abordagem não é substituir, a longo prazo, as pesquisas rigorosas.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer a Daniel Nepstad, John Rhombold, Johan Zweede, David McGrath, Jennifer Johns e Eric Meyers, por revisarem as primeiras versões deste trabalho; Flávio Figueiredo por auxiliar com os gráficos; Gláucia Barreto pela tradução deste artigo; e ao Museu Emílio Goeldi e ao Centro de Pesquisa Agroflorestal dos Trópicos Úmidos (CPATU), por nos permitir usar os seus herbários. O suporte financeiro foi dado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF).

 APÊNDICE

Pontuação das espécies madeireiras da Amazônia pesquisadas, considerando a probabilidade de redução ou expansão da população em virtude da pressão da exploração madeireira.

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