O aumento expressivo de desmatamento observado entre 2018-2019, que ultrapassou 10 mil km² pela primeira vez desde 2008, trouxe evidência ao tema de regularização fundiária na Amazônia. Representantes do governo federal, de estados e do Congresso Nacional indicam que a falta de regularização fundiária é uma das principais causas para a perda de florestas na região. Defendem também que é necessário emitir um título de propriedade àqueles que desmatam, para que seja possível identificar os responsáveis por tais crimes ambientais e puni-los. Houve inclusive uma tentativa malsucedida de flexibilizar a legislação federal sobre o assunto em 2020, sob alegação de que seria necessário para resolver esse problema. Porém, a mudança de regras federais de regularização fundiária seria uma medida insuficiente diante dos desafios enfrentados nesse tema, além de estimular novas ocupações de terra pública na expectativa de obtenção de um título.
Para discutir os problemas ligados à regularização fundiária na Amazônia e as possíveis soluções, é essencial conhecer alguns fatos básicos sobre o tema. Por exemplo, compreender que governo federal e estados dividem a responsabilidade pela regularização fundiária na Amazônia. O governo federal atua sobre áreas que foram arrecadadas e matriculadas em nome da União. Já os governos estaduais atuam em áreas que já foram matriculadas em nome de cada estado e são responsáveis pelas áreas sem destinação que estão fora das áreas federais. Por isso, a solução do problema fundiário não se resolveria com uma eventual mudança na lei federal, já que cada estado possui suas próprias regras no tema.
Além disso, a legislação brasileira elenca outras formas prioritárias para promover o ordenamento territorial na região, que são mais eficazes para o combate ao desmatamento. Por exemplo, reconhecimento de Territórios Indígenas e Quilombolas e criação de Unidades de Conservação. A titulação de ocupações privadas em terra pública é apenas uma das opções existentes e a que possui menor prioridade legal. Há também evidências de que essa prática pode levar a mais destruição da floresta. Isso porque o modelo de reconhecimento de direito a terra acaba estimulando o desmatamento como prova de ocupação para receber o título; ou ainda porque o título permite maior acesso a crédito para expandir a produção, com desmatamento associado.
Para contribuir com a discussão mais qualificada sobre esse problema na Amazônia e subsidiar soluções, este estudo faz uma avaliação comparativa das leis e práticas estaduais fundiárias na Amazônia Legal. Por práticas, entendemos a forma como os órgãos se organizam e implementam a legislação. Analisamos também de que forma essas leis e práticas de regularização fundiária existentes na esfera federal e estadual estão alinhadas com objetivos de redução de desmatamento e recuperação de passivos ambientais em imóveis rurais; ou se acabam estimulando a continuidade da ocupação de terra pública com base no desmatamento.
Este estudo é resultado de avaliações que realizamos entre 2016 e 2020, em três etapas:
I. Entrevistas presenciais com representantes dos órgãos fundiários estaduais e instituições com atuação no tema em todos os nove estados da Amazônia Legal, realizadas em 2016 e 2017.
II. Avaliação da legislação fundiária estadual dos nove estados da Amazônia Legal, abrangendo leis, decretos e normas administrativas (como instruções normativas) aprovadas até 2020.
III. Levantamento de informações junto a órgãos federais e estaduais das áreas não destinadas na Amazônia.
Esta publicação é voltada ao público interessado em compreender os problemas comuns a esses órgãos fundiários, sejam relacionados à sua forma de atuação ou à legislação. Também publicamos separadamente nove relatórios que detalham a avaliação do órgão de terras de cada estado; uma espécie de raio-x da instituição e da legislação fundiária estadual.
Apresentamos os resultados a partir de dez fatos com as principais constatações da análise. Eles podem ser lidos de forma sequencial ou individual para facilitar a busca pela informação de interesse. São eles:
• Fato 1: 28,5% do território amazônico não possui informações sobre destinação fundiária.
• Fato 2: Os governos estaduais são os principais responsáveis pela área sem definição fundiária na Amazônia, mas falta planejamento para controle e destinação desse território.
• Fato 3: 43% do território sem definição fundiária possui prioridade para conservação, mas os procedimentos atuais não garantem a destinação do território para essa finalidade.
• Fato 4: Há pelo menos 22 órgãos com atribuição para algum tipo de regularização fundiária na Amazônia.
• Fato 5: A desorganização das bases de dados fundiários e a baixa adoção de tecnologia dificultam a organização de um cadastro de terras único ou compartilhado.
• Fato 6: A maioria das leis estaduais incentiva a contínua invasão de terras públicas.
• Fato 7: Nenhum estado proíbe a titulação de áreas desmatadas ilegalmente e a maioria não exige compromisso de recuperação de passivo antes da titulação.
• Fato 8: A população brasileira subsidia a privatização de terras na Amazônia sem garantias de uso sustentável no imóvel.
• Fato 9: Falta transparência e controle social sobre a privatização do patrimônio público fundiário.
• Fato 10: Houve mudanças em sete leis fundiárias na Amazônia entre 2017 e 2020 para facilitar a privatização de terras públicas.
Ao final, apresentamos uma conclusão resumida dos principais problemas comuns nos estados e das ações que deveriam ser priorizadas para que as leis e práticas de regularização fundiária possam, de fato, contribuir com a redução do desmatamento.
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Veja também:
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This post was published on 24 de março de 2021
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